quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Modelos plus size e o mercado...

 
Não é nenhuma novidade afirmar que, da forma como a obesidade vem crescendo no mundo, o horizonte é muito sombrio, estima-se que estamos diante de um dos mais graves problema do século XXI. Os dados oriundos da Organização Mundial de Saúde não são nada lisonjeiros, vemos que entre 1980 e 2013, o número de indivíduos obesos subiu de 28,8% para 36,9% em relação aos homens e de 29.8% para 38% no que se refere às mulheres! Não podemos negar que são dados estatísticos aterradores: temos uma epidemia e isso torna gordos e gordas os "escolhidos" para ser defenestrados! Alguns profissionais, entre eles, os da Educação Física, mas não nos esqueçamos que os da medicina também brigam pela parte que lhes cabe neste imenso latifúndio, estimulam a prática da atividade física como um dos "remédios" capazes de contribuir efetivamente no processo de emagrecimento, afinal, ser gorda ou gordo não é recomendável para a saúde, por isso, está aberta a temporada de caça aos mamutes, que o são, em parte, por causa da ingestão desenfreada de alimentos com alto teor de gordura e açúcar (dizem os especialistas) que tornam seus corpos esquálidos.
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Falando nisso, corpo bonito, segundo as "caricaturas" impostas pelas diversas mídias, é aquele harmoniosamente distribuído, cada coisa em seu devido lugar, sem excessos, é preciso que se diga que os corpos das modelos magérrimas, por um lado, e os  das musas do tipo Beyoncé, por outro, são o sonho de consumo das mulheres! Na sociedade do consumo desenfreado em que vivemos, onde o sonho eterno por um corpo perfeito se tornou algo doentio, gordas não têm vez!? Vale tudo para perder os quilinhos que comprometem a silhueta desejada. Para resolver esse impasse, proliferam as mais variadas dietas tendo como chamariz tanto famosos como "anônimos", que garantem a fórmula rápida e fácil para qualquer um ter o corpo desejado, para isso, basta a simples adesão a esse circo de horrores, onde "cada indivíduo está isolado dos demais, é um entre milhões, numa espécie de solidão em massa", já dissera o velho Marx, em meados do século XIX. Como o estereótipo vige e se impõe, à primeira vista, não é dada nenhuma chance ao gordo, esse ser que perdeu totalmente a percepção das suas dimensões corporais, já está condenado, sua pena é emagrecer a qualquer custo!
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Profissionais desavisados sequer analisam que muitos dos considerados obesos o são por questões endógenas e que ser magro não é necessariamente sinal de saúde! Há inúmeros magros que são verdadeiramente "gordos", assim como existe uma legião de gordos que são "magros", mas o estereótipo  faz com que pela simples aparência coloquemos o carimbo nas pessoas obesas, sem analisar as verdadeiras causas, somos uma sociedade preconceituosa, mas a hipocrisia nos garante imunidade! Isso não quer dizer que devemos fechar os olhos e fingir que a epidemia de obesidade não exista, há uma profusão de gordos e gordas que precisa ser orientada com muito cuidado pelos órgãos de saúde pública, mas sem o preconceito que é muito comum na Educação Física e, por que não dizer, na medicina também?!
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Se tudo isso é verdade, como se explica o boom das modelos Plus Size? Esse oximoro não é algo tão extraordinário neste modo de produção que "escolhemos" para orientar nossa vida, cujo ponto nodal é o lucro, ou seja, toda e qualquer coisa pode e deve ser transformada em mercadoria, é do "sistema" ser paradoxal. O mercado "descobriu" um nicho em que pode faturar milhões de dólares, mas não pode perder de vista o grave problema da obesidade que vem se alastrando por todos os quadrantes. O que fazer? Bem, meus caros, aí não há nenhuma relação com a inquietação que moveu o velho Lênin. O que queremos saber é: devemos acabar com o "mal" que assola a humanidade ou estimular a "engorda", já que há um mercado de proporções gigantescas em plena expansão? Percebe-se muito claramente que essa é uma pergunta de retórica. A decisão já foi tomada há algum tempo, está aí a moda plus size, com seus milhões de seguidores, que não nos deixa mentir. O fato é que temos uma quantidade incomensurável de gordas sequiosas por consumir os mais diversos produtos, é preciso explorar esse veio, apropriar-se dessa fatia do mercado que vinha sendo negligenciada; como já sabemos, o importante no modo de produção capitalista não são as pessoas, e sim o quanto é possível ganhar com o "produto"! "Não se envergonhe de ser gorda, os espaços que antes lhes eram negados, como a praia, por exemplo, agora são seus por direito e o mercado está pensando em você 25 horas por dia", não seria um belo slogan?! Isso contagia aquela mulher que foi discriminada ao longo de sua vida por ser gorda e a absolve da condenação, ser gorda já não é "crime"! O mercado sabe que é necessário muito mais material para a confecção de uma lingerie "plus size", logo, há mais rentabilidade na gordura do que na magreza, ou seja, é mais vantajoso estimular a obesidade ao invés de combatê-la.
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Uma modelo "plus", que acabara de ganhar um concurso, contava sua história de vida na TV, repleta de desilusões e sofrimentos, emocionando os presentes e muito provavelmente os milhares de gordos e gordas que tinham diante de si o espelho de suas existências, ali estava o passaporte que os libertava! A vitória no concurso de beleza "plus size" a deixara esfuziante, em estado de graça plena, afirmara que nem mais consultava a balança, coisa de que fora escrava quando adolescente, agora era livre! O que temos aí? Nada mais, nada menos que o mercado ditando moda e estabelecendo costumes, o oximoro é que mesmo sendo um grave problema de saúde pública, teremos mais e mais "plus" dizendo: "não permita que que cerceiem seu direito de ser como é, ser gorda é ser feliz"; saibam que falta muito pouco, se é que já não temos em gestação, os famigerados concursos masculinos "plus size" e aí vocês verão eu e meu amigo gordinho de sunguinha na TV...     

domingo, 27 de dezembro de 2015

Smartphone, WhatsApp e solidão...


 
Nestes tempos em que talvez o mais desejado dos smartphones tenha o nome de Iphone (ai de mim) e tudo parece tão claro, compreensível, à mão, resolvível num toque, que não há mais necessidade de reflexões filosóficas para entendermos nosso cotidiano. A minha ambição e a de 10 entre 10 pessoas é ter um celular cuja capacidade seja a de se apoderar do mundo num simples click, que atenda às necessidades mais comezinhas e que tenha a potência de tirar fotos com uma definição que me permita ver aquela ruga que o photoshop não conseguiu esconder, assim como, gravar vídeos em ultra definição. O papel do telefone inteligente é nos permitir ter tudo e todos à mão, agora o mundo nos pertence, é a realização do maior dos sonhos do big brother, de 1984, ter o domínio da vida a sua mercê. Estamos todos conectados, somos uma aldeia global, não há mais fronteiras a nos tolher, que coisa boa, não é? Observem, a tecnologia fez aquilo que levamos anos a fio e não conseguimos que era mostrar que independentemente do lugar em você esteja e por mais simples que seja o smartphone, basta um click, seja na África faminta ou no frio Canadá, a metáfora do Iphone se materializou, eu sou o celular e o celular sou eu. 
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Neste sentido, em razão de estarmos em período de confraternização, nas horas que antecederam a noite de natal, meu smartphone não parava de  emitir tantos sons que chegaram a me enjoar, nada mais eram que um tsunami de mensagens me desejando feliz natal e próspero ano novo se repetindo a cada minuto. Como sou popular, tenho milhares de contatos e quase todos, não serei pretensioso para dizer que todos, me desejando boas festas, muito iguais, pareciam os famigerados control c, control v. Neste momento, percebi o quanto ter o whatsApp instalado é importante, existem outros, eu sei, talvez até mais atraentes, porém esse pertence ao dono do facebook, o sujeito que dispõe de dados importantes sobre nossa vida em suas mãos, o que quero dizer é que esse aplicativo todo mundo tem, nesse caso, como todos pertencem à rede social do senhor Zuckerberg, o ciclo se fecha, estamos todos num só lugar, juntos e misturados, não, não vou aspear, somos todos um só corpo, o celular é um grande organismo, razão pela qual é chamado de inteligente, onde cada contato é uma célula que precisa pulsar para nos manter vivos, logo, conectados! Nós somos um celular em busca da vida eterna, que se resume em ter uma bateria incapaz de descarregar, esse é nosso maior medo, esse artefato insiste em nos tirar da "rede" todas as vezes em que inopinadamente descarrega, nossa capacidade de comunicação se cala, mas ela não perde por esperar, como a tecnologia se desenvolve a passos largos, é muito provável que a bateria infinita esteja por um triz e, em breve, teremos aquela que ao mesmo tempo em que se gasta simultaneamente se carrega, e aí, verdadeiramente, estaremos ligados não apenas 24 horas, mas todas as horas da vida!
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O caso curioso que aconteceu recentemente quando a justiça brasileira suspendeu a utilização do WhatsApp por 48 horas, que, por questões óbvias, não chegaram a tanto, comprova a "importância" desse aplicativo em nossa comunicação diária, sem ele, ficamos literalmente mudos, aliás, isso é tão significativo que repercutiu em todos os quadrantes do universo, obrigando o dono do facewhatsApp a se manifestar e, o que mostra o quão esse cara é poderoso, exercer pressão decisiva sobre a justiça do país! Vejam vocês como as ironias vão se avolumando neste mundo do telefone inteligente, as pessoas ficaram desesperadas porque foram impedidas de trocar mensagens com seus contatos, esqueceram que bastava ligar, o que para alguns "betas" se resume a parcos centavos ou estamos tão sem dinheiro ou sem nenhuma afetividade que nem gastar centavos com os "amigos" somos capazes?! Tenho um filho que mora, mais ou menos, a 3 ou 4 km de distância, não o vejo desde o dia 07/08/2015, não nos falamos a cinco meses, porém temos trocado mensagens via whatsApp regularmente, curtas, é verdade, algumas sem sentido, percebo que neste mundo cheio de tecnologia, estamos cada vez menos vendo os olhos das pessoas, não as escutamos mais, elas não ligam, e, caso o WhatsApp seja bloqueado por um tempo, esqueceremos que elas existem!? Um poeta dissera certa feita, "há mais solidão no aeroporto que num quarto de hotel barato", e eu, pensando cá comigo, digo, temos o mundo em nossas mãos, mas estamos tão sozinhos com nosso aplicativo gratuito no celular...  

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Cenários de Terror...


Quando éramos criança, na maioria das vezes em que faltava energia, a luz salvadora era a que vinha das velas, isso nos levava a ficar observando o movimento das imagens refletidas nas paredes; brincar com as sombras formadas nos alegrava sobremaneira, porém, como tudo que é bom não dura pra sempre, quando adormecíamos o terror tomava o lugar da alegria! Sonhando, a brincadeira de criar figuras a partir das sombras se tornava um pesadelo devastador, muitas eram as tentativas malsucedidas de acordar. Ver as imagens criadas nos perseguindo noite a dentro e não termos consciência de que aquilo era apenas um "sonho" era assustador. Muitas foram as noites em que o jogo divertido à luz de velas, tornara-se nosso maior suplício, o "brinquedo" nos atemorizava, virava máscaras gigantescas, tão assustadoramente reais, que acordávamos encharcados dos líquidos mais diversos!
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À medida que crescíamos, fomos sendo abandonados pelos pesadelos provocados pelas sombras à luz de velas. O terror foi ficando mais concreto, mais palpável. Calçar os sapatos era doloroso, porque, inevitavelmente, teríamos que unir os cadarços em forma de laço, o medo de não acertar fazê-lo nos aterrorizava! Minha irmã pacientemente nos mostrava o como fazer, parecia tão simples, que boa professora que ela era, o problema era o aluno! As palavras se rompiam no ar como bolhas de sabão, o gesto motor não conseguia transformar aqueles dois pedaços de "cordão" em um laço. Parecia que jamais conseguiríamos, infelizmente, o velcro ainda não fora inventado!
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Pensamos que vencidos aqueles medos, todos os outros que viessem seriam facilmente eliminados,  achávamos que tínhamos construído uma couraça indestrutível (não foi Nietzsche quem disse que aquilo que não nos mata nos fortalece?), porém crescer nos fez ver que o medo não fora eliminado, apenas mudara de face, sabíamos que não bastava acordar para que as "sombras" se dissipassem como nos pesadelos de criança. O medo ganhara outras cores! Certa feita, o ano deveria ser 1967, se não estamos enganados, nos deparamos com cartazes espalhados por diversos espaços solicitando à população que delatasse imediatamente as pessoas ali mencionadas, a preocupação era com nossa segurança, aqueles indivíduos estavam envolvidos em atos terroristas, eram bandidos, precisavam ser presos, quiçá, torturados, para que o Brasil fosse salvo! Tinha medo de dar de cara com algum deles e não saber o que fazer. O lado perverso dessa história é que os "terroristas" que os cartazes anunciavam eram aqueles que se rebelaram com a ditadura civil-militar, implantada em 1º de abril de 1964; entre os "bandidos e terroristas", muitos eram professores, estudantes...essa ditadura, que nos quartéis era chamada de revolução, durou mais de vinte anos! Os militares, com a cumplicidade de parcela da sociedade civil, torturaram e mataram uma quantidade imensa de pessoas, muitos sequer sabiam o que estava acontecendo, o que nos mostra que o terror não ataca apenas os seus alvos!
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Nem tão longe e nem tão perto, chegamos a 2015 e à sexta-feira 13 de Paris, com suas bombas e mortos a granel! O fato é que o furor causado pelos ataques de 7 de janeiro de 2015, aos humoristas do jornal satírico francês Charlie Hebdo, voltou com intensidade à mídia e esta, "sem querendo", estimulou a busca por justiça a qualquer custo, mais uma vez! A palavra terrorismo vem sendo repetida à exaustão, na mesma medida em que a sigla E.I. se tornou o alvo a ser destruído pela humanidade! Os membros do "Estado Islâmico" assumiram que os atentados foram executados por eles. Esses são os terroristas, se forem eliminados, voltamos ao nosso antigo estado de bem estar, em que não ocorriam nem ataques a inocentes e nem assassinatos em massa! Perdoem-nos a ironia! Mas é muita hipocrisia no ar. É importante frisar que existe um mercado internacional de armas que sobrevive dessas ações e das diversas guerras que ocorrem no mundo, ou alguém aí acha que as armas, assim como as bombas usadas pelo E. I. são produzidas por ele? Não estou dizendo que os membros daquela organização são bons camaradas, muito pelo contrário, mas afirmando que as ações de bombardeios à Síria e ao Iraque não são tão diferentes dos atos terroristas pois pessoas são mortas mesmo não estando envolvidas com as ações dos militantes do Estado Islâmico, entre elas crianças, que não têm nada a ver com a briga a favor ou contra Alah!
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Dizem que o terrorismo se caracteriza porque suas ações tem os civis como um dos seus alvos. Observem que George Bush afirmou que precisava "invadir" o Iraque porque havia armas de extinção em massa, ou seja, a humanidade corria sério perigo! Os EUA para nos salvar bombardearam aquele país Árabe, morreram centenas de milhares e o Iraque ficou esfacelado, o mais cruel é que as tais armas não foram encontradas, embora se existissem, nada autorizaria tal massacre, um erro nunca justifica o outro! Naquele momento, não havia o que conhecemos hoje como Estado Islâmico! Mas o terrorismo não ataca apenas seus alvos, não é mesmo? Embora muitos possam achar uma aleivosia chamar de terroristas aqueles que despejam suas bombas com o objetivo de extirpar o mal e salvar a humanidade, esse ato não difere em nada daquele perpetrado na sexta-feira 13 de Paris! Já fizeram algo semelhante com o Japão, os civis das cidades de Hiroshima e Nagasaki foram agraciados com duas bombas atômicas sobre suas cabeças, mas o objetivo era acabar com a guerra, dirão os defensores de tais atos.
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O lado perverso dessa tragédia é que os verdadeiros responsáveis por essas atrocidades assistem de camarote o circo pegar fogo. Os verdadeiros responsáveis ganham turras de dinheiro vendendo armas aos militantes das mais diversas origens, para que estes possam cometer os atos mais atrozes. Que tal, ao invés de matar civis inocentes, já que o objetivo é extirpar os terroristas, se os líderes de todos os países decretassem o fim da fabricação de armas e a extinção de todos os arsenais? Destruição de todas as armas do mundo e suas fábricas legais e clandestinas! Sabemos que isso jamais acontecerá porque envolve cifras astronômicas, a guerra é um grande negócio seja ela de que tipo for! E aqui, sob o guarda-chuva do modo de produção capitalista, o importante é o lucro não as pessoas ou uma paz entre os povos, por isso, as crianças e idosos daqueles países em que os terroristas têm seu quartel general que que se cuidem, suas vidas serão o preço que terão que pagar para nos salvar do mal, amém...    

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Uma noite, uma linda mulher*...

Saí do barzinho, por um brevíssimo momento, com o intuito de saborear calmamente meu cigarro, quando, de súbito, percebi que não era o único dono daquela noite. No espaço reservado aos proscritos e viciados, uma linda mulher parecia esperar para me fazer companhia. Por uma questão de fidelidade, é preciso que se diga que, tendo apenas a luz do luar a nos afagar, era possível vislumbrar seus lindos olhos amendoados e transgressores como um beijo de língua! Será que o destino estava querendo me pregar uma peça? Esse fora o pensamento que me veio à cabeça em razão da situação oferecida! Entendi que era melhor não racionalizar, por que não me deixar envolver e viver intensamente a situação que me descortinava ao invés de me tornar refém da lógica, buscando explicação para o inexplicável? À primeira vista, o fato ímpar de sermos fumantes nos fazia cúmplices, quase amantes, afinal,  nestes  tempos de exclusão, o consumidor de cigarros é execrado de quase todos os espaços de convívio, tornando-se quase um pária! Pensava em tudo isso ao observar a imagem que se impunha às minhas retinas fatigadas pela presbiopia! O que posso dizer é que o fascínio por mulheres de olhos repuxados me dizia que encontrara uma mulher especial e, em razão disso, as estrelas festejavam o acontecimento banhando-nos   intensamente com suas fulgurações! Aquela era uma noite em que a sorte parecia me sorrir, por ironia da história, tinha exatamente o que aquela mulher estonteante desejava: fósforos! Eu sei que você deve estar se perguntando: "fósforos, mas como?" Compreendo sua estupefação! Justamente porque num tempo em que estamos cercados pela tecnologia em todos os poros, um isqueiro seria muito mais apropriado e preciso, porém, espero que compreenda, só o fósforo traria a elegância e sofisticação, como num film noir, que aquele momento mágico exigia! Fogo, foi o que lhe perguntei, ela aquiesceu. A chama fez com que nossos olhos se cruzassem criando uma atmosfera de intimidade e sedução, não havia como negar, fora arrebatado pela paixão! Ato contínuo, seus lábios vermelhos foram iluminados pela queima do cigarro desencadeando em mim um turbilhão de desejos inconfessáveis! Não sei explicar o que acontecera, mas de um momento para o outro, eu que sempre fora o mais tímido dos tímidos, vi-me falando de tudo e mais um pouco, inclusive das minhas peripécias sexuais como se isso fosse a coisa mais natural do mundo! Queria impressioná-la, é certo, e me mostrava um amante louco e desvairado! Cheguei ao cúmulo do absurdo ao dizer que estava entre aqueles que localizavam facilmente o ponto G de uma mulher e que poderia lhe dar esse prazer! Ela, quase às gargalhadas, me perguntou o que me levara a pensar que não o atingia continuamente? Tentando não me mostrar desconcertado com o riso e a resposta, apelei para aquilo que confirma tudo, incluindo aí muitas aberrações, a tal da ciência! Disse-lhe que estava provado cientificamente que a forma como o fumante segura o cigarro demonstra o quanto é feliz sexualmente e do jeito que o segurava denotava o quanto estava insatisfeita! Você é gaiato ou o quê? Fora sua resposta voraz. Sou mais ou menos escritor, e você, perguntei. Prostituta! Engoli em seco. O que isso significa? Que as pessoas pagam para transar comigo, eis meu telefone e meu website, mas, por favor, não tente nos finais de semana, ando muito ocupada! Estupefato e sem saber o que dizer, li cada uma das linhas do cartão que ela me entregara.  Notando o meu total desconforto, abraçou-me e deu-me um longo e saboroso beijo, desaparecendo da mesma forma que aparecera, não sem antes, com uma sutil piscadela, dizer: me ligue...
*Inspirado no filme Nova York, Eu te amo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Trote, calouros e afins...

Muito já se escreveu sobre o assunto  "trote e suas mazelas" e, provavelmente, muito ainda será escrito. Entendemos que algo que poderia inibir, quiçá, diminuir sua incidência, a morte de alguns estudantes, não logrou resultado pois os trotes continuam acontecendo sem resistência dos que fazem parte, significa que provoca o mais do animal que fomos um dia(?), a volta aos tempos das cavernas! Todo ano tem Enem/vestibulares, logo, milhares de estudantes ávidos por passar por constrangimentos e, sem-cerimônia, serem achincalhados, são incorporados às universidades. Temos aí um ciclo vicioso, aquele que um dia já foi calouro espera ansiosamente pelos seus "bixos" para lhes devolver na mesma moeda ou quem sabe até em moeda mais cara(perversa) tudo aquilo que recebeu dos seus veteranos quando foi submetido ao seu rito de passagem!
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Quando ingressei na universidade fui submetido a dois trotes indolores e, de certa forma, hilários. O certo é que não chegou a arranhar ou machucar ninguém, talvez alguma "alma" mais sensível tenha se sentido incomodada, mas os que tenho visto por essas plagas e alhures têm tudo para deixar marcas indeléveis. Falando do primeiro, aconteceu no segundo ou terceiro dia de aula, se não me falha a memória; um grupo de estudantes pediu licença ao professor para conversar com a turma sobre um projeto contra a pobreza, sequer sabíamos que se tratava dos tais "veteranos". Falaram mais ou menos dez minutos sobre as obras assistenciais da Irmã Dulce, figura emblemática da caridade na Bahia, viva ainda, naquela ocasião. Disseram inclusive que o professor já havia contribuído, momentos antes, fora da sala, o sacana aquiesceu balançando a cabeça. Nós, os calouros, cheios de amor, "doamos" nossos dinheiros achando que estávamos contribuindo para a diminuição da miséria e, de alguma forma, tranquilizando nossas consciências!  Eles saíram e nunca mais os "vimos". Cada um soube, a sua maneira, que fora "trotado"! No meu caso, meses depois, encontrei um deles na cantina e, talvez para mostrar que fizera uma doação, perguntei como estava indo o projeto recebendo pela cara uma estrondosa gargalhada!
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O segundo foi ainda mais cômico. Logo na primeira semana de aulas, fomos recebidos pelo Diretório Acadêmico, mas sem essa de ficar todo pintado e sujo ou sair naquela fila estúpida que os "bixos" são "obrigados" a fazer ou os diversos constrangimentos que fazem parte do ritual de ingresso; sem a exposição vergonhosa que a cada semestre vemos nos semáforos dessa cidade chamada Jequié! Não, os veteranos depois de nos ter situado como funcionava a universidade, avisaram que teríamos de contribuir com determinada quantia para a confecção da carteira do D.A. e mais uma foto. Os caras foram tão convincentes que minha turma "coçou" o bolso sendo responsável pelo "patrocínio" da festa realizada em homenagem à calourada. A sacanagem é que nossas fotos foram transformadas em cartaz com uma inscrição de agradecimento por sermos aqueles que "doaram" as cervejas! Nada mais que isso. É escroto? Sim, mas  nada desabonador, não precisamos ficar sujos, bêbados, ridículos e pintados pedido dinheiro a estranhos no "sinal fechado"!
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O trote é ilegal, ninguém é obrigado a participar e nem será punido caso se recuse a fazer parte da "festa", os responsáveis podem parar na cadeia! Porém se isso é verdadeiro, por que, então, todos os anos milhares e milhares de novos universitários se submetem a esse ato constrangedor, feroz, violento e algumas vezes mortal? Por que as ações retratadas nas fotos que ilustram essa crônica vêm se repetindo anos a fio? Por esses lados, houve uma oportunidade em que o colegiado de um curso resolveu se antecipar às ações humilhantes do trote. Convocou os professores para conversar com os novos estudantes, mostrar-lhes as disciplinas em que trabalhavam, em linhas gerais, situá-los no tempo e no espaço. Eu estava feliz por estar ali e com a ideia do encontro. Terminada as falas dos professores, abriu-se para a manifestação dos estudantes. Um que estava na primeira fila, fez a pergunta mais inapropriada, depois de tudo o que conversamos: "quando é que vão nos pintar e vamos para as sinaleiras? É provável que você que lê essas linhas deve achar que estou mentindo, não, não é possível que depois de tudo o que os professores falaram, incluindo as ações desumanas do trote, alguém ainda fora capaz de pedir para ser vilipendiado e achar que aquilo tudo fazia parte do seu ingresso no ensino universitário. Foi assustador.
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Pensei que só os obtusos fossem capazes de fazer um pedido desse. Porém, hoje, passando no semáforo, vejo com uma espécie de lata na mão, toda pintada, de "shortinho", uma estudante conhecida pedindo dinheiro, ela não me viu, o sinal abriu antes de chegar a mim, ainda bem, seria constrangedor. Trabalhamos um semestre inteiro juntos, pelo visto ela trocara de curso, mas isso não é um problema, muito pelo contrário. O que me deixou perplexo foi aquela menina aceitar fazer parte daquele circo. Como pode uma pessoa extremamente inteligente se submeter a ações tão estúpidas, na verdade, uma vulgarização da mulher? Fiquei me perguntando se tudo o que discutimos sobre "o seu corpo - essa casa que você não mora" fizera algum sentido ou fora apenas mais uma tarefa como aquela que fazia agora sob o sol escaldante no semáforo do "Buffet Marlene Marinho"? É, parece que não são apenas os obtusos que se deixam imbecilizar...

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Eternamente...




O impacto que causaste às minhas retinas, ainda nem tão cansadas, naquela noite, sobre o mundo, onde trocamos o primeiro beijo, tendo a lua como cúmplice delatora, assemelha-se ao equilibrar-se de um bêbado sobre cordas entre os rochedos de um mar sem fim...
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A luminosidade foi tão intensa que me não permitiu vislumbrar qual o matiz dos teus olhos, seriam cor de avelã?...
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Ato contínuo, percebi o quão era louca a minha sanidade, neste caso, salvação não mais haveria já que embriagados olhos meus naufragaram nas vagas profundas dos teus...
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Fugir já não poderia da sua volúpia...nas entrelinhas da tua nudez, estava escrito em letras garrafais: decifra-me ou te devoro...a esfinge se atirou no precipício e tu nunca mais saíste de mim...

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A teoria na prática é outra?...

Olhar o horizonte e observar, pelo contar das horas, que o "pôr do sol" se aproxima é tão natural e óbvio que nos deixa tranquilos e à vontade, no fundo, no fundo, dizemos convictos das nossas certezas: "tudo está no seu lugar, graças a Deus". Eis como o aparente nos desafia, será que é isso mesmo que vejo ou apenas ilusão? Na realidade, quando consideramos essa "verdade absoluta" como óbvia, estamos vivendo a realidade do século II. Cláudio Ptolomeu, um egípcio que era grego, afirmara que a terra era o centro do universo, a igreja tornou isso um dogma; ora, para ele a terra era estática, enquanto o sol girava ao seu redor, contemplando sua nudez deliciosamente avassaladora, não, isso ele não disse, quem disse fui eu! A cosmovisão de Ptolomeu perdurou por quase 14 séculos, foi Copérnico quem disse não ao geocentrismo, estático era o sol, corroborado por Galileu e, posteriormente, Kepler acrescentou que os planetas não giram em círculos, e sim em elipses. Se convidássemos alguém para ver o "pôr da terra" seriamos tachados de loucos, mas  loucos são vocês que continuam enxergando com os olhos de Ptolomeu!
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Tudo isso para dizer que é preciso mais do que aquilo que os os olhos veem para que possamos enxergar, o simples olhar não nos permite ir além da aparência, claro está que, se a mera aparência fosse suficiente para desvelar a realidade, a ciência não teria nenhuma utilidade. Somos enganados e a grandiosidade do acontecimento, na maior parte das vezes, nos cega, quem há de negar o quão é encantadora aquela tonalidade áurea no cair na da tarde no Porto da Barra, na terra de Jorge Amado? Acho que um evento como esse faz com que as pessoas afirmem que a teoria na prática é outra, mas será isso possível? E a empiria, que papel representa quando se fala em teoria e prática? Realmente teoria e prática estão desassociadas como querem nos fazer crer alguns pesquisadores? Existe mesmo entre elas a conjunção aditiva e?
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Ouvir alguém, que supostamente conhece os meandros da pesquisa, dizer: "a teoria na prática é outra", não deveria, mas me deixa constrangido, justamente porque os discípulos dessa pessoa vão perpetuar essa dicotomia ad nauseam, ad aeternum. Ora, se você que está constantemente tentando sair do terreno das aparências, já dispõe de uma série de ferramentas que põem em xeque as certezas que o olhar quer demonstrar, ao fazer dessa afirmação uma profissão de fé nega tudo aquilo que você produziu. Vejamos. Tenho um filho e estudo a Educação Infantil e, sem levar em consideração tudo que já foi produzido a respeito, digo que a teoria na prática é outra, não só estou desrespeitando aqueles que se debruçaram na constituição desse objeto, mas negando tudo aquilo que eu mesmo produzi, neste caso, inapelavelmente, transito no terreno do senso comum, sim, para que Wallon tivesse nomeado de impulsivo-emocional a primeira parte da vida da criança, que vai de zero a um ano, mais ou menos, ele não se baseou apenas naquilo que os olhos dele viam, foi preciso todo um arcabouço, que é teórico/prático, todo um estudo longitudinal, se isso não ocorrer, se não fiz uma análise rigorosa do fenômeno, sem perder de vista que existo porque penso, então vou terminar afirmando que a teoria na prática é outra; são irmãs siamesas, porque para que uma exista a outra tem que estar presente, senão não estamos falando nem de uma nem de outra, se a teoria na prática é outra, meu estudo, minha tese, o que quer que elabore, não passou pelo rigor exigido para tal, portanto, digno de ser rechaçado por quem quer que seja, aliás, se isso ocorrer, não tenho uma tese, tenho um simulacro, porque a teoria não pode ser outra na prática... 
 

sábado, 10 de outubro de 2015

A culpa das crises do "sistema" é de quem?...

Muitos não sabem, justamente, porque quem poderia lhes ensinar, não tem nenhuma vontade de fazê-lo, para esses é muito mais interessante que aqueles levem "vida de gado", o fato é que entre uma crise e outra, sob o modo de produção em que vivemos, há um ciclo econômico com quatro fases bem demarcadas: a crise, a depressão, a retomada e o auge. Quando a fase em evidência é a crise, "caminhando" para a depressão (ou recessão, que é considerada uma depressão menos destrutiva), somos bombardeados diariamente com explicações de toda a ordem, os arautos tentam nos fazer crer que se fosse seguida determinada fórmula, muito claramente não estaríamos em situação tão grave. O interessante, nestes momentos, é que alguns dos que têm a solução perfeita para a saída da crise já foram até ministros e, quando estiveram frente ao problema, não fizeram nada daquilo que agora estão apregoando, dirão esses sábios enganadores: "mas a situação agora é diferente!" Os oportunistas de plantão aproveitam que o desemprego, a alta dos preços, a inflação estão batendo às portas para sugerir medidas paliativas, que lhes favoreçam, direcionando a opinião pública na caça ao culpado ou culpados! Estamos nessa situação, explicam, por erro do governo na condução da economia! Não dizem, ou fingem não saber, que esse é um fenômeno inerente ao modo de produção capitalista. Assinalam que se fossem tomadas medidas antecipatórias a crise não se materializaria, ou, em última instância, seria muito mais branda, "uma marola"! Em momento como esse, há uma atenção desvairada às estatísticas, onde são comparados tempos e espaços diferentes, na tentativa de justificar certas soluções mirabolantes, porém, é preciso que se diga, "a crise é constitutiva do capitalismo: "não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise", confirmam José Paulo Netto e Marcelo Braz.
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Já não voto há muito tempo, prefiro pagar multa ao TRE, assim sendo, jamais em tempo algum daria ouvidos às sandices de quaisquer dos políticos que posam de salvadores da pátria, entre eles, Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e seguidores, na realidade, estamos envolto em uma crise porque escolhemos errado, se eles estivessem à frente do governo, podem ter certeza, é o que dizem os seus discursos, estaríamos navegando em mar de almirante, isso também pode ser dito sobre os "neo" salvadores, incluam aí a senhora Marina Silva e sua "rede"! Sim, todos eles e ela prometem soluções dentro de algo sem solução. Cabe para esses caçadores de culpados a paráfrase do axioma do personagem House, daquela antiga série de TV. Todos mentem quando dizem que, se eleitos fossem, o país estaria assim e não assado, como o faz reiteradamente o ainda "tucano" derrotado por vocês! Falo em "ainda tucano" em função da sua cartada desesperada para ser o candidato do seu partido o PSDB nas eleições presidenciais de 2018, para isso, vem tentando convencer os incautos que todos os problemas do mundo, inclusive, permitam-me a ironia, a insolvência da Grécia, o desemprego na Espanha e em Portugal, a fuga dos imigrantes em direção à Itália, Inglaterra e Alemanha..., tudo é de responsabilidade de Dilma! Caso o tiro saia pela culatra, ou seja, o escolhido do partido seja Geraldo Alckmin ou qualquer outro, é bem provável que esse "salvador da pátria" deixe de ser "tucano" e busque um partido que acredite em sua "popularidade" e força nas urnas, quiçá, o DEM!
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Quando digo que mentem todos, não é sem razão. Observem que não explicam em momento algum os mecanismos que regem esse modo de produção que sobrevive da exploração do trabalho e do lucro. Eles sabem, Marina, Aécio ou qualquer outro que, caso fossem "o gerente do Estado", não seria muito diferente do quadro que temos hoje, suponho que Aécio Neves, se eleito fosse, isso é muito do seu estilo, "jogar para torcida", diria que a crise fora ocasionada pela administração nefasta de Dilma, usaria como exemplo, o "mar de tranquilidade" que Lula navegou depois do governo de FHC! Afirmo que jamais diria a verdade, como todos os políticos fazem. Não explicam as verdadeiras razões, não detalham as questões econômicas para que todos compreendam, por exemplo, o que é mesmo um  ciclo econômico? Como se engendram os mecanismos que sustentam o sistema? Por que as crises são recorrentes? Caso Aécio e seus seguidores conseguissem o impeachment quem assumiria? Ele? E se isso ocorresse, falando em democracia burguesa, poderíamos chamar de golpe? E em sendo golpe, poderíamos ter de volta os militares ao poder? O que querem aqueles que chamo de oportunistas? Verdadeiramente, desejam que a atual administração seja retirada lá do Palácio do Planalto com um plano para assumir o governo ou já estão em campanha para as próximas eleições e quanto mais fumaça conseguirem levantar melhor será para as suas pretensões presidenciais? Desde sua primeira crise em 1825, que esteve restrita à Inglaterra, passando pela de 1929, que foi catastrófica para todos, e a de 2008 que por muito pouco não quebrou o sistema financeiro internacional, até a que estamos vivendo agora, sem contar as "marolinhas", nenhum economista que se respeite ousou afirmar que modo de produção capitalista e crise não são duas faces da mesma moeda, se assim o fizesse estaria mentindo descaradamente, neste caso, não seria mais um economista sério e sim mais um político em campanha...

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O camelô e o cirurgião II...

Fiquei esperando mais contribuições referentes às questões formuladas no parágrafo final da parte I, dessa crônica, porém os que se manifestaram não perderam de vista que o nosso vendedor de rua era um sujeito que gostava de "presentear" velhos "conhecidos"; fora chamado de trapaceiro, espertalhão e outros adjetivos desabonadores, houve até insinuação de que fosse gatuno e/ou ladrão, coisa que, é preciso que se diga, ele não é! Sim, não se esqueça que, em troca dos meus vinte reais, ele me deu duas latas de pomada de presente(não, não ria, por favor!). Caso você seja mais exigente, vendeu-me duas porções de placebo, vai que acredito na força das palavras? Ou você nunca ouviu alguém dizer: "essa palavra tem poder"? Quantas e quantas vezes já não escutou: "não repita o nome da pelada(desgraça), ela traz mau agouro!" Usando da mesma premissa, quem poderia negar que as ditas pelo camelô não teriam o poder de realizar os milagres prometidos? Quem não gostaria de fazer amor a noite inteira e parte do dia seguinte, sem parar, e o que é melhor, sem nenhum efeito colateral?
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É improvável que haja amizade desinteressada entre prestadores de serviços, quem acredita nesta possibilidade pode ficar muito decepcionado, relações em que o dinheiro está mediando mexem com o caráter dos indivíduos, ou, talvez, quem menos seja ético seja aquele que fala de ética. Inadvertidamente, o velho professor, mesmo sabendo que o lucro é que move a relação entre as mercadorias, preferiu se enganar, continuando a acreditar que ainda temos alguma salvação. Na realidade, o periodontista com seu argumentum ad nauseam o convencera que os dois eram mais que apenas paciente e cliente, era sim possível que fossem amigos, afinal, não se entrega a saúde a quem só pensa objetivamente, a quem não se envolve com o que acontece com o cliente para além do consultório! Uma das muitas provas de que não era mentira a estima entre os dois, residia no fato de que o atendimento do cirurgião era só as quintas-feiras, mas para o amigo, era só ligar que aquele daria um jeito de atendê-lo em horário a combinar, afinal, amigos são para essas coisas também.
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Vivemos tempos tão difíceis que queremos acreditar que o impossível é possível, por obra e graça do Espírito Santo, porque "às vezes parecia que era só acreditar." O cirurgião dentista também queria o que todo e qualquer profissional liberal deseja, muito antes de começar os primeiros estudos na graduação, a parte que lhe cabe neste latifúndio! contudo seu intuito era fazer o velho professor acreditar que eram amigos e em função disso, as questões econômicas estavam em segundo plano. O tratamento demandava uma viagem de 360 km e mais alguns reais para esse deslocamento. O periodontista se dizia lisonjeado pela escolha dos seus serviços e fazia o outro acreditar que isso só reforçava a amizade entre ambos.
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Chegado o dia da consulta, esquecera qual o andar e o valor. Ligou. A atendente, que não se chamava Judith, detalhou minuciosamente como chegar e quanto deveria pagar, estranhou a quantia, a princípio, porque pagara quase duas vezes na sessão anterior o valor anunciado por ela! Enfim, no horário marcado, depois de uma viagem de mais de 6 horas montado no ônibus, chegou ao consultório e foi recebido com um sorriso largo e um caloroso aperto de mão, pelo amigo cirurgião! Na verdade, já dissera para si mesmo que aquela era sua última consulta a partir do momento em que a secretária dissera quanto os outros clientes que não eram amigo pagavam! Ficara se perguntando se o amigo periodontista cobraria o preço que todos pagavam ou seria cínico a ponto de reafirmar o valor da sessão superfaturada, sem demonstrar qualquer constrangimento!
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Terminado o tratamento, entabularam uma conversa amistosa, foi quando o cirurgião afirmou que tinha ficado muito sentido por não ter sido avisado do nascimento do filho do amigo. Em outra época, teria ficado vexado com o esquecimento, mas como o valor da consulta não lhe saía da cabeça, tentou disfarçar, embora essa não fosse uma tarefa fácil, queria pagar e desaparecer o mais rápido possível. Sem perda de tempo, perguntou qual o valor, na verdade, talvez seja "moda", mas todos os profissionais de saúde visitados recentemente, só quiseram receber em dinheiro vivo, cartão é coisa do passado, plano de saúde nem pensar!  Quando o periodontista falou quanto deveria lhe pagar (quase três vezes o valor que o amigo cobrava dos que não faziam parte do ser círculo de amizade), a secretária estava às suas costas e os seus olhos se cruzaram com os meus, já combalidos e envergonhados, constrangimento pouco é bobagem! Não sabia se continuava fitando os olhos da moça ou se olhava para o vazio, o que não conseguia era enxergar o sujeito que estava a minha frente. Seria ele um cínico usurpador? Desonesto? Espertalhão? Gatuno? Ladrão? Qual dos adjetivos se encaixa melhor ao perfil do dentista amigo? Dos dois personagens dessa crônica, em quem você confiaria? No camelô que me "presenteou" com um "viagra" em forma de pomada ou no periodontista que de forma acintosa triplicou o valor da consulta?...  

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O camelô e o cirurgião I...

Percebe-se que camelô já não é um termo tão comum como nos meus tempos de criança pequena, nas ruas de paralelepípedos do bairro da Liberdade, em Salvador. Hoje, vendedor ambulante soa mais "natural", embora no cotidiano perca o substantivo e o adjetivo passa a ser seu nome de guerra! Vivemos tempos em que muitos querem ganhar no "grito" e nada como a figura do trabalhador informal para tornar isso algo concreto! O número de espertos que quer se dar bem cresce em proporção geométrica, estão aí as operações da Polícia Federal que não me deixam mentir, a ideia é ganhar um troco em cima dos trouxas, dos desprevenidos, daqueles que ainda acham que temos salvação!
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Véspera de feriado prolongado, o sujeito não queria comprar nenhuma bugiganga, o único desejo era voltar para casa e, para que isso acontecesse, era necessário atravessar "aquela" passarela carregada de ambulantes por todos os lados. O que não esperava era que um deles o abordasse usando justamente o substantivo/adjetivo que ele utilizava normalmente quando se referia a alguém, seria coincidência ou aquele camelô realmente o conhecia? Professor? Mesmo tendo dirigido o olhar para o chamamento, continuou sua trajetória. O ambulante ao perceber que mesmo utilizando aquele artifício não fora "reconhecido", apelou para um: "eu sou irmão de fulano!" Claro que continuou sem lembrar, mas também não poderia afirmar categoricamente que o sujeito mentia. A pergunta seguinte era uma armadilha, que o velho professor não soube evitar. "Está morando onde agora?" Pronto, o cara deveria conhecê-lo, porque a resposta, seja qual fosse, abria brecha para uma suposta afetividade! Sem que lhe perguntasse afirmou que vendia óculos mostrando uma infinidade deles sobre uma banca! Quando percebeu que não houve qualquer interesse pelo produto anunciado, tirou não se sabe de onde uma latinha de pomada igual às ilustradas na foto acima, embora não tivesse nenhuma noção, começava ali a via crucis do nosso professor!
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Mais que rapidamente, nosso ambulante se transformou em um "doutor" de causar inveja a qualquer um daqueles que fazem parte do Projeto "Mais Médicos" do governo federal! Falava com muita segurança e propriedade sobre o caráter terapêutico do medicamento, inclusive, detalhando quais eram as doenças que a pomada exterminava: brotoeja, eritema, eczema, urticária, verruga, herpes, entre outras! A expressão do seu interlocutor deve ter lhe revelado o grau de desinteresse na compra e/ou utilização do tal medicamento. Mas o cara, igual a todo brasileiro, não desistiu e retirou o último coelho da cartola, seu último cartucho. Dissera que gostava muito do professor e por isso daria de presente a pomada sem nenhum custo! Que contrassenso era aquele? Não existe almoço grátis e promoção em quem tem o lucro como alvo não passa de tapeação, o famoso engana trouxa, diria minha avó! O constrangimento já tinha se instalado há tempos por isso o  velho professor mais que depressa queria sair dali, mas o camelô não permitiu qualquer saída antecipada, imediatamente retirou outra latinha, mais uma vez não deu para perceber de onde e, mais que rapidamente, abandonou o jaleco de dermatologista, incorporando o de urologista no momento seguinte! Agora a pomada servia para ampliar o prazer sexual, seu uso nas horas de lazer possibilitava que se fizesse amor a noite inteira sem parar até a manhã seguinte, e desse "viagra" era fornecedor exclusivo!
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Logo em seguida, colocou as duas latas num envelope e afirmou que era mais um brinde, não precisava pagar absolutamente nada! Não, aquilo não estava acontecendo, era surreal, nosso personagem recebera duas consultas médicas, sem hora marcada, sem filas, sem atraso, sem precisar acordar 4:00 da madrugada para consegui a senha 97, num país em que saúde é sinônimo de descaso. A conversa já beirava o nonsense, e, mais do que nunca, o incauto "paciente" queria deixar aquele consultório a céu aberto e desaparecer! Pensou que bastava receber o envelope das mãos do "médico" e tudo estaria resolvido, acabaria, enfim, o pesadelo! Ledo engano, ainda faltava algo para terminar com aquele circo de horrores. Quando as "amostras grátis" estavam se preparando para mudar de mãos, o paciente ouviu as palavras que programas do tipo "criança esperança", que fazem filantropia com o dinheiro dos outros, costumam atirar na cara da audiência: "dê quanto puder só para me ajudar, embora uma dessas na farmácia custe R$26,00!" Espera aí, não era presente? E a representação exclusiva? O "quanto puder" representava quanto? Já receoso, nosso amigo abriu a carteira e tirou $10,00, porém o médico camelô alertou: "na farmácia Santana só uma custa...!" Na carteira, cujos olhos do ambulante doutor já tinham devassado, só restavam mais $18,00; meio que sem graça entregou mais dez, mas percebeu que o médico não ficara muito satisfeito. Não se sabe a razão de não as ter tomado de volta! Se você que está lendo essas linhas observar as duas latinhas lá em cima na foto introdutória, vai verificar que são idênticas em tudo, infelizmente, você não pode perceber o aroma, mas posso lhe adiantar que são inodoras!  Foi um assalto? O velho professor foi descaradamente roubado? Deveria chamar um policial e dizer que foi coagido e exigir ressarcimento e prisão do "médico"? O que você recomendaria?... 

domingo, 6 de setembro de 2015

As aparências enganam...

Qual é o tamanho do seu preconceito? Você consegue afirmar categoricamente que não padece desse "desvio" moral? Analisando-se agora é bem provável que esteja dizendo: "não, não padeço dessa inumanidade, tenho até vários amigos entre os que discutem as questões de gênero! Ora, quem em sã consciência vai assumir que é preconceituoso, ainda que o discurso esteja encharcado dele? Ficamos na superfície, no aparente e nos apressamos em soltar um: "não, eu não sou preconceituoso, basta observar as minhas atitudes, a forma como eu trato as mulheres, mesmo aquelas desprovidas de beleza!" Lembrei-me agora de um dos muitos dias vividos no período da graduação, na "velha" e querida UFBA; estando numa roda de amigos, uma querida muito simpática, ao ver minha tatoo estampada no braço, vociferou: "eu não faria de modo algum uma tatuagem! Não deixaria meu corpo marcado com algo tão..." não conseguiu concluir o que seria o "algo tão"! 
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Sinceramente, não percebi nenhum desdém em sua voz, quiçá um certo despeito pela minha "ousadia", eu era calouro! Perguntei-lhe se era preconceituosa, sem pestanejar respondeu: "claro que não!" Minha compreensão, naquele momento, era que esse "marcar" nada mais era que sujar sua pele. "Sem contar o risco que você corre." De forma sarcástica lhe perguntei: "esse 'você' sou eu ou você?" "Estou me referindo a você, não que seja preconceituosa, como já disse antes, porém se imagine numa rua deserta vindo alguém, em sua direção, além de ser negra, com uma tatuagem, você não ficaria com receio de passar por perto? Acho que atitudes como a sua só reforçam o estereótipo, entende?"

Pelo que entendi, ser preto e tatuado era algo inconcebível, agindo assim não ajudava em nada a "causa" dos negros, deveria extirpar a tatoo e, quem sabe, tornar-me um pouco menos preto, assim não correria nenhum risco de ser confundido numa rua deserta!? Fiquei me perguntando quantos de nós pensam de forma exatamente igual a essa figura, mas que negam em alto e bom som que não têm qualquer tipo de preconceito? Inclua aí aqueles que dizem que não faz qualquer tipo de discriminação, tanto assim que têm amigos gays, gordos, baixos, feios, pretos!?
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Essas questões me vieram de forma inocente, na verdade, caminhava meio disperso pela rua, indo fazer mais uma sessão de minha "maori" quando, de repente, uma "amiga" me saudou de forma calorosa: "como vai, corredor?" Aliás, às vezes, passo pelas pessoas frente a frente e não as vejo, razão pela qual, muitas me adjetivam de marrento, tirado ou outros qualificativos menos nobres, não finjo que não as vejo, mas ninguém acredita. Bem, é preciso dizer que há ocasiões que finjo mesmo! Voltando a amiga corredora, a inesperada saudação me assustou um pouco, mesmo porque depois de mais de um mês sem correr já não sabia se aquele substantivo/adjetivo me pertencia! Ela me perguntou por que nunca mais tinha me visto correndo. Expliquei a razão que me afastara das ruas por mais de um mês. Mostrou certo pesar sincero pelo meu sofrimento; estar sem correr é insuportável, ainda que esteja suportando a duras penas a privação dessa droga. Jurara que tudo ia dar certo e que muito em breve estaria de novo correndo, oxalá, disse eu, como diriam os gregos!

Quando foi embora, fiquei pensando como as aparências nos enganam; no meio da conversa, na tentativa de levantar minha autoestima, ela dissera que era visível que deixara de fazer minha corrida diária, notava-se que estava "um pouquinho mais gordo!" Que coisa interessante, não? Ainda que seja lugar comum as pessoas acharem que engordamos ou emagrecemos quando ficam algum tempo sem nos ver, porém fazer associação direta com a falta de atividade física é que me chamou mais atenção, isso é típico daqueles que se autodenominam "educadores físicos." Pela fama que a corrida tem no emagrecimento, é óbvio que sua ausência acarreta um aumento na massa corpórea, não é mesmo? Contudo neste período de sedentarismo forçado e aborrecido, por estranha ironia, perdi 3 quilos! É isso mesmo, estou mais magro, mesmo sem estar fazendo qualquer atividade física sistematizada, vejam como algo tão simples traz à tona nossos mais arraigados estereótipos, é assim com os nossos preconceitos, as aparências enganam e muito...  

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O plantador de repolhos...


Acreditava que as pessoas nascem com um papel a representar, por isso, aceitava a vida assim como ela era, não se irava com a propriedade paupérrima que herdara, não era um sujeito revoltado, resignação era o seu nome, razão pela qual não soava estranho sua música predileta ser aquela de Tim Maia, cujo título era azul da cor do mar. Tinha por hábito cantarolar essa canção todas as vezes que a tristeza se fazia companheira; para ele “na vida a gente tem que entender que um nasce para sofrer enquanto o outro ri”, eram versos mágicos. Por ser um sujeito que cria, achava que ser assim fora uma escolha de forças maiores que as suas, por isso, vivia sua rotina sem sofrer ou praguejar. Filho de pais (quase) analfabetos, nascido no nordeste brasileiro, diríamos que era branco, embora sabendo quais foram os colonizadores e que a escravidão é parte da nossa pele, não poderia afirmar com convicção! Por ironia do destino, (ou seria da História?) se alfabetizara ainda em tenra idade, numa escola de pau a pique, da cidadezinha onde morava, mas, mesmo conseguindo ler as palavras do mundo, achava que seu lugar era ali, no mesmo lugar onde seus pais nasceram e, por certo, morreriam, e, como bom filho, repetiria o ciclo sem grandes remorsos. O destino lhe impusera uma determinação, sabia que era "filho de peixe". Contudo, inopinadamente, fizera vestibular por "esporte" e fora aprovado entre os primeiros, diríamos, surpreendentemente; a vitória do nosso plantador de repolhos se torna mais contundente porque não precisou entrar na universidade via Sisu, cotas sociais ou quaisquer outras dessas "muletas" que o Estado implantou para fazer a tal da "reparação". Entrar no ensino superior tirara dele o adjetivo de agricultor, tornara-se acadêmico, e justamente quando tudo conspirava contra ele. O curso torna-se desnecessário dizer, seja qual for, representou um salto enorme para um filho de camponeses analfabetos! Provara por A+B que com muito esforço, dedicação e responsabilidade, qualquer um pode ser o que quiser sob o capitalismo. O plantador de repolhos terminou a graduação no tempo previsto, fez mestrado sem precisar de dilatamento de prazo, foi um estudante brilhante no doutorado e agora está fazendo o pós-doc em Londres. Certa manhã, sentado confortavelmente na poltrona da sala do seu grande apartamento, cuja vista lhe permite ver a Trafalgar Square, pensando sobre sua vida, milhões de dúvidas o perseguem, porém seus olhos se iluminam com uma certeza que o faz quase gritar: "agora posso afirmar que sou um ex-plantador de repolhos", para logo em seguida entrar em silêncio profundo, quebrado apenas por passos longínquos de algum transeunte desavisado. Vai à janela, observa o formigueiro lá embaixo e se faz a incomoda pergunta: "qual é mesmo a moral da minha história”...

domingo, 23 de agosto de 2015

Maior Abandonado...

Quando meus olhos te fitaram já não me pertenciam, eu perdera tudo aquilo que me era mais caro, naquele momento, entrei no mundo da  tirânica heteronomia;
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Você se apossou do meu corpo tão voluptuosamente que o gozo me escorreu por entre os dedos, nem saberia dizer se era paixão ou um simples flerte, não obstante senti uma dor lancinante e tão pavorosa que perdi o domínio de sentir a mim mesmo;
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Não encontrei lugar onde pudesse me esconder de sua sanha desmedida, do seu desejo despudorado; da sua vontade de me assassinar;
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Fui envolvido em silêncio profundo, em sono desprovido de sonhos e imagens, um vazio absoluto se estabeleceu ao meu redor;
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O medo já não fazia parte do meu universo, entrei sem perceber no nada, e o nada passou a ser o meu tudo;
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Dor não era um substantivo abstrato, mas, ainda que todo o meu corpo a reverberasse, eu nada sentia, eu já era insensível a tudo;
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Quando me tornei um zumbi ao penetrar no seu mundo, minha consciência escorrera pelo ralo, perdi a possibilidade de ver a luz com meus próprios olhos;
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Deixei de lado tudo o que era meu, penetrei num vazio profundo e avassalador, onde não havia nem sombras, nem nada, só meu corpo e o seu;
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Estaria morto ou vivo por permitir seu mais completo domínio sobre mim? Sei que estar contigo não significava estar no paraíso;
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Entretanto, seu abandono por não mais me desejar em seus braços, em suas entranhas, por mais contraditório que possa parecer, iluminou os meus olhos;
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Saiba, porém, que deixar de me querer, não me fez te odiar ou desejar sua destruição, nunca te amei, mas também é provável que você nunca me amou;
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Mas saiba que ser abandonado por você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, dizem que homem não chora, mas naquele dia chorei...

sábado, 8 de agosto de 2015

Pai...

Não sei se a razão de falar de pai tem alguma relação com a proximidade do dia que nos disseram que era o dia dele, mas com certeza a lembrança da música homônima de Fábio Jr terminou me induzindo a pensar a respeito. Penso que muito do que ele diz, e é muito provável que isso já tenha se tornado lugar comum, se reflete demasiadamente nas relações entre pai e filho(s). Neste momento, várias imagens da convivência meio turbulenta que tive com o meu tomam conta da minha memória, porém tem uma que quero compartilhar justamente porque se fora hoje, não seria considerada como algo a ser dito ou exemplificado por não ser tão politicamente correta assim! Hoje talvez meu pai fosse preso.
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A idade vou omitir em razão de uma pessoa muito querida, que com certeza lerá esses caracteres mal traçados, por não acreditar que minha memória é capaz de voltar tão longe assim no tempo e com muitos detalhes, achar que é mentira! Estava eu na porta da minha casa a empinar periquito (para quem não sabe, a imagem à direita, lá em cima), ele, meu pai, ao sair de casa logo me avistou, era o fim de uma tarde de domingo, falou, tudo bem, mas já é hora de entrar, repliquei, depois eu vou, daqui a pouco. Ele sem alterar a fisionomia (engraçado como vejo tudo com tanta clareza), certo, mas amanhã vou lhe dar doze bolos por isso; bolo, para quem não sabe, não era nenhuma guloseima, e sim pancadas aplicadas na palma da mão ou com palmatória ou escova de lustrar sapatos; ah, como doíam!)
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No dia seguinte, como ele saía cedo, retardei ao máximo levantar da cama, contudo ele não arredou o pé enquanto não apareci na sala, quando isso aconteceu, os doze bolos me foram "ofertados"! Sei que poderia apresentar algo mais alegre, mais exemplar para lembrar da figura do meu pai, mas resolvi trazer essa para mostrar que ainda que a experiência tenha sido muito dolorosa, fui entender bem mais tarde qual era a lição, não houve "perversidade" no ato, mas um "exemplo", não, não fiquei feliz, naquele momento, devo tê-lo odiado pelo castigo impingido, embora o "velho" quisesse me ensinar, e o mais interessante é que nunca mais uma ação como essa se repetiu, mas aprendi a lição, embora, é preciso deixar claro, que não estou fazendo apologia e nem dizendo que a violência educa.
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Na música que serve de referência para essa conversa, há uma espécie de acerto de contas, o filho tentando dizer ao pai sua importância e que entendera a mensagem. No fundo, no fundo, filhos demoram a entender que os pais, mesmo que as vezes de forma tão cruel, só querem que eles vivam não os sofrimentos vividos por eles, mas as alegrias experimentadas, por que inventar de novo a roda? O chato é que quando conseguimos entender o que eles, os pais, querem nos dizer, eles já não estão mais aqui para ouvir nossas mais sinceras desculpas: "me perdoa essa insegurança é que não sou mais aquela criança", para conversar sobre nosso medos e angústias, porque eles sempre foram muito mais nós que eles mesmos, que seus passos nunca foram para suprimir as alegrias, mas os sofrimentos. Pensando nisso, ontem tinha uma filha, hoje tenho três filhos, e não sei se estou conseguindo dizer a eles sem magoá-los o que merecem ouvir, porém o meu desejo é que não precisemos de dia dos pais para expressarmos amor e carinho ou trocarmos presentes e que a lição eu aprendi, pois é, filhos, não, não quero ser herói, nem bandido, quero apenas ser o pai de vocês...  

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Andar com fé eu vou...


A multidão descendo as escadarias da igreja, naquela manhã de domingo, deixou-me deveras impressionado, na verdade, a cena multiplicava  meu espanto sobre as coisas da fé. Uma pergunta me perseguia: "como pessoas que dão duro a semana inteira, muitos daqueles indivíduos em trabalhos estressantes e extremamente cansativos, ainda encontravam tempo para orar por dia melhores, apesar de o sofrimento cotidiano se repetir ad nauseam?" Sim, porque suas vidas são um sofrimento contínuo, contudo não se incomodavam de "trabalhar" justamente no dia em que o senhor descansou! Aquele era o dia em que podiam dormir um pouco mais, mas a fé os induzia a buscar um bálsamo para aplacar suas agruras! Pessoas que, na sua grande maioria, não possuíam grana suficiente para as necessidades mais comezinhas, porém não deixavam de participar de orações num domingo e ainda deixavam parte do pouco que tinham nos cofres da irmandade. E tem algo mais curioso, pediam desculpas pelo valor pequeno que dispunham para ofertar à divindade, e mesmo dando tudo o que tinham, ainda ouviam um sermão do seu líder pela baixa quantia "ofertada". Uma frase entreouvida momentos antes, dita pelo chefe religioso, não deixa de ser uma provocação, disse ele: "a irmã disse que o marido não quis dar dinheiro para que pudesse doar para a construção das obras da igreja, ora, se ele se negou a dar o dinheiro por que a irmã não pegou sem que ele visse? Não, não há pecado nisso já que o marido não quer fazer caridade."
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O que a indução a esse furto nos quer dizer? Simples, para se retirar dinheiro do "irmão" não se deve ter pudor, qualquer tentativa é válida, mesmo que isso atropele o "capital" não roubarás! Pecado? Que nada, tudo vale à pena se for para o engradecimento da igreja! O que não dá para entender são os que dão até o que não têm, porque sabem que aqueles que sugerem que se retire o dinheiro do outro, que concordam com a fraude, de qualquer forma, possuem riquezas imensas, enquanto esses pobres diabos não dispõem, algumas vezes, de 10 reais para oferecer e ainda ficam muito constrangidos por isso; os que sugerem a apropriação indébita cinicamente têm carros e carros na garagem, casas e casas, fazendas e fazendas e, além de tudo isso, rede de televisão! Por que alguém se sente constrangido por  não dispor de 5 reais para "exaltar" a igreja, sabendo que aqueles que lhes tiram o pecado têm um milhão? Por que não se rebelam e, ao invés de doar, não sugerem que aqueles que têm tanto lhes deem uma parte para aplacar a miséria que lhes consome? A maioria silenciosa, um exército de zumbis, segue seu rumo de bestas por não enxergar o quão paradoxal são as suas orações em função da submissão ou por entender que o destino lhe reservou algo muito melhor no reino das bem aventuranças, lá tudo será felicidade, sua fé lhe garante e essa não costuma faiá, como diria o poeta baiano...

sábado, 18 de julho de 2015

Passados...


É sempre bom relativizar, penso que essa é uma premissa interessante. Não se deve a partir daquilo que vivenciamos afirmar que nossa experiência pode ser transposta para beltrano ou para sicrano. Muitas vezes o "desastre" termina sendo uma verdadeira salvação para uns, mas não para outros. Se prestarmos atenção no "pós-acidente", os que escaparam, dependendo das sequelas, podem estar muito mais "felizes" com o que lhes aconteceu do que antes do ocorrido! Em realidade, estou dizendo tudo isso porque ter tido um ave/avc não foi "brincadeira de criança", mas estranhamente me fez um bem danado! Embora possa parecer absurdo, fiquei muito mais forte, e, o que é mais engraçado, não apenas por ter escapado, mas por ter aprendido que poderia viver numa "voltagem" bem mais baixa do que aquela em que vinha operando; ao dizer isso, de novo, sinto uma vontade imensa de rir, é que me vem à memória a frase dita por uma professora numa reunião departamental: "esse rapaz tem que ter muito cuidado, se continuar assim com essa impetuosidade (você tem razão, a impetuosidade fica por minha conta), pode a qualquer momento ter um ataque cardíaco!" Confesso que, na hora, ainda irascível, associei a criatura a uma ave de mau agouro e disse-lhe um monte de impropérios, para se ter uma ideia, nem da mãe da referida tive pena, desci o sarrafo, é óbvio que tudo isso dentro da minha cabeça, não podia perder de vista o decoro acadêmico!
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Muitas vezes, sinto-me tolo por não ter dado ouvidos às sábias palavras da professora, se o fizesse teria me poupado de muito sofrimento, mas grande parte das vezes, não damos a devida atenção ao que nos é dito pelos mais experientes. A presunção é um mau remédio, o fato é que, mesmo com essa "premonição", não me permiti ser menos "arrogante", continuei levando tudo "a ferro e fogo", como bem dizia minha velha mãe. O ruim é que as palavras da professora não eram uma figura de linguagem, o ataque cardíaco apenas mudou de nome e me foi apresentado como acidente vascular cerebral! Passei seis longos dias sem ver a luz, sem saber o que tinha acontecido e qual a razão de acontecer justo comigo. Observe que reclamo, mesmo sem ter tido uma sequela sequer, enquanto um amigo passou pela mesma experiência e ganhou como "brinde" a perda do olfato e do paladar! Você deve estar dizendo: "como esse sortudo é mal agradecido!" Reconheço, você tem toda razão. Olhando para trás, observo que depois de 10 anos, ainda têm coisas que não deveriam, mas ainda me tiram do sério, o que, sinceramente, não deixa de ser uma estupidez, porque, depois do que passei, os conselhos da jovem senhora não deveriam em nenhum instante sair dos meus pensamentos!
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Porém uma coisa é certa, a idade nos dá algo, uma certeza e, por que não dizer, uma "leve" depressão que aos 20 e poucos anos é impossível; nessa idade pensamos que somos indestrutíveis, que seremos eternamente jovens, contudo quando chega a maturidade tudo isso nos é tirado sem nenhuma compaixão ou aviso. Mas saiba que o olhar juvenil não é algo ruim, muito pelo contrário, é muito bom! Para que envelhecer tão cedo? Para que a certeza da morte quando a vida está apenas se despindo? Dez anos depois do AVC, sei que tenho que agradecer não só por ter sobrevivido e sem problemas que são inerentes a essa doença, e sim por ter conseguido "desacelerar", o que me ajuda a não enveredar por desvios tolos e, principalmente, pela percepção dos meus limites! Além de tudo isso, ganhei dois presentes inefáveis, ainda que paradoxalmente use as palavras para enunciá-los! Tenho uma neta que tem um tio mais novo que ela: Karl e Laura nasceram para reafirmar que viver pode não ser um fardo, é bom ser avô e pai velho! Tomara que não precisem sofrer, como eu, para que percebam que não é necessário antecipar as coisas e brigar por tudo e por nada, que não é preciso queimar etapas e nem envelhecer antecipadamente...  

terça-feira, 30 de junho de 2015

Sádicos e Masoquistas...

"Mandei uma foto bem bacana para você, veja aí", avisa um amigo pelo celular, isso às 7:00, horário de Brasília. Fico na dúvida, vejo logo ou continuo o que estou fazendo e olho depois? O "bem bacana" me obrigava a verificar o que teria sido enviado. Para minha surpresa, o que vejo não tem nada de bacana. Presos se rebelaram no município de Feira de Santana, na Bahia, e meu "amigo" teve a "gentileza" de compartilhar comigo a imagem dos que foram decapitados! Incrédulo, não acredito no que vejo, na realidade, o que me deixou desanimado é que não era ironia, quem compartilhou acredita que também faço parte desse grupo de pessoas que se "excitam" com esse tipo de material. Pensei que fosse um acidente de percurso, que não receberia outras iguais ou piores, mas percebi que se tornaram corriqueiras, "sabe de nada, inocente", diria aquele antigo "cantor" baiano.
Não são apenas as fotos que fazem parte dessa febre mórbida, os vídeos são um veículo que extrapolam com sua profusão de imagens, e como quase todo celular hoje tem uma resolução interessante, as tragédias chegam em alta definição! Falando nisso, uma pessoa significativa, de quem eu gostava muito, sofreu um acidente abominável, o carro em que viajava teve a infelicidade de estar próximo ao caminhão que transportava combustível; alguém, cheio de "solidariedade" enviou as imagens do carro e da pessoa sendo consumidos pelas chamas e quem fez essa "bondade", não satisfeita com a sordidez das cenas, se prontificava a "narrar" o que estava acontecendo; agora eu lhes pergunto: para que eu ia querer ver uma pessoa tão querida queimando no interior do veículo, já não me bastava a dor da perda? O que me acrescentaria enquanto ser humano? Será que a pessoa pensou que sou um masoquista? Ou o miserável não passava de um sádico na sua mais completa acepção?
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Na linha do que estamos dizendo, a bola da vez é Cristiano Araújo. Desde 24/06/2015, dia em que morreu em acidente automobilístico, há sempre um pormenor a ser acrescentado à "ópera" em que transformaram sua morte, sempre há um detalhe novo que deixou de ser percebido pelos peritos! A mídia ávida pela miséria nossa de cada dia descarrega uma profusão de imagens para o deleite de todos. Uma perda, "ele era tão jovem", isso quer deixar transparecer que há uma alma bondosa na rede televisiva, mas é tudo pela audiência! Como todos querem ver as "novidades", correm sequiosos para frente da TV para saber qual é o dado mais recente sobre a morte do cantor! Não satisfeitos com toda essa morbidez cadavérica, profissionais da saúde, que deveriam evitar esse constrangimento, tiveram a "curiosidade" de filmar, expondo descaradamente o corpo aberto no Instituto Médico Legal. Pensei com os meus botões: "isso é obra de pessoas insanas, pessoas que não dignificam a profissão que exercem, por isso, precisam urgentemente de tratamento psiquiátrico; na verdade, quem em sã consciência desejaria ver seu ídolo ou cidadão comum inerte, exposto de forma tão acintosa? Quem daria audiência a um "espetáculo" tão grotesco? Será que as pessoas gostam de imagens tão torpes? Nos tornamos tão insensíveis a ponto de tornar a exposição das vísceras de um cantor espetáculo circense? Sim, infelizmente, pela profusão em que são compartilhadas, deve ser um exercício extremamente prazeroso, as pessoas se deliciam em mostrar e falar a respeito. Não, por favor, não me digam que essa crueldade é parte intrínseca do ser humano, não, não somos assim, mas estamos cotidianamente aprendendo a ser...   

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Navegar é preciso, publicar não é preciso...

Ainda que meio hesitante, concordei em transformar a tese em livro, na realidade, temia que o ato soasse meio cabotino. Deixei-me convencer por entender que através desse formato o voo poderia extrapolar os muros da minha casa, embora não tenha tanta certeza disso, mas o controle não está mais comigo, o fato já está consumado. Por outro lado, não serei leviano a ponto de negar que não fiquei lisonjeado com a "honraria"! Neste momento, não tenho nenhuma intenção de enaltecer a qualidade do trabalho, mas não posso deixar de sugerir que deem uma olhada no livro, existem algumas provocações interessantes feitas a determinadas "certezas" que vigem na área, o livro faz uma imersão nos debates sobre a formação de professores, sem apologias ou ressentimentos, desse modo, critica a forma encontrada pelo Estado para aumentar o número de professores licenciados, "tapando" o buraco da carência apontada por suas estatísticas nada encorajadoras, enfim, mostra os estragos provocados pelo aligeiramento da formação, neste caso, analisa o espaço da sala de aula que fica centrado no binômio professor versus estudante, espaço restrito à busca insana do pólo responsável pelo aprender deficitário. Essa polarização inibe um debate aprofundado sobre o modelo de formação que estamos vivenciando, a proposta do livro é não secundarizar, sob quaisquer hipóteses, questões viscerais da formação de professores, ainda que o futuro destes seja sombrio.
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Prolegômenos à parte, o que me fez escrever sobre o livro, paradoxalmente, não foi o livro. O objetivo era "corrigir" uma imensa lacuna que já ocorrera tanto na tese e agora no livro, aí muito em função do espaço destinado a tal empreendimento. Espero que o que vou dizer agora não cause melindres naqueles que porventura se predisponham a ler a obra. Infelizmente tenho observado que cada vez menos pessoas fazem da leitura um exercício de reflexão, de aprofundamento de estudos, muito pelo contrário, o que se observa são "tarefeiros", aqueles que só fazem o que lhe mandam e com certa dificuldade no cumprimento daquilo que lhes foi pedido. Na verdade, ao dizer isso, sentencio que publicar, hoje, mais do que nunca, serve, apenas e exclusivamente, para "engrandecer" o currículo "lattes de cada dia", para quantitativamente avaliar se esse ou aquele programa é produtivo, se esse ou aquele pesquisador merece fazer parte da elite científica do país com seus livros e artigos, muitas vezes lidos apenas por especialistas, aliás, nunca se produziu tanto, porém o número de analfabetos funcionais cresce em proporção infinitamente superior. Dizia eu, inicialmente, que o objetivo não era criticar o modelo equivocado de ciência que estamos ancorados, porém corrigir uma lacuna percebida tanto na tese, quanto no livro.
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De novo, espero não causar suscetibilidades. O fato é que existem dois espaços que são visitados em publicações recorrentemente, quiçá os únicos realmente lidos. Dois são os motivos, penso eu, dessa "aleivosia" dos leitores. O afeto  e o "certificado" de importância dos que aparecem nos "créditos" da publicação. Muitos daqueles que gostamos e que estão ao nosso redor, na maioria das vezes, não entendem quando estamos no canto, solitários, com nossos alfarrábios e todas aquelas ferramentas necessárias para que possamos "rascunhar' alguma coisa, por não entenderem, somos interrompidos repetidamente, sem nenhum pudor, como se aquilo em que estamos envolvidos não tivesse a menor importância, pode ser até que ao nos "atrapalhar" pensem que estão nos prestando uma ajuda inestimável, quando, na realidade, impedem que escrevamos mais algumas dolorosas linhas. Aqui no caso, a relação é meramente afetiva, é a emoção que dirige o olhar.

Pois bem, obra pronta e acessível, esses queridos, tão queridos caminham sôfregos para descobrir se foram lembrados na dedicatória e/ou nos agradecimentos, como já disse, todo o resto se torna irrelevante. Ser esquecido é uma falta difícil de ser "digerida". Lembro-me de um caso entre tia e sobrinha, esta dissera que considerava a parente como se fora sua mãe, ato contínuo, cometeu o deslize de não colocar o nome da referida senhora nem na dedicatória, tampouco nos agradecimentos. O ressentimento criou raízes tão profundas que desculpas posteriores não aplacaram a dor do esquecimento, observe o que disse a não homenageada: "você me considera como sua mãe, mas você não colocou meu nome nos agradecimentos da monografia!" De outro modo, aqueles que não são do ciclo familiar, mas acreditam que representam/representaram papel importante na trajetória do autor e/ou da obra também desejam ser lembrados, nada mais justo, por tudo o que fizeram, sem contar que esse é um "mimo tão barato"! Então, o que fazer quando pessoas que deveriam ser "citadas", foram sumariamente esquecidas? 
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Na verdade, não há nada mais que se possa fazer. De qualquer forma, pensei em "corrigir" a falha, usando esse espaço para prestar uma pequena e singela homenagem a todos que deveriam estar presentes, ou na dedicatória ou nos agradecimentos, mas que foram esquecidos, contudo, logo em seguida, declinei, por dois motivos: primeiro, estaria expondo os "esquecidos" com esse "prêmio" de consolação, tornando público que não lembrei deles, mesmo que isso não tenha ocorrido; segundo, muitos dos "esquecidos" ao serem lembrados poderiam raivosamente pedir a retirada dos seus nomes por uso indevido, ou, quiçá, por "assédio moral", reconheço que não deixa de ser constrangedor você ser lembrado quando desejaria ser esquecido. Neste caso, ainda que "a emenda possa ficar pior do que o soneto", queria agradecer a honraria de tê-los (os não-lembrados) presentes em minha vida, saibam pessoas queridas, mais que queridas, que, traído pela memória, lhes neguei aquilo que lhes é/era de direito, mas a tese e o livro só se materializaram pela(o) incomensurável/imprescindível ajuda, amizade, força, carinho, respeito, solidariedade, compreensão que recebi ao longo de todos esses anos, muitíssimo obrigado por serem uns "ausentes" tão presentes...