sábado, 28 de abril de 2007

Contradições venezuelanas e paradoxos brasileiros

Comecemos falando de um paradoxo encontrado na "Pequena Veneza", antes daquele que a imprensa, que goza de liberdade, tenta desqualificar a todo custo, estamos falando do Presidente da Venezuela Hugo Chávez Frias; mas voltemos ao paradoxo, como pode um país ser o 5º produtor mundial de petróleo e 80% da sua população viver em condições miseráveis? Um meio de comunicação de massa deve se preocupar com coisas desse tipo ou seu papel se resume a informar? Com uma população de aproximadamente 25.000.000 pessoas, o Estado Venezuelano sempre esteve a serviço da sua minoria, o que não deixa ser cômico, se não fosse trágico, ou seja, há riqueza, mas o povo é miserável!
.
Quando ainda nos encontrávamos no ensino básico, recordamo-nos de um professor de História que falava da riqueza da Venezuela e que não entendia como um país com a quantidade de petróleo correndo no seu subsolo, tratasse a maioria da sua população de forma tão avarenta! As condições sociais começam a mudar quando Chávez assume o poder e isso incomoda aos que são subservientes aos ditames dos EUA para a América Latina.
.
Desde que foi eleito, dentro dos parâmetros que a imprensa que goza de liberdade defende (como "eles" gostariam de chamá-lo de ditador) Chávez venceu oito vezes a oposição em seis anos de governo, constam dessas vitórias, um Golpe de Estado, um Lockout, por conta da estatal petrolífera, a PDVSA, e um referendo revogatório, ainda assim, os que estão a serviço de interesses espúrios querem pintar um quadro que mostre uma face que só os fascistas de plantão vêem! Os adjetivos direcionados para Chávez mostram muito bem que "liberdade de imprensa", em alguns casos, é sempre unilateral, quando se trata dos interesses das grandes corporações de comunicação.
.
Em passado recente, um certo presidente resolveu não participar de um debate, de uma poderosa emissora de televisão brasileira, por achar que este não acrescentaria nada, ou quase nada, na sua campanha. Não valia à pena correr riscos, já que a vitória estava assegurada, o debate bem que poderia tirar alguns pontinhos preciosos. Quem fez isso? Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1998. Posso estar sendo leviano, mas a tal emissora não fez o estardalhaço que fez nas últimas eleições quando o quadro era praticamente o mesmo e o atual presidente resolveu não participar do debate como fizera seu rival em 1998! Como consequência amargou um segundo turno, contra todos, em que a manipulação foi tão descarada, que um dos repórteres da rede, Rodrigo Vianna, se "exonerou" por discordar da forma como a cobertura foi realizada. Liberdade de imprensa! Outro fato que pode demonstrar essa dubiedade está relacionado ao livro CBF/Nike, publicado pela Editora Casa Amarela, que o Ricardo Teixeira conseguiu impedir a circulação e a tal rede silenciou, não estaria caracterizado aí uma agressão à liberdade de imprensa ou ela não se manifestou por ser parceira da CBF?
.
Chávez já sinalizou que não vai renovar a concessão da RCTV - Radio Caracas Televisión, conhecida como Canal 2, que se expira no próximo dia 27 de maio de 2007. O que vemos atualmente é uma batalha de percentuais divulgada pelos órgãos de comunicação, como uma verdade insuspeitável. Dizem os números, "imparciais", é claro, que 81% da população é favorável à renovação da concessão, números esses superiores aos da aprovação de Chávez que se resumem a míseros 61%! Segundo os noticiários, com ações como essa o governo chavista quer calar a oposição! (sic) Mas uma concessão não é liberada pelo Estado para acesso público? Então a RCTV faz oposição? Ou apenas relata os "fatos", com total isenção, como fez e muito bem no Golpe de abril de 2002, quando imediatamente divulgou que o novo presidente da Venezuela era o senhor Pedro Carmona Estanga, notícia veiculada também por estas plagas, sem nenhum questionamento, o que é estranho, haja vista que a "renúncia" de Chávez foi um atentado à democracia latino-americana.
.
Se instituto administrativo da concessão, tendo conceito, natureza jurídica, características e modos de outorga de concessão pública de televisão, é feito pelo Estado, cujo objetivo é servir à sociedade e no julgamento deste Estado isso não vem ocorrendo, nada mais elementar que esse direito seja suspenso, e isso faz parte do jogo da livre iniciativa, tão defendida por empresas como a RCTV e a Globo! Por que toda essa celeuma? Gente nas ruas pedindo que o canal de tv seja mantido com o argumento falacioso de que é uma agressão à liberdade de imprensa? Ao comparar os dados de aceitação da concessão com a aceitação do governo, a RCTV quer insinuar que há mais pessoas interessadas no que a emissora tem a dizer do que no que vem sendo feito pelo governo Chávez! Se voltarmos para os dados anteriores e prestarmos bem atenção que redes como as duas em questão estão sempre encasteladas no poder, vivem às custas do Estado no que se refere à maior fatia do mercado publicitário, quando não encontram essa mamata, vão para a "oposição", tanto aqui como na Venezuela, não nos esqueçamos que a Globo se estruturou em plena ditadura militar, numa total omissão com o que acontecia no país, quem não lembra do "episódio Brizola"? Todos sabemos que nas "diretas já" houve um "silêncio" por parte desta emissora...Chávez ao não conceder a renovação da concessão não faz nada que não faça parte do jogo democrático, não renovar a concessão é uma das prerrogativas possíveis, afirmar que isso é uma agressão à liberdade de imprensa é falácia!


quinta-feira, 26 de abril de 2007

Escola e realidade: o que aprender?

Quando da sistematização do conhecimento entre os séculos VII e I, antes do que foi convencionado chamar de "era cristã", dois filósofos sinalizam cosmovisões que, pelo menos no lado ocidental do globo, serviriam de modelo para "nosotros". Heráclito, membro de uma importante família aristocrática, afirmava que tudo fluía, nada era imutável, uma visão ousada, diríamos, foi chamado de "obscuro", dizia ele: "Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos", uma percepção dialética muitos séculos antes de Hegel e Marx! O seu antípoda, se nos é dado o direito de dizer assim, Parmênides, tinha uma percepção em que anunciava que o ser era imóvel, fixo, indivisível! Atesta-se uma linearidade, caminhamos do simples para o complexo! É certo que o direito de pensar pertencia aos ociosos, aos filósofos !
.
Queiramos ou não o "ordem e progresso" da bandeira brasileira, por estranha ironia, mostra que a percepção do linear foi a que se impôs, caminhamos sempre para frente! Entre Heráclito e Parmênides, escolhemos aquele que não nos "confunde", uma coisa vem sempre depois de outra, saímos do simples em direção ao complexo, afinal, "o sol nasce todos os dias", quem vai entender que isso é pura ilusão! E a Escola? Como ela se estrutura a partir destas ponderações?
.
Há defensores, e muitos, que dizem que deve se aproximar da realidade, a Escola está distante da vida cotidiana, a teoria é bem diferente na prática, "o que vemos na escola não acontece necessariamente na prática"; ah, como os estudantes gostam de dizer isso! "Os livros dizem uma coisa, mas quando enfrentamos as turmas de estudantes nas salas de aula é uma guerra!"
.
Curiosamente a forma de pensar de Parmênides se manifesta de forma tensa e cabal, por não concordar com o que sugeria o Obscuro, buscam na realidade um "retrato três por quatro" da teoria! Temos hoje diversos modelos de escola. Um que esteve/está muito na moda, por exemplo, é o da Ponte, lá de Portugal, onde a associação de pais é que escolhe os professores! Rubens Alves é um fã ardoroso e defensor desse modelo. O que a Escola deve ensinar e qual a relação entre ela e a realidade? Deve ela reproduzir a "realidade"? Tem que trazer o cotidiano para dentro dos seus muros? É possível alguém que não sabe, nunca estudou currículo, elaborá-lo? Não estamos vivendo nos "novos tempos" uma tal de Escola Nova Nova? O foco está no estudante, uma espécie de autodidatismo! Se os amigos da escola estão no caminho, então qualquer um pode ensinar, basta a boa vontade? O currículo para ser estruturado é só uma questão de desejo de cada um?
.
Questões difíceis e "complexas", o que está claro é que se for para atender ao desejo de todos teremos uma verdadeira "colcha de retalhos"; para o que chamamos currículo, temos muitos olhares e direções variadas e nenhum consenso! Se trouxermos o dia-dia do estudante para dentro da escola, para que ela seja menos "sisuda", não seria um contra-senso? O lugar de Escola não é apresentar o conhecimento sistematizado, o conhecimento científico? Há momentos em que aprender não é "só alegria"! Esse negócio de dizer que se aprende a partir do lúdico sempre é de uma estupidez sem igual. Drumond elaborou o seu José sorrindo e cantando? Raduan Nassar escreveu Lavoura Arcaica sem "queimar" seus neurônios? O que está posto é que elaborar conhecimento, nem sempre é prazeroso, há momentos em que o rio permanece com suas águas calmas e tranqüilas, não vemos nenhuma marola!
.
Passados tantos séculos, vemos como a forma de pensar de Parmênides é a que se estabeleceu: "movimento existe apenas no mundo sensível, e a percepção levada a efeito pelos sentidos é ilusória", por outro lado, "o que mantém o fluxo do movimento não é o simples aparecer de novos seres, mas a luta dos contrários", dita por Heráclito, continua incompreensível...

sábado, 21 de abril de 2007

A Igreja, o papa e a hipocrisia...












A visita, ao Brasil, do papa Bento XVI entre os dias 9 e 13 de maio, para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, provoca-me deveras! Não estou querendo dizer com isso que faço parte dos 73% de brasileiros que se dizem católicos! Somos o maior país católico do mundo! "Andar com fé eu vou que a fé não costuma faiá" afirmava o ministro Gil, há alguns anos!
.
Esse evento vem carregado de uma tautologia sem par! São mostrados quadros e mais quadros sobre o quarto onde ele vai dormir, a cadeira onde vai sentar, vai isso, vai aquilo, só falta mostrar em que lugar ele fará as suas necessidades fisiológicas e qual a marca do papel higiênico! Somado a tudo isso, temos ainda a tal da canonização de Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro! Vemos aí a primeira contradição disso tudo. Somos o país com o maior número de católicos, porém só temos um santo, das duas uma, ou não temos nada de santo, ou os tais milagres são hierárquicos, vale mais um milagre na Itália do que um em Cabrobó do Berrador!
.
Bento XVI vem imbuído da "missão de unir e confirmar o povo de Deus na fé em Cristo". Entendemos a igreja como uma grande empresa capitalista e, como toda empresa cujo produto é composto de rios de saliva, sofre grande concorrência, hoje, das Seitas "Alternativas", vemos o crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus como uma prova cabal disso.
.
A igreja católica já queimou e matou em nome de Deus e, ao longo dos séculos, foi se adaptando, mesmo com todos os escândalos, muitos dos quais de pedofilia, além de sua capacidade ilimitada para pedir desculpas! Como exemplos, temos sua neutralidade frente ao nazifascismo, o extermínio dos índios e negros, aqui no Brasil, mas estes não tinham alma, por isso sua culpa nesta caso é minimizada, (perdão pela ironia, mas não pude evitar) suas cruzadas porque Deus queria!
.
Hoje temos temas candentes e urgentes que esta instituição passa ao largo! O homossexualismo, velado no seu interior; o aborto, a inseminação artificial, a manipulação de embriões, a bioética, a eutanásia. Em pleno XXI, ela ainda não "entendeu" que as doenças sexualmente transmissíveis podem ser minimizadas com o uso da camisinha, será que temos aí o medo de perder fiéis? Sabemos que Bento XVI não tocará nem de leve nestas questões!
.
Vai-se gastar milhões de reais para essa acolhida, enquanto nossos milhões de miseráveis continuam morrendo ou de fome ou por balas, haja vista o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro! Lembro-me que o outro, João Paulo II, que deve ser transformado em santo, muito em breve, quando da sua primeira estada no Brasil, fez questão de visitar o Morro do Vidigal e (que gesto nobre!) doou um anel de ouro para ajudar os favelados! O interessante nisso tudo é que essa empresa capitalista extremamente rica sobrevive às custas de muitos dos pobres e miseráveis espalhados pelo mundo e dos 73% de católicos brasileiros, mas que ameniza as dores desses sujeitos com doses cavalares do seu ópio; a frase "São Paulo te acolhe" poderia ser reformulada pelas lésbicas paulistas, que diriam, mais ou menos assim: "O sumo pontífice nos acolhe e faria nosso casamento no seio da sua igreja?"

sábado, 14 de abril de 2007

A falácia das cotas

A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB - está iniciando a discussão a respeito das cotas para afrodescendentes e outras minorias. Tema polêmico por natureza, traz na sua raiz algo que aproxima, ironicamente, grupos considerados opostos politicamente. Percebo conservadores e "progressistas" falando a mesma língua!
.
Os primeiros acreditam que todos podem chegar a qualquer lugar só dependendo do seu esforço pessoal, afinal as condições são iguais para todos, a mão invisível do mercado os orientará! Os segundos acham que cabe uma reparação a negros e indígenas por suas contribuições na construção do país, já que não tiveram qualquer recompensa por isso. A recompensa seria, aqui no caso, reservar "espaços" nas instituições de ensino superior para esses grupos que foram/são discriminados no acesso aos bens sociais.
.
O que os aproximam é justamente o discurso do privilégio, da reserva de espaços, que neste caso, é reserva de mercado, da fatia que deve ser apropriada por aqueles que foram explorados e expropriados dos seus direitos de cidadãos ao longo da história desse país; entram nesta equação, os idosos, os deficientes de todos os matizes, não serei politicamente correto e usar o eufemismo, tão em voga, portadores de necessidades especiais, quando sei que estamos no modo de produção capitalista e que este seleciona os "eficientes", logo não caiamos no discurso hipócrita da defesa do diferente, quando, na realidade, o sistema quer os PNE que sejam eficientes para serem explorados, assim como o serão os afrodescendentes e indígenas!
.
Não caberia o discurso de que as chamadas minorias são menos "competentes" para aprovação no vestibular tal como ele é, afinal não se questiona o formato seletivo do concurso, as provas são iguais para todos, o que se deseja é que os afrodescentes e indígenas disputem entre si e não mais contra os brancos e outros, inclusive os afrodescendentes que resolvam disputar as vagas fora das cotas!
.
Um professor, ao defender a cota, salientou que o vestibular é seletivo, talvez até excludente não permitindo que esses indivíduos ascendam socialmente. Outra professora afirmou que é a favor, mas que tem "algumas" restrições. Por certo, o consenso não é a palavra que guiará esse debate, muito pelo contrário, a tendência é acirrar os ânimos. Na realidade, parece que a entrada na universidade resolve todos os problemas, ela seria o oásis; o estranho é que muitos desses professores que defendem as cotas reclamam e muito dos estudantes que entram pelos critérios em voga, afirmando, em alguns momentos, que não sabem escrever, têm dificuldades de interpretação e outras "deficiências". Existem pesquisas que apontam que os estudantes que entram pela via das cotas têm o rendimento superior aos que passam pelo funil do vestibular branco; o interessante é que a cota também representa um funil, ou seja, a cota não exclui a exclusão, teremos os "derrotados" de segunda ordem, aqueles que nem com cotas conseguem passar! Se a pesquisa afirma que as pessoas apresentam um bom aproveitamento, sabem, conhecem, o problema, então, é o formato do concurso vestibular, a sua extinção não seria solução mais óbvia?
.
Neste debate, uma coisa está muito clara, e não vai aí nenhum trocadilho, é que as cotas em primeira instância, ira privilegiar uma Aristocracia Preta que luta, e é aí que os "progressistas" se aproximam dos conservadores, por espaços de poder, de ascensão dessa elite preta, quem defende as cotas em última instância, não está pensando na grande maioria dos desvalidos, das escolas sem estruturas dignas e professores mal remunerados, haja vista o anúncio do piso salarial, na extinção da exploração, mas em um projeto excludente e seletivo, nem um pouco diferente daquele gerenciado pela elite dominante...

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Vida de Professor II - Só a Poesia!

Não ia escrever sobre o resultado do pedido da minha vizinha, mas já que levantei a curiosidade e também para não passar por mentiroso, resolvi saciar possíveis curiosos. Uma amiga muito querida, muito recorrente por aqui, ligou-me na segunda-feira, pela manhã, para saber o resultado da empreitada! Disse-lhe que estava predisposto a cumprir a tarefa que me foi solicitada, juro, afinal, não é ensinar a função primordial do professor? Aquele que não consegue fazer isso está no lugar errado e irá pagar no purgatório, pelo pecado da omissão do conhecimento...
.
Segunda-feira, à tarde, na volta da aula, ela reaparece, tinha organizado um pequeno discurso que resolveria o problema, porém ao me ver ela apenas sorriu e acenou contente! Não mencionou nada, nem uma vírgula sobre o pedido das duas redações, objetos que tinham me tirado o sono, na busca da solução daquela situação constrangedora, isso sem contar o medo de receber alguns adjetivos nada lisonjeiros!
.
Na realidade, foi pensando na incumbência da vizinha, e ainda tendo na memória a prosa/verso do Raduan Nassar, no seu Lavoura Arcaica, que este professor na busca de inspiração e por achar que só a poesia nos salvará da total imbecilização a que estamos sendo empurrados, ("para ouvir o sapo, namorar a lua, dai-me direito ao acoite, ao ócio, ao cio, a vadiagem pela rua", canta o poeta Vander Lee) que me entreguei ao deleite de assistir uma vez mais ao filme iraniano "A cor do Paraíso" e a impressão de beleza provocada nas duas anteriores se intensificaram! Admito, fui fisgado pela emoção e sensibilidade transmitidas pelo pequeno Mohammad, um menino cego capaz de falar com os pássaros e "ver" a beleza das flores e o frescor das manhãs, em pouco mais de uma hora de filme; é pura poesia, vinda em profusão ao encontro das " minhas retinas cansadas"! As lindas imagens se nuançam numa profusão embriagadora, e neste momento, de profunda felicidade, percebo na forma mais crua e intensa que o poeta estava certo: "a humanidade é desumana, mas ainda temos chance"; sim, ainda temos chance! E embalado pela perturbação súbita e entendendo que são as mãos os veículos responsáveis pela comunicação de todos os sentimentos que os personagens emanam que me atrevi a escrever a "redação" criativa, a partir do êxtase provocado pelo filme, sem enviar, contudo, à destinatária final....
.
Mãos que fascinam e fazem parte de uma arquitetura sublime e meticulosa;
tê-las em pinça nos tirou da posição telúrica para enxergar o firmamento;
mão humana, capaz de falar, sentir, sorrir, chorar, com ela é possível conjugar todos os verbos e com eles todas as línguas, dialetos, zumbidos, libras que é o "ouvido" do surdo;
.
gosto quando deslizam sobre a minha pele, quando me acariciam de forma ousada, voluptuosa, indecente, imoral! Carinhosas, perfumadas tocam os meus lábios e me fazem calar, exigindo que o desejo prevaleça, que o gozo se anuncie, que o êxtase se irrompa!
.
mãos que buscam com urgência remédio para curar/salvar do sofrimento;
gosto de admirá-las, vê-las em movimento, declamando, escrevendo, ensinando, amando assim como o gerúndio, observar seus contornos, suas linhas, suas texturas, seus cheiros, mãos dulçorosas que fazem amor comigo!

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Vida de Professor


Estou perto de casa e aquela vizinha que mora em frente vem em minha direção, estranho e me pergunto: "o que será que ela quer?" Sim, estamos vivendo o período das desconfianças, nada está acontecendo de forma ocasional ou acidental, todo mundo quer alguma coisa e ela não seria diferente...Ela diz: "preciso de um favor", retruco, "se puder ajudar", no que ela responde, "pode, sim; é algo simples, preciso que o senhor faça uma redação!" No primeiro momento, não entendo nada, penso que deve ser uma daquelas cartas de apresentação ou qualquer coisa que o valha que são pedidas às pessoas quando elas estão à procura de trabalho!

Ela argumenta que precisa que eu faça uma redação simples e outra criativa! Na minha inocência, pergunto sobre o quê? Ela responde: "sobre uma redação simples e outra criativa!" Vida de professor é f...Entabulo uma conversa com meus neurônios no sentido de entender o que é que se passa, o que será que ela quer, Jesus? O que é uma redação simples e outra criativa? Que direção alguém deve tomar ao pensar uma temática como essa; só rindo, mas com meus botões para não causar nenhum constrangimento à minha interlocutora! O que fazer? Claro que a situação em apreço não chega nem aos pés da vivida por Lênin quando pensava naquilo que terminou na Revolução de 17, na Rússia! Mas juro que não sabia o que dizer, mas disse: "tudo bem!" Sei que posso ser confundido com a personagem Rosa do comercial de automóvel que aceita todas as situações contrárias aos seus desejos com essa expressão, porém como reagir numa situção como essa? Ela disse: "fique tranquilo que não é para agora, tem tempo", ufa! Que alívio! Com a situação postergada, consegui chegar em casa sem maiores atropelos!

Dia seguinte, volto cansado de um encontro em que esperei por 40 minutos e o estudante, que estou orientando na sua monografia de final de curso, não apareceu, reencontro a minha querida vizinha e ela quase que de chofre me interpela com essa: "professor, é para segunda-feira!" Olho para ela, olho para os arredores e não vejo nada que me ajude a entender aquela situação escalafobética! Imagina aí como é escrever algo para alguém, que você apenas saúda todos os dias com um bom dia, boa tarde, às vezes, até, boa noite, cujo tema se resume a uma redação simples e outra criativa?

Hoje é quinta-feira, já deu para perceber que o prazo está se expirando e não faço a menor idéia o que ela quer ou o que devo escrever para não "perder" o respeito da minha vizinha! Pelo amor de Buda o que é uma redação simples e outra criativa? Com a experiência acumulada nestes anos de magistério, fiz uma pequena elucubração e imaginei o seguinte: a professora, perdoem-me pela ironia criativa, deve ter solicitado como tarefa para o filho da referida pessoa uma redação sobre hábitos comuns e outra em que fosse estimulada a criatividade da criança e ela na sua humildade deve ter pensado: "não entendi, porra ninhua, mas como ele é professor, deve saber o que a outra quer saber, eles que são brancos que se entendam", mas logo eu que sou pretinho!!

A situação é de uma fina ironia, mas não sei se sem querer retoma a discussão anterior em que faço uma crítica aos currículos das escolas no ensino de história; eles são herméticos, fechados neles mesmos, não conseguem dizer qual a razão de determinados conteúdos/conhecimentos, penso no que falei sobre o latim ser a língua que originou a nossa e não termos uma percepção mínima que seja sobre ela e no caso citado, o grego, só vemos os radicais e ainda assim de forma confusa e equivocada; pela incumbência que a vizinha, na sua santa ingenuidade, me impôs dá para perceber que a escolas, digo os professores, continuam mandando para casa as tarefas mais sem sentido para os estudantes e no fim das contas quem faz as tais tarefas são os pais ou algum professor desavisado que mora perto!...