quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sedentários...

Em casa, numa manhã outonal, na cidade que tem o sol como adjetivo, eis que me chega um pacote dos correios, nestes tempos em que não se escrevem mais cartas (para que se não há mais destinatários?), observo o formato do "embrulho", fico a me peguntar o que seria aquilo?! Com o terrorismo grassando que nem mosquito da dengue, aquele negócio bem que poderia ser uma bomba!? Ufa! Ainda bem que não! Eram cadernos iguais aos que ilustram esses caracteres mal traçados! Exultei, sim, porque no momento em que tudo está acelerado, em que a quantidade vence de forma contundente a qualidade, alguém tem a "ousadia" de sugerir que ainda se use esses artefatos, que hoje servem apenas para rascunhos e para tomar notas, ninguém mais escreve, digita-se ou copia-se e ponto, que o diga a ex-ministra da Educação da Alemanha, Annette Schavan, veja aqui... O pacote tinha uma mensagem, alguém, nas entrelinhas, sugeria: "que tal, diminuir esse ritmo louco em que entramos, só um pouquinho, e, como mera diversão, escreva alguma coisa?! Qualquer coisa, ainda que saiba que você não é Caetano Veloso" 
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Na verdade, o que se sugeria de forma velada era: "desaceleremos, nem que seja por algumas horas! Esqueçamos essa velocidade vertiginosa em que a vida foi transformada". Sei que pedir para "parar" o tempo pode parecer paradoxal, e é, mas por que não? Ler e escrever são exercícios cada vez menos "experimentados", posso deixar de ler o "Ensaio sobre a Lucidez" (Saramago), ou qualquer outro livro, esquecer desses dois itens imprescindíveis para o exercício do pensar, mas não deixo de fazer meu supino, minha remada ou meus agachamentos sagrados! Em relação aos aspectos destacados, ler e escrever, o número de sedentários cresce em progressão geométrica e não há nenhuma perspetiva desse quadro mudar. Um estudante de licenciatura me segredou: "em cinco semestres, não li um livro sequer." Sabe o que é pior? Não demonstrou nenhum constrangimento!
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Não faz muito tempo, solicitei uma dissertação como forma de avaliação, porém ao invés de a preocupação recair sobre o desenvolvimento temático, ou seja, qual a melhor forma de desenvolvê-lo, a pergunta foi outra: "quantas linhas preciso escrever?" Como posso mensurar isso? Quantas linhas serão necessárias para falar do político corrupto? Do motorista irresponsável? Da gratidão da mãe que me pariu? Quantas linhas são essenciais para falar que o problema da violência não será resolvido com a diminuição  da maioridade penal? Quantas linhas preciso escrever para dizer a falta que sinto dos meus amigos? Do sentimento inefável de ser pai e avô?
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Difícil, não? Pois é, a velocidade, o que não deixa de ser uma ironia, diminuiu o desejo de ler e matou o de escrever! Somos levados a fazer tudo o mais rápido possível, queremos, desejamos dizer tudo no menor número de linhas, temos que ser objetivos, tudo tem que ser como se fora os infinitos 15 segundos da TV; é determinante que sejamos sintéticos ao invés de argumentarmos ad aeternum. O fato é que caminhamos a passos largos para o "não-pensar", e saiba que pensar longe das aparências é cansativo, quiçá um esforço estúpido que o melhor mesmo é sermos sedentários, tanto no quesito ler, quanto no de escrever, afinal, para que escrever se ninguém vai ler?...