Enfim chegamos ao fim de mais um mês que, na realidade, de forma inconsciente, estava contando para que terminasse o mais rápido possível. Tudo isso porque o médico me disse que não havia remédio que me receitasse que pudesse evitar, pelo menos nos dois anos que se seguiriam ao AVCH, que tivesse uma convulsão! Saibam que nos primeiros momentos essa notícia caiu como uma bomba de efeito retardado sobre a minha cabeça! Eu não sabia o quão era assustador ter um AVCH: um verdadeiro pesadelo, menos ainda que a sobrevida era um exercício de superação cotidiano; somos acometidos de diversos medos, o principal, acho eu, já que cada caso é muito particular, é o medo de dormir! Acabou a angústia, já sonhamos o sonho dos justos!
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Estranha coincidência, mas esse mês foi brabo! Meus camaradas, aconteceu de tudo um pouquinho e mais um pouquinho! Aqui no Brasil, que a calhorda delegação americana teve a ousada petulância de chamar de Congo, nada contra o Congo, já fomos chamados de Bolívia pelo presidente deles, tomara que isso não nos faça deitar no divã com uma aguda crise de identidade, o presidente foi vaiado "calorosamente" na abertura dos "enganadores" jogos pan-americanos, Bernadinho cortou Ricardinho só por causa de um dinheirinho, a "classe média" na TV reclamando pelo atraso dos vôos, mudou-se o Ministro da Defesa, demitiu-se Waldir Pires (fiquei constrangido com sua saída, nem um murmúrio sequer) o acidente totalmente evitável da TAM, além, é claro, do escândalo Renan/senado que se arrasta para o esquecimento, queiram os orixás e seus exus que não!
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Longe daqui, mas não menos importante, perdemos Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, dois gênios da imagem, olha, não é pouca coisa não! Contudo, apesar de tudo isso, vibramos como desesperados pelas medalhas de ouro do Thiago Pereira, que se fosse "contra" todos, no máximo obteria o bronze e em apenas duas ou três modalidades! Nosso maior medalhista joga "Ping Pong", somos medalha de ouro no pentatlo moderno, ficamos com a prata no hipismo, esporte popular no Brasil. Contamos passo a passo, assessorados, é verdade, pelos Galvões Buenos, o número de medalhas para ver se conseguiríamos ganhar de Cuba, já que do Canadá foi barbada! Quase que vencemos, não deu, mas se fosse, o que seria o justo, diriam as Hortências da vida, contar pelo total ficaríamos à frente de Cuba, com certeza! Todos esses acontecimentos que julho nos "presenteou" e livre, espero eu, do trauma pós-avch, traz-me à memória a poesia mais que brasileira do poeta Russo e sua Perfeição, que mais parece um roteiro de cinema, pela profusão de imagens:
Vamos celebrar a estupidez humana,
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e seqüestros
Nosso castelo de cartas marcadas,
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã.
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão.
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso - com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção.
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera -
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição