sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Invejoso...

Para quem não gosta muito de barulho, morar em Salvador e ouvir rádio não é uma combinação das melhores! A cidade incorporou a imagem que as imagens da tv lhe deram! Então, por aqui, temos carnaval o ano inteiro, o infeliz propriamente dito, ou seja, quase uma semana de zoeira ensurdecedora, perdoem-me pela redundância, e sua preparação durante os outros meses do ano! Como todos já sabem, existem artistas da terra que parecem ubíquos, o que faz com que não esqueçamos, um só segundo, que carnaval tem todo ano e o ano inteiro! Quem sabe uns dois exemplos podem deixar esse negócio mais claro? A internet aqui de casa parou de funcionar. Para minha surpresa, um técnico, lá no Rio de Janeiro, conseguiu consertá-la de forma rápida e eficiente via telefone (o técnico local, numa análise rápida e definitiva, condenou o modem), falei da sua eficiência e que caso resolvesse vir a Salvador, que seria seu cicerone. Ele rindo retrucou: tudo bem, quem sabe no carnaval? Estava em Florianópolis tentando comprar um agasalho para o frio lancinante que fazia por lá. Conversando com o vendedor, e nem sei o porquê, pergunta-me se sou da Bahia. Achei estranho já que não apresentava nenhum traje típico da boa terra, terá sido o meu sotaque? Mas eu não tenho! Pois bem, não escapei, ao confirmar que era de Salvador, da pergunta que me persegue de forma recorrente em todo canto que vou: o carnaval é aquilo mesmo? Para que tenham uma idéia de como isso, às vezes, é inconveniente, certa feita em Uberlândia, quase saio do sério quando um sujeito, ao saber da minha origem geográfica, veio logo dizendo que tinha uma vontade danada de vir a Salvador, no carnaval, para sair dando beijo na boca e fazer outras coisas que não acho necessário repetir. Para lhe dar uma porrada, lancei-lhe raivosamente na cara essas palavras: minha mãe também mora lá! Como se não bastasse esse sofrimento, imaginem o repertório da maioria das rádios que vicejam por aqui!? Todavia, para fugir da Lei de Murphy, nem tudo é barulho incessante por aqui, de quando em vez, tocam umas coisas interessantes, fugindo do lugar comum, se assim não fosse, nem o maior dos defensores das Cláudias e Ivetes suportaria, aliás, confesso que já nem sei quem é uma ou quem é a outra! Sei apenas que uma é fake, mas está cada vez mais difícil, sem a imagem, descobrir quem é que é o fake! O fake faz o que todo fake faz, não é? O problema é quando o original incorpora o fake! Quem disse que isso é importante? O fato é que hoje pela manhã uns acordes diferentes insistiam em quebrar a rotina sonora soteropolitana, aguçamos os ouvidos e o que tocava no rádio, ou será na rádio?, era INVEJOSO de Arnaldo Antunes e Liminha, de 2009, o que prova que "quando tudo está perdido, sempre existe uma luz":

O carro do vizinho é muito mais possante
E aquela mulher dele é tão interessante

Por isso ele parece muito mais potente
Sua casa foi pintada recentemente

E quando encontra o seu colega de trabalho

Só pensa em quanto deve ser o seu salário
Queria ter a secretária do patrão
Mas sua conta bancária já chegou no chão

Na hora do almoço vai pra lanchonete

Tomar seu copo d'água e comer um croquete
Enquanto imagina aquele restaurante
Aonde os outros devem estar nesse instante

Invejoso

Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço

Invejoso

O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso
mas acabou no fundo desse poço

Depois você caminha até a academia

Sem automóvel e também sem companhia
Queria ter o corpo um pouco mais sarado
Como aquele rapaz que malha do seu lado

E se envergonha de sua própria namorada

Achando que os amigos vão fazer piada
Queria uma mulher daquelas de revista
Uma aeromoça, uma recepcionista

E quando chega em casa liga a tevê

Vê tanta gente mais feliz do que você
Apaga a luz na cama e antes de dormir
Fica pensando o que fazer pra conseguir

O que é dos outros

Querer o que é dos outros é o seu gozo
E fica remoendo até o osso
Mas sua fruta só lhe dá caroço

Invejoso

O bem alheio é o seu desgosto
Queria um palácio suntuoso

mas acabou no fundo desse poço   

domingo, 25 de setembro de 2011

Contraponto...

Assumida as limitações desse escriba, trazer o texto de Alex Castro tinha por finalidade mostrar que ainda é possível falar de amor intenso e completo, diria, extraordinário e possível, neste mundo onde os sites de relacionamentos são os novos pontos de encontros dos futuros casais! Não posso negar que o amor dedicado em vida e agora à memória de José Saramago por Pilar del Río materializa, quiçá, represente melhor aquilo que pretendíamos com essa empreitada. O belo texto de Alex fala de um amor maduro, resolvido, amor que buscamos todos os dias, e quem disser que não quer um amor assim, mente, queremos amar e que nos amem com a mesma intensidade. A declaração de Pilar del Río (em vida ele estava comigo, agora está dentro de mim) eterniza a relação na medida em que livra definitivamente do quotidiano o amor, dito de outra maneira, a vida faz do amor refém porque a convivência o expõe às mazelas de todos os dias, ironicamente é a morte que o liberta, torna-o imorredoiro, nada mais paradoxal, não lhe parece? Não quero eu dizer que para que o amor sobreviva é preciso que um dos amantes tenha que morrer, mas que viver um grande amor não é preciso! É tão verdadeira essa afirmação que, às vezes, a morte torna o amor definitivo! Eu sei, tudo o que estou dizendo soa contraditório! 
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Alex Castro anuncia um amor oposto ao que nós apresentamos para Lanzudo Reis. Naquele temos o encontro do ser divino, da alma gêmea, do amor esperado; neste vemos o amor deixando de ser correspondido, a perda, o sofrimento e, por fim, a morte como bálsamo para a dor lancinante e incurável, pelo menos para ele, do amor sentido por Luiza. A ironia é que ambos amam com a mesma intensidade e paixão. Observa-se em ambos uma apologia do ser amado, levada às últimas consequencias; o primeiro confessa coisas que, em geral, só são ditas na alcova, e expõe sua libido sem nenhuma desfaçatez; o segundo vai se consumindo por um ciúme silencioso, pelo distanciamento da mulher amada, por fim, a suspeita de traição, tão cruel quanto a de Bentinho por Capitu! Somado a tudo isso vem a perda do discernimento. Neste momento, os amantes bradam: "quem foi que lhe disse que no amor há discernimento? No fundo, no fundo, amar é morrer em vida!" Menotti del Picchia resumiu de forma irônica o que está reservado para nós, os humanos, em relação ao amor, disse ele: amar é sofrer, não amar é sofrer mais! O amor nos torna patéticos, em todos os aspectos, principalmente quando escrevemos para quem amamos! Dizem os analistas e entendidos que não há nada mais ridículo que uma carta de amor! Contudo foi Saramago, em seu O ano da morte de Ricardo Reis, quem belamente sintetizou o sentimento ironizando aqueles que tripudiam dos amantes dizendo: não esquecer que todas as cartas de amor são ridículas, isto é o que se escreve quando já a morte vem subindo a escada, quando se torna de súbito claro que verdadeiramente ridículo é não ter recebido nunca uma carta de amor. Preciso dizer algo mais?...  

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Uma tragicomédia mexicano-brasileira...

Nunca alguém se encaixou, este é um verbo estranho para o caso, de forma tão precisa em seu nome como aquele camarada. Fora batizado como Lanzudo Reis. Um sujeito que, além de ter a sorte no nome, tinha um sobrenome duplamente real! Não jogava em loteria, porém tinha uma capacidade extraordinária para dar palpites, por isso, vivia ganhando coisas nos sorteios em que entrava acidentalmente. Ou seja, os prêmios corriam atrás dele: televisor, geladeira, ventilador, ar condicionado, de novo uma geladeira, outro televisor, mais um ventilador e um liquidificador! Tendo essa característica peculiar para os sorteios, as pessoas viviam lhe dizendo: "joga na mega-sena, rapaz, é bem capaz de você ganhar!" Mas ele não lhes dava ouvidos, para quê? Era o que respondia. Na verdade, queria viver do seu trabalho, onde era reconhecido e competente. Começou na labuta sozinho, aos dezesseis anos, longe de sua cidade natal, fato que tornou sua caminhada ainda mais árdua e difícil. Não esmoreceu um só instante, conseguindo superar os principais obstáculos. O curioso é que mesmo sem ter curso superior, conseguiu um salário superior àqueles que o tinham, logo se tornou o braço direito do patrão, sua importância era capital, sem ele o negócio não andava. Sim, ganhava razoavelmente bem, comparado aos padrões brasileiros, cujo salário mínimo não chega aos míseros seiscentos paus, um emergente, usando um eufemismo da moda! Mas, apesar de todo o sucesso, Lanzudo não estava feliz, o que não deixa de ser um contrassenso, com suas conquistas: casa própria, carro e motocicleta na garagem, porém queria mais, algo estava faltando em sua vida, mas o quê? Era o que se perguntava. Talvez fosse uma companheira, quem sabe?
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Como em toda tragédia ou comédia sempre aparece o amor da vida de alguém, para Lanzudo também não foi diferente e nem difícil encontrar sua cara metade, a pessoa que queria ao seu lado pelo resto de sua existência, aliás, é preciso que se diga, todo apaixonado seguramente repete essa ladainha, ama-se o outro de forma incontrolável! Neste caso, ela estava bem ali, distante apenas alguns quarteirões de sua casa e, por isso, diferente dos dias de hoje, não foi necessário nenhum site de relacionamento para os aproximar. Dizem que foi amor à primeira vista, paixão arrebatadora e incontrolável. Ah, como o amor faz das pessoas seres grotescos! Não podia negar que Luiza foi a coisa mais linda que já passara sob seus olhos! Não tinha nenhuma dúvida que era a pessoa que iria dar sentido e significado à caminhada que começara em terras estranhas. Como diz aquele velho ditado: santo de casa não faz milagres, o fato é que o estrangeiro termina tendo mais oportunidades que os filhos da terra, mas isso agora não é importante, e, por essa razão, esse forasteiro terminou se casando com a menina mais linda do lugar e foram felizes, se isso aqui não fosse a vida real, para sempre...
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Mas na vida o para sempre sempre acaba! Embora a história de Lanzudo seja recortada por uma verdadeira trilha sonora, que vai refletindo seus estados d'alma, não se pode dizer o mesmo do seu casamento! Há outro ditado popular que insiste em dizer que aquele que é feliz no jogo, certamente será infeliz no amor! Espera um pouco. Não há nesta sabedoria um cínico determinismo? Não podemos concordar com isso, há outros personagens que são felizes tanto no jogo como no amor. Por exemplo? Aquele ganhador da mega-sena cuja mulher era manicure. Não, doido, avisa-me aqui meu alter-ego, essa mandou matar o marido! É verdade, e o sujeito não tinha as pernas, quanta maldade! O fato é que Lanzudo começou a notar certo distanciamento por parte de Luiza, já não aceitava mais seus carinhos como fazia outrora. Qual seria a razão dessa mudança? Essa pergunta lhe martelava os cornos, digo, a cabeça. Não, não queria acreditar no pior! Amava Luiza com todas as forças do seu ser, só ela o completava e compreendia as coisas que eram importantes para ele. Como dissera antes, quando as pessoas estão apaixonadas, beiram ao ridículo e não são capazes de ver o que está diante de seus olhos, mesmo que seja do tamanho de um elefante! 
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O caso de Lanzudo já se enquadrava no perfil dos sites que oferecem casos extraconjugais com a manutenção do casamento, ou seja, menos de uma relação sexual por mês! Um homem infeliz, muito infeliz era o que Lanzudo se tornara. A saída seria recorrer as tais redes sociais da traição (como a Ashley Madison, canadense, a Ohhtel, americana e a Second Love, holandesa) que já congregam entre nós mais 370 mil pessoas sedentas para uma saidinha do casamento sem sexo? Não, não poderia trair seu grande amor! O remorso o consumiria, não teria como encarar Luiza no café da manhã! Observem que Lanzudo não esquece um só instante a grande paixão por sua esposinha. O pior da história é que o amor só aumentava e em progressão geométrica, enquanto ela perdia o interesse por ele no mesmo diapasão. 
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A relação conjugal se deteriorava, e sexo, quando havia, era mais rápido que o  de Bruno Mazzeo em Cilada.com! Para piorar a situação, Lanzudo descobriu no histórico do computador do casal que Luiza estava inscrita em todas as redes sociais citadas anteriormente! E agora, José? Perdoe-nos Drummond, por essa aleivosia! Estava sendo traído ou ainda se encontrava apenas no virtual? Dilacerado pelo ciúme, resolveu fazer aquilo que todo homem traído deve fazer, quando tem sua honra ultrajada. Não, senhoras e senhores, não pensou em matá-la, afinal, já saímos da idade média. Pediria imediatamente o divórcio. Mas lembrou que não havia provas, o que um histórico quer dizer? O pior cego é aquele que não quer ver, quem foi mesmo que disse isso? E se fosse apenas platônico? O fato é que nessas horas, todo mundo recorre ao filósofo! Com o coração partido e cheio de dúvidas, Lanzudo viu que célere uma depressão se aproximava, precisava respirar, doía demais aquilo tudo. Deixou sua residência às 17 horas, precisamente. Não levou o carro ou a moto, não estava com cabeça para dirigir ou pilotar, pegou um coletivo, saltou naquele ponto próximo ao Iguatemi, subiu aquela passarela que mais parece um formigueiro e se atirou, não sem antes tirar os sapatos...