terça-feira, 29 de maio de 2007

SUS - a discriminação "consentida"...

É comum no modo de produção capitalista, tudo vir a se transformar em mercadoria, afinal sem o lucro a empresa capitalista vai à bancarrota e aí só lhe resta fechar as portas! Se a lógica é essa, necessário se faz TER para poder adquirir os diversos produtos que nos são oferecidos. Há uma outra característica desse "sistema" que o torna peculiar. A falácia de que todos podem, querer é poder, somos estimulados, desenfreadamente, a consumir. Imaginem uma família cuja renda não ultrapassa os R$ 380,00 mensais ver na TV que aquele carro da "moda" custa apenas R$ 69,990,00 provavelmente seus membros devem ficar boquiabertos! Neste sentido, a saúde também é uma mercadoria negociável no mercado de ações, embora a Constituição Federal, no seu artigo 196, afirme que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"; a grande questão é bem simples: como garantir o texto constitucional sem entrar em contradição com a lógica do sistema?
.
Foi no sentido de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população que o SUS - Sistema Único de Saúde foi criado. Todavia quem analisa sua estruturação formal, dirá de imediato que isso foi conseguido, que é perfeito, que temos o modelo ideal! O direito à saúde, ali, está assegurado de modo universal, infelizmente não é bem isso o que acontece, o que vemos é que há vários SUS dentro do SUS! Percebe-se que existe uma distância brutal entre o anunciado pelo ideal da constituição e o que vemos na realidade!
.
Óbvio que se há vários "SUS" temos diversas formas de atendimento ao cidadão comum. Na realidade, percebemos três tipos básicos de "cidadãos", no que se refere ao acesso à saúde no Brasil! Os que podem pagar, esses não se preocupam com o tsunami, em última instância, Cleveland é o lugar em que vão cuidar do coração; os que pagam por si ou através de empregadores, neste caso, há as intempéries que limitam o atendimento em certas epócas, do tipo valor de consulta etc.; e os que têm no SUS sua única alternativa! Embora a constituição garanta "o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação", o que vemos no cotidiano é uma discriminação descarada e "consentida" àqueles que fazem uso do SUS por muitos prestadores privados de saúde.
.
A lógica do mercado determina quem terá um serviço de qualidade; quem não lembra que se o governo não tivesse quebrado as patentes os usuários ficariam totalmente à mercê dos laboratórios americanos, isso é uma pequena mostra de que não importa o que o cidadão sofra, o importante é que ele possa pagar! As pessoas que utilizam o SUS, na sua grande maioria, são cidadãos de "terceira" categoria! Estão no nível daqueles que têm muito pouca força de intervenção política, embora sejam maioria, o número dos que fazem uso do SUS gira em torno de 130 milhões de almas, um "maioria" considerável, mas que infelizmente não "sabe" disso!
.
Não podemos dizer que todas, pois seria leviano, mas a grande maioria das clínicas privadas tem convênio com o SUS, o que, em tese, indicaria uma ampliação nos espaços de atendimento para aqueles cidadãos que têm no serviço público sua única alternativa, entretanto o que temos são essas clínicas "reservando" em quais espaços de suas instalações esses cidadãos de "terceira" podem estar! Geralmente a entrada é na porta lateral e nos fundos, os móveis são "menos" confortáveis, um verdadeiro desacato! Aí já se caracteriza uma discriminação indecente! Mas para os de "segunda" categoria também têm alguns senões! Quando das "intempéries" e também pelas limitações de cobertura. Por exemplo, certo hospital aceita o plano, porém com certas limitações no que diz respeito ao quarto, café da manhã etc. Há uma clínica que atende em um espaço "popular", todavia naquele considerado "nobre", não!
.
Se a discriminação é algo abjeto e inaceitável, por que, então, vemos a pessoa ser tratada, em certos espaços, com considerável desrespeito à sua dignidade, às vezes, até a sua integridade, e nada se faz para mudar o quadro, muito pelo contrário, aceita-se como "normal" o espaço diferenciado aos que usam o SUS, justamente porque sua renda não lhes permite outra alternativa; porque, bem lá no fundo, ao invés desses sujeitos sem renda compreenderem que têm direito àquele tratamento, recebem-no como um favor do Estado, um presente, sequer leram o que está posto na Constituição que, neste caso, nada mais é que letra morta, entretanto quando os usuários do SUS se "chocam" com os outros tipos de "cidadãos" a invisibilidade hipócrita esconde a discriminação tornando-a algo aceitável, algo consentido, totalmente normal dentro da lógica meritocrática do "sistema"...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O "sotaque" carioca...

Um dos meus sonhos de menino era conhecer a cidade do Rio de Janeiro. Não sei se pela "semelhança" com Salvador ou se pelo fascínio que o mar da cidade exerce sobre as pessoas. Negar ninguém vai que o mar é emblemático nas duas cidades! Na realidade, o brilho dessas capitais, a luz que emanam têm nas águas seu sortilégio! Parafraseando Shakespeare, diria que há mais belezas entre o céu e a terra cariocas do que supõe a nossa vã filosofia! Foi minha filha, quando me visitou em fevereiro, que revigorou essas reminiscências ao dizer: "Pai, em junho, você tem duas opções para suas 'férias': ou vamos conhecer o Rio de Janeiro ou, como de costume, venho para o São João de Jequié". Não sei o porquê, mas escolhi a primeira opção!
.
A proximidade da viagem tem me feito prestar mais atenção aos fatos que gravitam em torno da cidade. Tento "entender" a lógica e o "sotaque" cariocas. O que vemos na mídia, diariamente, desestimula qualquer viajante! Bala perdida, estilhaços, carros arrastados e ônibus queimados são imagens assustadoras! A "guerra civil" instaurada tem possibilidade de terminar ou o caos em que o Estado se encontra já não sinaliza qualquer chance de convivência para além da bárbarie? Grande parte dos responsáveis pela segurança da cidade demonstra certa fanfarronice nas suas declarações que, num primeiro olhar, parece que agudiza o confronto muito mais do que aponta qualquer alternativa de resolvê-lo.
.
Sistematicamente, o governador Sérgio Cabral Filho, um dos fanfarrões, aponta saídas que demonstram que a guerra travada entre a força repressiva do Estado e os traficantes parece não ter fim. Quando da tragédia do garoto João Hélio, em fevereiro, e porque o ato tinha sido praticado por um menor, fez um discurso veemente, sugerindo, inclusive, que, como nos EUA, cada Estado tivesse sua própria legislação penal, que fosse reduzida de 18 para 16 anos a culpabilidade por crimes cometidos, quiçá a pena de morte, como se isso resolvesse a situação. Sob as luzes das câmeras televisivas, acordou uma ação conjunta de combate ao crime, ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas com os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Quando da morte do policial militar que fazia sua segurança pessoal, manifestou a necessidade da presença das Forças Armadas e a participação mais efetiva da Força de Segurança Nacional!
.
Quando assumiu, o governador prometia envidar esforços no sentido de atacar a questão da violência, do narcotráfico, do crime organizado de forma incisiva. Por ser aliado do governo federal, obteve o auxílio da Força de Segurança Nacional para ajudar a resolver o caso da segurança pública, neste sentido, para não repetir o que fizera sua antecessora que recusou repetidamente a colaboração, por questões outras que agora não vêm ao caso. O secretário de segurança pública, José Mariano Beltrame, ao argumentar sobre as ações de violência que ocorrem na cidade afirmou que "a configuração geográfica facilita esses núcleos de violência se instalarem. Se fosse uma cidade como Brasília, isso não aconteceria". No que diz respeito à questão das forças armadas fazendo o patrulhamento da cidade disse que "as Forças Armadas não são a solução para o problema da violência no Rio," contudo: "qualquer ajuda neste momento vai nos ajudar no curto prazo." O secretário afirma que para resolver o problema são necessárias medidas estruturais e valorização da polícia do Estado. Essas declarações nos provocam algumas questões. Se o Rio fosse Brasília o problema da segurança seria resolvido? As tais medidas estruturais se resumem a quê? Como valorizar a polícia do Rio de Janeiro, a questão é econômica, social...? Será que a situação do Rio de Janeiro é caso de polícia, de força de segurança, das forças armadas? Os seus muitos fanfarrões ainda não perceberam que de armas e munições o Estado já está cheio?
.
Se a realidade carioca é tão nua, crua e perversa assim, ficamos imaginando se ainda é possível viver o sonho de menino, sob essa perspectiva de medo e temor extremos se interpondo entre os sonhos mais comezinhos. Shakespeare diz que: Por aqui não há nem bosques, nem arbustos, para a gente se resguardar do tempo, e já se anuncia nova tempestade... dizem que a força do hábito nos faz aceitar situações inimagináveis, o incomum passa a ser normal, vamos nos acomodando e aceitamos experiências das mais cruéis como normais por conta da nossa insensibilidade. A escravidão não foi uma elaboração metafísica, foram homens de carne osso que exterminaram outros tantos! Há uma poeta que escreveu, numa bela homenagem ao povo do Rio: ...cariocas nascem bambas, cariocas nascem craques, cariocas têm sotaque...O que Adriana Calcanhotto afirma na canção parece fazer parte de um Rio de Janeiro antigo, distante e inatingível. Os antigos cariocas eram alegres, atentos, dourados e espertos, enquanto os cariocas novos estão vivendo dias nublados, embora cariocas não gostem de dias assim...

quarta-feira, 23 de maio de 2007

João e Jadel...

Depois de mais de três décadas, caiu o recorde brasileiro e sul-americano do salto triplo de 17,89 m, que pertencia a João Carlos de Oliveira, estabelecido aos 21 anos, nos Jogos Pan-Americanos de1975, na Cidade do México. A longevidade do feito mostra que o dono da marca merecia melhor sorte, mas enquanto personagem da grande comédia esportiva representou seu papel, com estranha dignidade, até as últimas consequências. Sua história não difere muito da vivida por outros brasileiros pobres. Quando criança, tinha o sonho de se tornar jogador de futebol, enfrentou toda sorte de adversidade, muito comum a cidadãos que nascem com o estigma da pobreza; no início, foi ajudante de frentista em posto de gasolina; ingressou no Exército em 1969 e lá ficou por 14 anos, chegando a patente de sargento; entre os muitos desafios, conseguiu se impor ao Clube Pinheiros, de São Paulo, sendo o primeiro negro entre os seus atletas!
.
Por outro lado, o paranaense Jadel Gregório também é de origem humilde; foi sorveteiro para sobreviver, até que um teste o levou a São Paulo, onde passou a treinar no Projeto Futuro, no Ibirapuera. No começo, sua prova era o salto em altura, mas, a conselho de dois técnicos, mudou para o salto triplo. Neste ínterim, por amor, se converteu a islamismo e passou a treinar na Inglaterra, a partir de dezembro de 2005, com Peter Stanley, ex-técnico do atual recordista mundial do salto triplo, Jonathan Edwards que já não compete mais, mas que tem a marca considerável de 18,29 m!
.
O atletismo parece ser o esporte do pobre e, por consequência, dos negros, assim como grande parte das categorias do boxe; talvez não haja necessidade de se explicar a razão dessa preferência, por motivos óbvios. Enquanto esportes como a natação, o tênis, o iatismo e a equitação têm um público, ou classe, que pode comprar os caros equipamentos para a sua prática, no caso da natação ainda é preciso mão de obra especializada para a manutenção das piscinas, enquanto as modalidades do atletismo não exigem grandes investimentos! Em tese, a prática possibilita que a camada menos favorecida possa dele se apropriar. Para entender isso, não é preciso recorrer ao Teorema de Pitágoras e sair calculando os catetos nem a hipotenusa! É simples de se perceber, João e Jadel são exemplos concretos, pobres e pretos que encontraram no atletismo a válvula de escape para a ascensão social! João se tornou recordista mundial e deputado; Jadel se converteu ao islamismo, mudou de nome, casou e foi morar na Inglaterra!
.
No grande "circo esportivo", a marca superada por Jadel Gregório, hoje com quase 27 anos, foi feita por João Carlos aos 21 anos! Os fisiologistas dizem que Jadel Gregório encontrou mais dificuldade por ter batido o recorde no nível do mar, enquanto João fez sua marca na altitude do México; O que ninguém disse é que em junho de 1990, portanto há 17 anos, o russo Vladimir Inozemtsev cravou a marca de 17,90 m; Somado a tudo isso, Jonathan Edwards estabeleceu a marca de 18,29 m, em agosto de 1995! Não se está dizendo que o feito de Jadel não seja importante, mas é necessário que se diga que dentro do quadro atual em que o salto triplo se encontra, a comemoração bem que poderia ser mais comedida, mais discreta; João trouxe algo novo quando saltou os 17,89 m, estabeleceu uma marca considerável, independentemente da altitude, ele não competiu sozinho. Com todo o desenvolvimento tecnológico, reparem que Jadel é uma montanha de músculos, enquanto que João era "ossos que voavam", sua marca só foi superada, por outro brasileiro, quase 32 anos depois...Mas talvez para amenizar o constrangimento do recorde batido, Jadel já anunciou que a próxima meta será bater os 18,29 m, que já duram 12 anos, para isso tem uma grande arma que é seu pé grande! O que ele não disse, mas subrepticiamente está dito, é que ele tem o técnico do dono do recorde, logo, usando o silogismo tão comum nestes casos, ele será o próximo; Hegel disse certa vez que todos os fatos e personagens de grande importância na história universal ocorrem duas vezes, no que Marx completou: "a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". No "grande circo" que é o evento esportivo, perguntamos: "hoje tem espetáculo", responde o palhaço, "tem, sim, senhor!"

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Quanto aos erros, Monteiro Lobato tinha/tem razão!

Participei de defesas de monografia na universidade e em muitas aconteceram o que chamo de preguiça de leitura e falta de reflexão! Entendo que o papel de uma banca de defesa é estabelecer diálogo com o autor da pesquisa, mas, às vezes, ao invés de discutir o conteúdo, fica-se acenando para questões puramente técnicas, que não acrescentam nada e não vão à raiz do problema, assim, muitos dos participantes, ficam mais preocupados com "erros" de digitação do que com o trabalho em si, surgem, então, questões do tipo: "apud é com maiúscula", "citação direta com até três linhas é no corpo do texto", "O início de parágrafo deve obedecer 4 cm em relação à margem", "Entre parênteses, tudo fica em caixa alta". Essa é a tônica, enquanto a especificidade da investigação fica esquecida! Esses supostos "erros" poderiam, sem perda, ser encaminhados para que o autor a posteriori fizesse as possíveis "correções"!
.
Quando criança, gostava de ouvir meu pai contar muitas das suas histórias, uma que não esqueço nunca, pelo seu humor, dizia respeito, justamente, à revisão de texto! Contava ele que na revisão do jornal, feita de madrugada, certo dia passou uma quantidade enorme de erros; para piorar a situação, um leitor não só percebeu como foi à redação mostrar; o dono do jornal mandou chamar imediatamente o responsável pela equipe de revisores. Aquilo não era possível, que absurdo! Constrangido com o fato, o chefe tomou uma decisão, no mínimo, extravagante, pediu a contratação imediata do referido leitor, porque a média de "erros" encontrada por ele superava em muito ao normal! Havia ali um revisor em potencial! O dono do jornal aquiesceu.
Para encurtar essa história, a primeira revisão de peso do suposto "revisor", trouxe na primeira página a manchete: "JOPONESES...". Quando ele viu aquilo, nem demissão pediu, foi saindo de fininho e nunca mais voltou...
.
Escrevo para dizer que Monteiro Lobato tinha toda razão quando dizia o quanto era/é complicado o processo de revisão, há uma busca frenética pelos erros e como esses conseguem nos driblar...reproduzir o texto de Lobato é uma maneira, quem sabe, de fazer a mea culpa, mas também agradecer a minha querida Lusimary de Gouvêa pela revisão dos erros que têm aparecido por aqui... eu te amo, viu?


Eu revisei

"A luta contra o êrro tipográfico tem algo de homérico

Durante a revisão os êrros se escondem,

fazem-se positivamente invisíveis.

Mas assim que o livro sai, tornam-se

visibilíssimos,

verdadeiros sacis vermelhos

a nos botar a lingua em todas as páginas.

trata-se de um mistério que a ciência não

conseguiu decifrar"

Monteiro Lobato

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Estudantes cintilantes, professores mofados...

Há momentos na vida que acontecem coisas que chegamos à conclusão que apesar de tudo o que estamos passando, por exemplo, ouvir um "sindicalista histórico", que foi preso e achincalhado nos anos de 1980, dizer que greve de determinada categoria de trabalhadores "é férias", ainda vale à pena pensar que a utopia é possível, que o sonho não acabou, é claro que Lennon falou de outro sonho! Quanto a isso, sentimo-nos retroalimentados pelas manchetes dos jornais: "Estudantes da USP ocupam a reitoria há duas semanas", embora a justiça já tenha determinado a reintegração de posse. Outrossim, estudantes da UNESP tomaram de assalto, no último dia 15/03/07, o saguão do prédio da diretoria da Faculdade de Filosofia e Ciências, campus de Marília(SP) contra o decreto do governador José Serra! Milton Nascimento, de forma sinfônica, diria: "verdes, plantas, sentimento, folha, coração, juventude e fé"
.
Em assembléia realizada, no dia 16/05/07, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, estudantes "pediram" aos professores que entrassem em Greve! Fatos em regiões distintas, sudeste e nordeste, mas que trazem em comum, numa avaliação ainda inicial, um aviso em letras enormes: A CÉLULA VIVA DA UNIVERSIDADE "RESPIRA"! Os estudantes têm uma pauta. Um poeta baiano, nos seus bons tempos, arremataria: "é LINDO"! Já o Legionário cantaria: "quando tudo está perdido, sempre existe uma luz". Os docentes, por outro lado, parecem mofados, o movimento docente resiste à chuva com seu guarda-chuva furado! Seja o que for, essa é uma situação emblemática. Alguns dirão que os estudantes estão sendo manipulados, sendo massa de manobra! Estranho, porque isso nega a história, não nos esqueçamos dos projetos do governo militar para tornar acéfalo o movimento estudantil, tirando-o das ruas e empurrando-o de volta às salas de aula. Filosofia e Sociologia, para quê? Os estudantes, neste quadrilátero, aprenderiam um conteúdo que os transformassem em coisa, não viam, não falavam e não ouviam! Nós, da Educação Física, fomos chamados na construção de um movimento estudantil em massa e sem "juízo", é desse tempo as famigeradas práticas de esportes! A competição esportiva individualizava e despolitizava a massa de estudantes tão a gosto dos conservadores...
.
Os funcionários da USP aliaram-se à estudantada na proposta de ocupação e entraram em greve! Ao ser entrevistado, um dirigente sindical afirma que a universidade é a casa deles! O movimento docente deve estar muito satisfeito com a situação, não há nada que o incomode, já que é a única categoria, no episódio, que não se manifestou; ainda que fosse contra, nada tão amargo que o silêncio, já que insinua a morte. A polícia é quem dirigirá esse drama já que a reintegração de posse deverá acontecer sumariamente, o que não se sabe é que se isso vai acontecer de forma ordeira ou teremos, como nos "bons tempos", bombas de efeito moral e outros apetrechos bélicos!
.
Na assembléia da UESB não foi muito diferente, houve professores dizendo que estavam se sentindo coagidos a votar na greve! Que eram sensíveis, não conseguindo refletir naquele tumulto. Outros que foram vaiados, disseram-se decepcionados com a falta de educação dos discentes; o fato curioso é que nenhum deles se importou com as palmas ou as rechaçou! Vimos um grupo de estudantes, numa assembléia docente, com um número infinitamente superior ao de professores, muitos dirão que é mais que óbvio uma situação como essa, afinal, é muito maior a quantidade de estudantes do que de professores nas instituições de ensino superior, mas para a proporção de professores a quantidade era ridícula. O movimento docente está satisfeito com a situação ou a apatia denota que enquanto, pelo menos o "alarido" mostra, a estudantada está incomodada, e quase que exigiu a greve, os professores fizeram uma proposta conservadora, temeram as conseqüências do ato. Tanto na USP como na UESB o que temos é um movimento docente alquebrado, ou silente, já que nem a ocupação lá quebrou o silêncio dos professores, como a assembleía aqui conseguiu nada além do que "mais do mesmo". Aqui foi feita uma proposta, e aceita, de "paralisação" até que o resultado da negociação com o governo, que acontecerá na terça-feira, 22.05.07, sinalize se a paralisação será "paralisada" ou se a greve será o remédio para a intransigência do governo. Lá, o movimento docente silente deverá continuar mudo e quem sabe vendo na tv a reintegração de posse na porrada ou de forma "harmoniosa", enquanto por aqui, o movimento docente muito sentido com os apupos recebidos dos estudantes deverá de forma ordeira e pacífica encontrar a melhor maneira de não ter cortado o seu já combalido salário, mas sem deixar de manifestar seu discurso de uma universidade pública, gratuita, com qualidade social e blá, blá, blá....

domingo, 13 de maio de 2007

Grupos, sim; Classes, não!...

Os novos tempos mostram que "superamos" certas categorias, o mundo "mudou" e quem não percebeu isso, está fora do circuito. Estamos vivendo outros tempos, porém existem certos dinossauros que insistem em não ver que os tempos são outros! Entre esses "dinossauros" eu me incluo, mesmo porque o processo de alienação continua com a mesma ou talvez maior intensidade do que antes ou será que o modo de produção mudou nestes 218 anos, tendo como marco introdutório a Revolução Francesa? Há talvez uma sutileza mais aguda no que se refere às relações sociais, já que as novas tecnologias, de alguma forma, "encobrem" alguns aspectos da exploração cada vez mais desenfreada; muitas pessoas falam que o trabalho agora não é mais "braçal", é a "era do apertar botão", por acaso a matéria prima de muitos dos componentes eletrônicos dos diversos equipamentos não saem de minas onde pessoas trabalham sem ver a luz do dia? Por outro lado, os trabalhadores que montam esses equipamentos, como o que estou usando agora, também não passam por jornadas estafantes? Percebe-se que continua de forma cada vez mais intensa a exploração e a expropriação humanas!
.
Por tudo o que fez com o Iraque, sem contar as mentiras sobre as tais armas de exterminação em massa, que nunca foram localizadas, é quase certo que se perguntarmos a professores "pesquisadores" se eles concordam com Bush quando este se recusa a assinar o Protocolo de Kioto, é bem provável que digam, quase que imediatamente, que não: "esse "senhor" está destruindo o planeta com a emissão dos gases tóxicos na atmosfera!" Contudo muitos desses pesquisadores, e quase sem querer vou voltar à questão das cotas, financiados pela "Ford Foundation", fazem pesquisas cujos objetivos vão desde a inclusão dos afrodescendentes até a redução da pobreza e da injustiça! A estranha ironia é que quem mantém essa instituição é a companhia automobilística Ford que, em tese, é contra o protocolo de Kioto e consequentemente a favor da companhias petrolíferas, é lógico, ela precisa de combustível para movimentar seus veículos! Se usarmos de um silogismo, teremos: a Ford Foundation apóia as pesquisas desses professores, logo eles apóiam as atrocidades perpetradas por Bush!
.
A "Ford Foundation" foi criada em 1936, com a finalidade de reduzir a pobreza e a injustiça, fortalecer os valores democráticos, promover o desenvolvimento humano, de lá para cá, já desembolsou mais de 10 bilhões de dólares em doações. Há uma contradição nem um pouco velada, mas que talvez passe despercebida por conta do caráter "humanitário" das ações da fundação. Uma questão me inquieta, qual seja: por que a maioria das grandes corporações tem fundações? Em linhas gerais, todas interessadas no bem comum, geralmente na extinção da pobreza. A Nike deve ter uma, embora explore descaradamente populações inteiras na feitura dos seus materiais esportivos, pagando verdadeiras misérias e as expondo a doenças pelo manuseio de materais tóxicos!
.
A sede da Ford Foundation é nos EUA, não seria muito mais interessante começar com essas ações humanitárias em sua própria casa, a princípio não se compreende a razão da fundação desejar formar lideranças nos países "emergentes"! Dados de Mário Maestri, encontrados em http://www.unidadepopular.org/maestri28.htm#* mostram que "a população afro-estadunidense pobre vive mergulhada na miséria relativa e absoluta e perde posições em relação aos latinos e asiáticos. A prisão hoje é a grande solução para a questão negra, que com 5 % da população do planeta possui 20% de encarcerados. Deles, 50% são negros! No país mais rico do mundo, o jovem negro acaba nos braços da prisão e da droga e dificilmente em uma universidade ou emprego razoável". Estamos diante de um enorme paradoxo, a Ford Foundation investe maciçamente, cerca de U$ 550 milhões em escala global, em 2005, na formação de lideranças e na inserção em universidades de negros em outros países, como o Brasil, contudo este segmento no país sede da fundação vive nas condições mais degradantes possíveis!
.
O discurso nestas plagas, consubstanciado pelas ações afirmativas, as cotas como receita e remédio para a "salvação" dos afrodescentes e indígenas, sinaliza para a negação das classes sociais, neste sentido, a exploração do trabalho é minimizada, não existe, esse é um discurso jurássico, agora a discussão se volta para os grupos, ou seja, as cotas propõem um vestibular menos perverso, se é que podemos afirmar isso, mas não acabam com a competição pela vaga, a seleção fica restrita ao grupo e dentro do grupo, uma elite, não nos esqueçamos disso, aquele que consegue a ascensão está levando consigo, na pele ou onde quer que seja, todos os outros, a questão étnica prevalece, mesmo que a grande maioria continue nas favelas, nos lixões do mundo, mas alguém do grupo venceu e é isso o que importa! Os arautos dizem: queremos uma classe média negra! A luta de classes acabou, "decretada" pela ford foundation, que vivam as "minorias"! Enquanto isso, as consciências silentes dos pesquisadores, patrocinados pela Ford, fingem não ver, afinal dinheiro não "tem" ideologia e as pesquisas gozam da "neutralidade" científica, quem sentiu isso na pele, literalmente, foram os japoneses de Hiroshima e Nagasaki...

terça-feira, 8 de maio de 2007

E a musa chorou...

O Troféu Maria Lenk (antigo Troféu Brasil) realizado na semana passada, no Parque Aquático Julio De Lamare, no Rio de Janeiro, classificou os representantes da natação brasileira para os Jogos Panamericanos de 2007; seletivas com esse intuito não têm nada de extraordinário, se algo patético, para não dizer ridículo, não houvesse acontecido. A atleta Mariana Brochado, grande favorita, pediu desculpas ao país pelo "fracasso", por não ter obtido o índice e desabou em lágrimas! O esporte de alto rendimento, enquanto espetáculo, utiliza muito os aspectos emocionais para atrair o grande público, no sentido de fazer com que as pessoas a partir da empatia se sintam como o sujeito que está competindo, há uma espécie de simbiose entre aquele que é mero espectador e o atleta, desse modo, a derrota em alguns casos comove a ambos, levando-os à tristeza extrema!
.
No esporte de uma forma geral e no de alto rendimento em particular, a possibilidade da derrota é parte integrante da equação, mas se isso é óbvio, por que, então, todo esse constrangimento causado pela não participação de Mariana Brochado nos Jogos? Na verdade, o esporte costuma levar a exageros, de cenas da mais absoluta violência a cenas de beleza comovente; ninguém esquece daquele Grenal em que a torcida quase "incendiou" o estádio ou aquela cabeçada de Zidane em Materazzi na copa de 2006; como não recordar a plasticidade das pedaladas de Robinho sobre Rogério na final do brasileiro de 2002 ou o gol de Marcelinho que lhe valeu uma placa na Vila Belmiro?
.
As metáforas associadas ao esporte levam simples sujeitos a se sentirem imortais, indestrutíveis - são tigres, gênios, pumas, guerreiros - com a responsabilidade de confirmar a imagem construída, neste caso, há mais um elemento associado à vencedora que é a beleza, eis aí a razão do acréscimo do termo "musa" à nadadora, além de nadar é bela! Musas são entidades, originalmente filhas de Zeus, pai de todos os deuses do Olimpo! A derrota nas seletivas de uma figura como a Mariana Brochado traz a necessidade de explicação e temos a partir disso as teorias mais extravagantes para justificá-la, embora todo mundo saiba que faz parte do jogo.
.
Cenas em que os "imbatíveis" são derrotados deviam ser comuns, mas quando isso acontece vêm carregadas de situações nem sempre lisonjeiras! Recentemente em Melbourne, na Austrália, no Mundial de Esportes Aquáticos, Mikhail Zubkov saiu dando bordoadas em sua atleta e filha Kateryna Zubkova por ela não ter se classificado nas semifinais dos 100 m costas! O que o levou a tamanha violência e frente às câmeras do mundo inteiro? A derrota! Mas se ela faz parte do jogo e treinadores, em tese, são pessoas disciplinadoras, equilibradas e de bom senso, por que partir para a agressão e neste caso, espancar a própria filha? Talvez o crime desses vencedores seja justamente a vitória! Quem ganha sempre quando perde fica refém da imagem construída e incorporada!
.
A derrota em competições sempre traz cenas patéticas, a ironia esportiva que levou a musa da natação às lágrimas, também fez outra vítima nas olimpíadas de Atenas de 2004. A favorita para a medalha de ouro, na ginástica de solo, era a Daiane dos Santos, mas o "incomum" aconteceu, ela errou e ficou em 5º lugar! Se o espetáculo esportivo não fosse colocado como uma guerra a ser vencida a todo custo, as derrotas desses atletas passariam despercebidas, mas como parece que está sobre os ombros desses "semideuses" o brio dos seus compatriotas, os comuns, quando vem a derrota todos se sentem derrotados e como fez Mariana Brochado pedem desculpas a uma nação inteira como se um simples ato esportivo tivesse uma dimensão para além do que ele é, apenas um mísero jogo em que há vencedores, mas para que isso aconteça, os perdedores são parte intrínseca do espetáculo, que na maioria das vezes se transforma em circo e pão!

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Livros...desvele-os!

Dias destes estava em casa sozinho, (re) lendo um livro sobre um escravo que "balançou" um império, Espártaco, de Howard Fast, quando me veio à memória minha iniciação pelos caminhos das letras, algo deslumbrante e ao mesmo tempo "assustador"! Sei que existe controvérsia, mas acredito que o livro foi/é a maior invenção humana, um grande encontro do humano com sua inteligência! Sim, o livro nos libera para viagens cujo destino são veredas e sertões grandes!
.
Um fato curioso é que, enquanto minha filha aprendeu a ler muito rapidamente, e era muito lindo vê-la desnudar as páginas nas suas primeiras leituras, demorei um pouco mais que ela, foi difícil o guerreiro repousar, mostrando que o ditado popular "filho de peixe" não passa de uma tola ilusão, o tal do "dom", não está em nosso DNA o que vamos ser, se Shakespeare tivesse nascido na Patagônia dificilmente seria escritor, somos influenciados nas nossas opções pela cultura, pelos espaços que trafegamos e se chances nos são dadas podemos ir para além de lua e estrelas, chegarmos à via láctea!
.
Em dado momento, quando minha mãe descobriu que já lia, prometeu, e cumpriu, que me daria revistas, o pato donald, inicialmente, foi o ponto de partida para a formação do leitor, mas como nada vem de graça, havia uma imposição: explicar o que foi lido, tintim por tintim; hoje percebo o quanto ela, sem nenhuma formação acadêmica, tinha uma acuidade acima da média para a época! Ler e explicar, a molecada tem tanta dificuldade hoje com esse negócio de interpretação de textos, porque isso "não está inserido no contexto"!
.
As imagens das revistas facilitavam a compreensão e as "explicações", isso criou um "banco maternal" e todo mês descontava a minha revistinha, tempos de vacas quase sem pelo, mais ainda assim, não falhava nunca! Devorava aqueles morangos, alguns mofados, é fato, mas isso não tinha nenhuma importância, eram deliciosos! A minha descoberta do prazer da leitura pertence a duas mulheres lindas, minha mãe, hoje só lembrança, e minha irmã, Lina. Essa foi a responsável pela "ruptura epistemológica"! Jamais, em tempo algum, imaginei que era possível ver sem ver! A primeira leitura de um livro, um admirável mundo novo!
.
Perguntara como era possível sem gravuras e minha irmã apenas dissera leia que descobrirá. Não foi nenhum clássico da literatura universal, um simples livro de bolso, sem nenhum atrativo especial e sobre a 2ª guerra, mas como foi saborosa a descoberta, e esse primeiro encontro foi tão significativo que me estimulou a desvelar localidades verdadeiramente brasileiras, como os sertões! Percebi que a leitura me possibilitaria ver a luminosidade de uma estrela que sobe, por outro lado, é óbvio que meu time de futebol só poderia ser vermelho e negro, porque eu sou Vitória que não foi campeão, para minha tristeza, em 1984!
.
Livros deveriam ser o primeiro presente quando as crianças nascessem, para que já em tenra idade descobrissem o quanto é prazeroso ler, o quanto é bom manuseá-los; o cheiro, sentir o cheiro de um livro novo, penetrando lentamente pelas narinas, é algo indescritível, tê-los sob os olhos, uma emoção inenarrável!