segunda-feira, 18 de julho de 2011

O silêncio é para se ouvir...

Acordo antes do previsto, fico me revirando na cama tentando recuperar aquela última nesga de sono que ainda me resta, mas que provavelmente não terei de volta. No quarto de um hotel barato, às escuras, resolvo ligar a tv, sei que não deveria, pois essa é uma mercadoria que nos impede de pensar livremente. Tudo ali já vem prontinho para ser consumido, a exemplo de suas famigeradas novelas, e só temos que comer com os olhos, embora a profusão de imagens nos ceguem! Porém, naquela manhã, Beth Lago falava sobre o silêncio e como este vem sendo cada vez mais olvidado por nós, o irônico da situação é que dizia isso justamente através de um aparelho que sobrevive da imagem e do som! Para falar do silêncio  não há outro jeito, só quebrando-o! Esqueço esse porém e fico tentando entender por que optamos pela tempestade ao invés da calmaria. E ela através de situações corriqueiras como, por exemplo, a sirene da ambulância, vai me mostrando o quanto o silêncio nos grandes aglomerados é inacessível na maior parte das horas, isto é, o silêncio se manifesta apenas em pequeníssimas frações de tempo, os sons, de todas as naturezas, impõem suas presenças de forma demolidora! O interessante é que som e silêncio são inseparáveis, um não tem existência sem o outro, assim como a sombra não aparece sem a luz!
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No cotidiano somos bombardeados por uma quantidade incomensurável de ruídos que vai além do minimamente suportável! Esses vêm das mais diversas direções e vão, de forma avassaladora, se impondo, enquanto o silêncio está se tornando uma raridade dentro deste tempo tão veloz; entre os muitos barulhos que somos agraciados, observem como os sons dos celulares vão se apropriando dos espaços e tempo de convivência, chegando, de quando em vez, a confundir o dono do aparelho que está tocando: será que é o meu?! Outro movimento é justamente quando as pessoas atendem seus aparelhinhos, neste caso, somos convidados/obrigados a entrar em suas intimidades, ouvir seus queixumes, desavenças, desejos, vitórias, derrotas e tudo o mais! Há uma perda da dimensão do que é público e o que é privado. Aumenta ainda mais esse inconveniente quando temos mais de um celular em uso nas proximidades, neste caso, o silêncio se torna algo constrangedor, sua presença deve ser banida pelo bem da saúde pública.
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Certa ocasião, em um festival percussivo, fui surpreendido deveras por um dos músicos. Ele começou fazendo um barulho ensurdecedor e sem mais nem menos parou de repente; as pessoas ficaram atônitas, incomodadas mesmo com aquele silêncio sem propósito e fora de hora; não desejando quebrar o silêncio com suas próprias respirações, aplaudem fervorosamente a suposta performance! O artista espera calmamente e quando a última palma se cala, diz: era para ouvir o silêncio! Aquela, sim, era uma atitude extraordinária e, por que não dizer, assustadora por estar acontecendo justamente num festival em que o silêncio não fora convidado! Além disso, assumindo meu preconceito, não esperava que um movimento inusitado como aquele fosse feito por Carlinhos Brown!
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Em verdade, o que pode ser dito é que o silêncio nosso de cada dia vai ficando cada vez menos frequente, é como se estivesse paradoxalmente em extinção, e se sua existência não fosse fundamental, já teria sido assassinado sem dó ou piedadeObservem como ele nos incomoda. Quantas vezes você chegou a casa e sentiu aquela atmosfera pesada, e imediatamente não ligou a tv ou o som para acabar com aquela sensação de  vazio que o silêncio proporciona? Somos a civilização do barulho e a sua ausência nos deixa desconsertados, talvez porque ficar a sós com a nossa presença seja insuportável! Existem pessoas que não conseguem ir para cama sem a tv, ainda que não esteja prestando atenção no que está sendo dito por suas imagens e sons! Loucura seria adormecer tendo o silêncio como companheiro! É em Zeca Baleiro, no disco Líricas, que encontro uma leitura provocadora, na faixa Brigitte Bardot, sobre o silêncio, quando ele dedica-lhe sete longos minutos, sete minutos que parecem uma eternidade aos ouvidos ansiosos. Você logo pensava que havia algo errado com aquela faixa, esquecia completamente que música também é silêncio e olha que o disco é do início dos anos 2000! Passado tanto tempo, todas as vezes que ouço a canção me impressiono com a sacada e fico imaginando o impacto nas outras pessoas, o que sentem/fazem quando a música para, o que será que pensam com aquela situação tão incomum? Ainda há lugar para o SILÊNCIO nos nossos dias tão cheios de sons?...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O menino velho e seu sonho...

Sonhos quando consumados costumo chamá-los de Padaria Paris, mas como essa é uma longa história, não vou contar agora, deixa para depois. O que importa neste momento é que consegui realizar o sonho do velho menino, depois de tenebroso e longo inverno, comprei uma motocicleta! Sempre quis ter uma, mas repetidamente apareciam os empecilhos e impediam que o desejo se transformasse em imagens vindas em direção às minhas retinas embaçadas pela presbiopia. Comecei a trabalhar aos treze anos, com uns 16 mais ou menos, já podia comprar a bixinha usada e a prestação, mas o problema é que não tinha crédito, ou seja, podia pagar, mas não podia comprar. E ainda tinha mais um pequenino detalhe: trabalhava, tinha um "salário", porém não existia para o mercado de trabalho! É que a tal da carteira de trabalho não era assinada, trabalhar com parente é sempre assim e na época isso era muito comum, ou seja, mesmo que eu quisesse, não venderiam algo para um trabalhador que não existia! Pedi, então, para que meu pai tirasse no seu nome e, como trabalhava em sua empresa, ia descontando do meu invisível salário, aos pouquinhos! Saibam que a resposta dada ao Vital, aquele do Paralamas do Sucesso, foi muito mais generosa que a minha, disse-lhe seu pai: “motocicleta é perigoso, Vital, é duro te negar, filho, mas isto dói bem mais em mim”. No caso do menino que queria envelhecer, ela foi muito mais dolorosa que até hoje ecoa nos seus tímpanos "quase idosos": “Moto? Claro que não, aquilo é um passaporte para a morte.” Aquilo? Onde já se viu se tratar assim um sonho de menino! Naquele tempo, ter uma CG 125 da Honda, era tudo o que mais queria, por isso, todo santo dia, passava na porta da concessionária, para admirá-la! Esperei a maioridade, diferente de D. Pedro II que a dita cuja lhe caiu no colo, sem precisar fazer o menor esforço, e carteira assinada para ter a motocicleta. Os sonhos não morrem, ficam esperando na antessala da memória, poético isso, não? 
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O problema é que mesmo depois que a maioridade chegou, ainda me encontrava “tutelado”, ou seja, como ainda morava com meu pai e trabalhando em sua gráfica, o “sonho” continuava sendo um passaporte! Com a demora e sem perspectiva de se concretizar, meu desejo começou a adormecer e a antecâmara (alguém ainda diz isso, rapaz? Parece coisa do tempo de Machado de Assis!) a se empoeirar para sempre. Mas como "o pra sempre, sempre acaba", assim falara Manfredini Junior, eis que tudo se modificou com a maturidade e com ela veio a liberdade plena! Agora, o menino já era velho o suficiente para não ter que se submeter a certas coisas comezinhas, os anos de idade lhe davam o direito sacrossanto de dizer NÃO e nada, nada poderia impedir sua utopia DE SE MATERIALIZAR! Resolvera que o sonho sairia voando sobre duas rodas a 200 km por hora! Bem, aí foi minha filha que atrapalhou o baba! Dissera ela, toda cheia de razão, que era muito arriscado andar de moto porque tinha muito medo dos motoristas pela experiência do que tinha em casa que era um usuário contumaz da direção ofensiva!
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Ora, bolas, mas será o Rosenilton? Quer dizer, a Manuela? Tinha sempre uma pedra no meio do meu caminho! Meu pai, agora a filha! Pensam que ficou só nisso? Que nada! Minha namorada também resolveu colaborar com a minha felicidade e foi logo me avisando: “se o senhor comprar uma moto eu te largo, sua misera!?” Perceberam a entonação do senhor na voz dela? Que suavidade! Mulher quando te trata cheia de pronomes de tratamento, saibam que coisa boa não vai acontecer, com certeza, vai entrar água! E o que dizer do mais que carinhoso sua misera? Quanto afeto se derramando numa frase tão pequena! Como pode um sonhador viver sob tamanha pressão? Tudo o que queria era sentir o vento no rosto, ter a liberdade de ir e vir sem se preocupar com engarrafamentos e coisas do gênero! E não me venham dizer que esse é um dos transportes mais individualistas do mundo, porque só cabem duas pessoas no máximo que, exceções à parte, são poucos os carros que levam mais de duas pessoas normalmente, não acreditam? Prestem mais atenção a partir de agora! O certo é que, enfim, comprei a tão sonhada e esperada motocicleta! Mas como nem tudo são flores, aconteceu isso mesmo que vocês estão pensando, a namorada (oh, mulher de palavra, meu Deus!) me largou sem nenhum rodeio, porém não me incomodei muito com isso, porque sei que namoro, casamento e afins são iguais a submarino, podem até boiar, mas foram feitos para afundar! Até que eu gostava da sujeita! Eu não falei que ia entrar água? Pois deixei o namoro afundar, lembrei que ainda sabia nadar! O problema agora era a filha, porque existe ex-namorada, ex-mulher, aliás, tinha um velho professor que sempre dizia: “ex-mulher, você ainda vai ter uma.” Que praga, hein? Mas voltando à motocicleta, não existe ex-filha, mesmo para os pais desnaturados, e filhas idem, rebento é que nem fator RH, não tem como mudar ou deixar de ser seu, ainda que você o renegue! E o meu sonho? No início, era um passaporte, por isso, virou presa fácil daquele motorista cuja direção é OFENSIVA e poderia me atropelar! Na verdade, depois de tantos obstáculos e chegadelas o velho menino fora obrigado a desistir da motocicleta e com isso a antessala da memória se desmoronou juntamente com o sonho do menino velho...