sábado, 18 de julho de 2015

Passados...


É sempre bom relativizar, penso que essa é uma premissa interessante. Não se deve a partir daquilo que vivenciamos afirmar que nossa experiência pode ser transposta para beltrano ou para sicrano. Muitas vezes o "desastre" termina sendo uma verdadeira salvação para uns, mas não para outros. Se prestarmos atenção no "pós-acidente", os que escaparam, dependendo das sequelas, podem estar muito mais "felizes" com o que lhes aconteceu do que antes do ocorrido! Em realidade, estou dizendo tudo isso porque ter tido um ave/avc não foi "brincadeira de criança", mas estranhamente me fez um bem danado! Embora possa parecer absurdo, fiquei muito mais forte, e, o que é mais engraçado, não apenas por ter escapado, mas por ter aprendido que poderia viver numa "voltagem" bem mais baixa do que aquela em que vinha operando; ao dizer isso, de novo, sinto uma vontade imensa de rir, é que me vem à memória a frase dita por uma professora numa reunião departamental: "esse rapaz tem que ter muito cuidado, se continuar assim com essa impetuosidade (você tem razão, a impetuosidade fica por minha conta), pode a qualquer momento ter um ataque cardíaco!" Confesso que, na hora, ainda irascível, associei a criatura a uma ave de mau agouro e disse-lhe um monte de impropérios, para se ter uma ideia, nem da mãe da referida tive pena, desci o sarrafo, é óbvio que tudo isso dentro da minha cabeça, não podia perder de vista o decoro acadêmico!
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Muitas vezes, sinto-me tolo por não ter dado ouvidos às sábias palavras da professora, se o fizesse teria me poupado de muito sofrimento, mas grande parte das vezes, não damos a devida atenção ao que nos é dito pelos mais experientes. A presunção é um mau remédio, o fato é que, mesmo com essa "premonição", não me permiti ser menos "arrogante", continuei levando tudo "a ferro e fogo", como bem dizia minha velha mãe. O ruim é que as palavras da professora não eram uma figura de linguagem, o ataque cardíaco apenas mudou de nome e me foi apresentado como acidente vascular cerebral! Passei seis longos dias sem ver a luz, sem saber o que tinha acontecido e qual a razão de acontecer justo comigo. Observe que reclamo, mesmo sem ter tido uma sequela sequer, enquanto um amigo passou pela mesma experiência e ganhou como "brinde" a perda do olfato e do paladar! Você deve estar dizendo: "como esse sortudo é mal agradecido!" Reconheço, você tem toda razão. Olhando para trás, observo que depois de 10 anos, ainda têm coisas que não deveriam, mas ainda me tiram do sério, o que, sinceramente, não deixa de ser uma estupidez, porque, depois do que passei, os conselhos da jovem senhora não deveriam em nenhum instante sair dos meus pensamentos!
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Porém uma coisa é certa, a idade nos dá algo, uma certeza e, por que não dizer, uma "leve" depressão que aos 20 e poucos anos é impossível; nessa idade pensamos que somos indestrutíveis, que seremos eternamente jovens, contudo quando chega a maturidade tudo isso nos é tirado sem nenhuma compaixão ou aviso. Mas saiba que o olhar juvenil não é algo ruim, muito pelo contrário, é muito bom! Para que envelhecer tão cedo? Para que a certeza da morte quando a vida está apenas se despindo? Dez anos depois do AVC, sei que tenho que agradecer não só por ter sobrevivido e sem problemas que são inerentes a essa doença, e sim por ter conseguido "desacelerar", o que me ajuda a não enveredar por desvios tolos e, principalmente, pela percepção dos meus limites! Além de tudo isso, ganhei dois presentes inefáveis, ainda que paradoxalmente use as palavras para enunciá-los! Tenho uma neta que tem um tio mais novo que ela: Karl e Laura nasceram para reafirmar que viver pode não ser um fardo, é bom ser avô e pai velho! Tomara que não precisem sofrer, como eu, para que percebam que não é necessário antecipar as coisas e brigar por tudo e por nada, que não é preciso queimar etapas e nem envelhecer antecipadamente...