quarta-feira, 30 de julho de 2008

Olhos e Borboletas...

Esperou cinco longos meses por aquela viagem. A saudade era tanta que a proximidade do reencontro lhe tirara o sono noites seguidas. Concluíra, enfim, a primeira etapa daquela escalada que se impusera até o topo da montanha gelada! Momentaneamente, teria, apenas, o sol e toda sua luminosidade como cúmplices! Eram tantos os planos que não lhe cabiam nas algibeiras! Iria fazer inúmeras coisas, rever tanta gente, sentir tantos cheiros, abraçar algumas namoradas, beijar todas as bocas, na verdade, o que queria era voltar a sonhar! Não percebera que se tornara um poço de ansiedade! Não via a hora de rever aquele mar, mar em que tantas vezes se banhara! O que desejava, realmente, era encontrar tudo como deixara quando partira, nada fora do seu devido lugar!
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Havia, nesta volta, uma parte reservada ao trabalho, mas e daí? Claro que parte do tempo seria desgastante, contudo seria recompensado porque estaria entre as borboletas, aquelas que voavam com um simples piparote e que tinham os olhos brilhantes como diamantes! Sabia que depois de cumpridas as obrigações, todo o resto dos dias seria reservado às bacantes, finalmente, depois de tanto tempo, teria um momento só seu! Tinha a convicção que tudo o que planejara se realizaria! Em sua mente, quadros foram desenhados, perfumes sentidos, desejos realizados! Nas longas noites de frio, que passara na montanha gelada, sonhara em andar pelas ruas iluminadas da cidade natal que o esperava de braços escancarados, pelo menos é o que pensava!
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Contudo, para sua surpresa, a cidade não era a mesma, embora não conseguisse precisar em que ela mudara! As paisagens eram as mesmas, as coisas estavam todas no mesmo lugar, porém havia algo estranho no ar, nas ruas, nos arredores! As pessoas passavam apressadas, pareciam demasiadamente "ansiosas", estranhamente diferentes! Porém, nem tudo estava perdido, pensara, ainda restava uma esperança, depositada nos amigos que o salvariam daquele naufrágio de idealizadas ilusões! Ah, não era possível que eles também tivessem sido engolidos pela melancolia que o abatera! Sim, era provável que os poucos amigos lhe devolvessem as belas imagens que resistiam àquela tempestade de tristeza em que sucumbira!
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Cansara de procurar, mas, afinal, onde estariam os amigos naquele momento? Não os encontrara nem ali, nem algures! Na realidade, foram consumidos pelo caminhar das horas inexoráveis, destruídos pelos afazeres cotidianos! Como tudo no mundo muda, um obscuro filósofo grego dissera, certa vez, que "um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez já não será o mesmo homem, nem o mesmo rio." Esse axioma não lhe saía da cabeça, qual seria a razão? Percebera que não tinha a resposta para aquela indagação. Deprimido, via que as lágrimas insistiam em rolar pela face enrugada por cronos, enquanto milhões de paisagens se chocavam em suas retinas! Estava chorando e quase nem percebera. Sabia que era chegada a hora de partir daquele lugar que agora só existia nas montanhas geladas da sua memória...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Formação de Professores...

Uma das coisas que temia quando resolvi sair da sala de aula, com o intuito de estudar, fazer aquilo que chamam de qualificação, palavra estranha essa (quem não tem qualificação é desqualificado?), era perder a "embocadura"! Ficar afastado do contato cotidiano com os estudantes me preocupava sobremaneira, não eram eles que estavam perdendo com a minha saída. Quem gosta do espaço da sala de aula, sabe do que estou dizendo. A Escola é o espaço cuja função é transmitir o conhecimento produzido àqueles que transpõem seus umbrais, contudo, nas atuais condições, tem deixado muito a desejar! Está numa encruzilhada: não consegue responder às expectativas dos professores que não querem estar lá. Isso tem levado muitos deles a sofrerem daquilo que chamam de síndrome de Burnout que é uma composição de burn = queima e out= exterior, sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse, consome-se física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço. Por outro lado, os estudantes também não sabem por que vão para lá, qual a razão de ter que passar alguns anos de suas vidas num lugar que não responde aos seus mínimos interesses. Será que as Universidades que têm a responsabilidade de formação conseguem instrumentalizar os professores para que estes consigam dizer aos estudantes que vale à pena estar na escola? Os professores sabem? E os formadores ensinam?
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Há alguns anos escrevi um texto dizendo que a Escola estava morta, que estávamos vivendo sob os seus escombros, naquela oportunidade isso não passava de mera provocação, queria que me dissessem que aquilo não passava de sandice minha! Que não era verdade, que podíamos reverter o quadro instaurado! De lá para cá, parece-me que as coisas só pioraram! Se temos escolas nos grandes centros sem as mínimas condições de existência, imaginem quando nos afastamos, quando a força centrífuga age, as condições são as piores possíveis, assim como os salários! Como andam as Escolas que estão formando professores no Brasil? Estarão formando como se fossem uma linha de montagem, formando professores como se fossem veículos? Como pensar em qualificar, essa palavra teima em aparecer, se as salas das escolas de formação estão sempre cheias, tendo em média 40 ou 50 pessoas? Somos cúmplices desse formato de educação, estamos lá, aceitamos essas condições, somos aquilo que Pedro Demo chamou de "revolucionários de sala de aula"! Bourdieu,se referindo à escola, disse que "uma instância oficialmente incumbida de assegurar a transmissão dos instrumentos de apropriação da cultura dominante que não se julga obrigada a transmitir metodicamente os instrumentos indispensáveis ao bom êxito de sua tarefa de transmissão, está destinada a transformar-se em monopólio das classes sociais capazes de transmitir por seus próprios meios."
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Há uma preocupação com o processo de formação! Sabe-se, isso me parece um avanço, que os professores tolhem, castram as possibilidades criativas das crianças! Em linhas gerais, os professores não conseguem entender a lógica da criança, suas peculiaridades, sua forma de interpretar o mundo! As argumentações indicam que temos professores despreparados para enfrentar uma criança ávida por aprender! Há uma tentativa de achar o culpado pelo fracasso do modelo. Embora, todas as vezes que se vai exemplificar a causa da deficiência do processo de ensino/aprendizagem, o personagem principal é aquele ou aquela professora que não consegue perceber a riqueza que a criança apresenta! Contudo ainda não vi, nós, os formadores, assumirmos que temos uma parcela enorme de responsabilidade no quadro apresentado, ora, somos os responsáveis pela formação daqueles que estão nas salas de aula, ou não?! Vamos continuar fazendo nossas reflexões do alto da nossa sapiência, falando para nossos próprios umbigos?...