quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Silêncio...

Esmagados pela angústia da perda, mais que inesperadamente, perguntamos: para que nascemos? Responde em uníssono o coro dos insensatos: para amar até as últimas conseqüências! Não! Isso seria tolo demais! Alguém, mais que rapidamente, responde: nascemos para superar obstáculos, vencer, criar arte, transformar o mundo, chegar ao Olimpo, ganhar dinheiro, muito dinheiro, seu truão, isso sim, é uma razão plausível, todo o resto é conversa de utópicos sonhadores! Não! Retruca outro alguém! Não há nada mais divino do que trazer à luz um ser, dar-lhe vida, vê-lo crescer e se multiplicar, existe algo mais sublime do que ter o dom de dar vida a alguém? Ser mãe é mesmo padecer no paraíso!? Ah, diz o erudito do alto da sua sapiência, como são tolos os humanos, na busca incessante para encontrar uma razão para suas existências medíocres e vazias, querem desesperadamente ganhar dinheiro, para ter mais e mais, mas se perdem naquilo que compram: carros, casas, iates, mansões, relógios, celulares!
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Não, não existe nenhuma razão! Somos como as árvores, os pássaros, nascemos, embora, diferente dos primeiros, tenhamos consciência disso, para morrer um dia, ainda que tentemos protelar incessantemente este dia inadiável! O humorista cheio de graça diria: "queremos morrer velhos, contanto que seja o mais jovem possível! Dúvidas e mais dúvidas nos assolam! Para que nascer se vamos morrer um dia, não está aí o grande contra-senso da vida? Pergunte ao inseto que sobrevoa, neste momento, o seu destino, seus sonhos, suas aspirações mais recônditas! Ele não sabe, eu suponho, que tem apenas 30 dias para fazer tudo o que pode, até perecer sem deixar nenhum vestígio, nenhuma lembrança! Então, se o inseto vive apenas 30 míseros dias, qual seria a razão da sua existência? Não, não é da sua, meu caro leitor, mas da dele! Para que nasce um inseto? Qual a razão? Para que colocar um inseto no mundo, eu pergunto à mãe inseta! Será que ela também busca o significado do seu parto?
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Vivemos o tempo inteiro querendo saber porque existimos, sofremos quando um dos nossos desaparece, não conseguimos entender por que isso acontece justamente conosco! Alguns são assaltados pelo remorso profundo: "eu poderia ter dito isso e não disse, poderia ter pedido mil desculpas e cinco mil perdões, mas me calei." Faltou aquela última conversa que não tivemos! Nada diminui o sofrimento, nada aquece nossos corações combalidos, nada! Porém, sempre há um porém, quem foi, e isso é determinante, não mais sofrerá, estará liberto de todas as agruras que o cotidiano nos impõe, SEM DOR ALGUMA, consolo? Que nada, fato! Quiçá, em momentos como este, o melhor remédio seja o silêncio! Sim, vivemos num mundo tão cheio de "sons" que esquecemos que o silêncio também faz parte da vida, ouçamos, então, pelo menos dessa vez, o silêncio...Ró, meu filho querido, sua MÃE virou uma estrela, está agora no céu brilhando como diamante, traduzindo O que disse o poeta: "dói tanto medir a distância, saber que não vou te tocar além da lembrança, a tua falta é sol sem calor, está aqui mais se foi, virou estrela, a nossa estrela no céu...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tempos de Paz...

Não vou mentir que tenho um pé atrás quando o assunto é indústria cinematográfica nacional, não sem razão. A partir da utilização do termo "cultura", criam-se leis para carrear recursos públicos para eventos sob tal rubrica, o que não se diz é que é cultura com fins lucrativos, logo deveria se autofinanciar! O fato é que não existe indústria de cinema no país se o Estado não injetar recursos. O que não deixa de ser um grande contra-senso. Neste sentido, quando vi as chamadas do filme "Tempos de Paz", de imediato, disse para mim mesmo: "lá vem mais uma produção da Globo Filmes (a produtora que mais obtém financiamento do Estado), com seu formato 'vitorioso' de novela em tela grande, haja vista, o filme Se eu fosse você 2!" Como de hábito, o diretor (Daniel Filho) e o elenco eram os "mesmos" de sempre, aquelas figurinhas carimbadas. Para minha surpresa, embora com "cara" de novelão das oito, a peça/filme fugia um pouquinho do padrão global. Para ser sincero, o impacto da entrevista dos atores Dan Stulbach e Tony Ramos foi maior do que o produto propriamente dito. Sem querer fui convencido a ver o filme, mesmo com toda a restrição ao "modelo" global de cinema.
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Não sei, talvez a "grande" sacada tenha sido transformar a peça que os dois protagonizaram em um filme "arrumadinho", sei, nada de novo! Contudo não é teatro na telona, aliás, não acredito que Daniel Filho mesmo que quisesse fosse competente a ponto de conseguir essa proeza. Bem sinteticamente, a história tem como pano de fundo o fim da segunda guerra, a razão do título, embora no Brasil esse fim ainda não estivesse muito claro, burocraticamente. Naquele momento, estavámos saindo da Ditadura Vargas e as novas regras ainda não tinham sido estabelecidas. A questão da imigração é posta em cena, tendo como palco a cidade do Rio de Janeiro. Dan Stulbach faz um ator polonês que quer se passar por agricultor, para que possa permanecer no Brasil, segundo suas palavras: "o país precisa de braços para a lavoura", portanto merecia estar entre aqueles que aqui permaneceriam! O problema é que dá de cara com um
"ex" torturador, Tony Ramos, que trabalha na Alfandêga como chefe da imigração, sua antiga "função" perdeu o sentido e ele perdeu a paz nesses tempos! De saída, suspeita que aquele sujeito com o sotaque carregado, mas que fala português, deve ser, sem sombra de dúvida, um nazista disfarçado. O artifício do "ex" torturador para demonstrar que o 'polonês' está mentindo, ao se dizer agricultor, é bem simples, pede-lhe que mostre as mãos! É bom que se diga que Francisco Julião, um advogado que representava as Ligas Camponesas, ao ser preso pelas forças de repressão da Ditadura Militar, mais uma em nosso caminho, foi descoberto por causa de suas mãos, disse-lhe o torturador, à época, que aquelas não eram mãos de quem trabalha a terra! Voltando "aos" "Tempos de Paz", o imigrante não tem saída, descoberto, aceita a proposta que o torturador lhe faz. Se consegui fazê-lo chorar, o carimbo para a sua permanência está garantido, antes, porém, lhe informa algumas das atrocidades cometidas por ele! Conta com regozijo que fora capaz de enfiar uma haste de aço no pênis de um prisioneiro e aquecê-la posteriormente, além de amputar a mão do médico que conseguira salva a vida da pessoa que ele mais venerava: sua irmã! Digam-me: existe alguma possibilidade de fazer um "homem" desse chorar?
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Se perguntarmos a um pediatra qual é a profissão de maior relevância social, é muito provável que ele afirme que é a dele, justificando que o futuro está em suas mãos, já que garante a saúde dos que perpetuarão a espécie! Esse talvez seja o grande equívoco de quem deixa de pensar na totalidade e estabelece hierarquia para as coisas da vida. Quem é mais importante para a sociedade o agricultor que ara a terra e produz alimento ou o ator que encarna seus personagens? É possível mensurar? Pois é, o roteiro de
Tempos de Paz nos faz crer que até os "brutos" são capazes, depois de um estupro, chorar copiosamente com o dramalhão da novela das oito! Sabemos do que são capazes os humanos, quem há de esquecer a bomba atômica que os americanos lançaram sobre os civis das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, na segunda guerra? Trata-se de uma apologia sem-vergonha ao trabalho do ator, o torturador pode não entender nada de teatro, mas se sensibiliza com o que vê! O que podemos dizer aos torturadores de todas as espécies, mesmo os que se emocionam como o Segismundo do filme/peça, é que a lei de Talião lhes cai bem...