quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Falando sobre o AVC...

Descobri que a maneira mais simples de me livrar dos meus "fantasmas" em relação ao AVC, não é outra senão falar dele, desmistificá-lo, em outras palavras, colocá-lo para fora! Funciona como catarse! Como foi uma experiência das mais dolorosas, a "lembrança" do acidente vascular cerebral é algo que me incomoda, já que me fragilizou, mas, ao mesmo tempo, e essa é a ironia, alivia-me. Quando o tema é assunto de conversa, explico que, afora aqueles chatos que por não perceberem nenhuma sequela aparente, ficavam me perguntando repetidamente se eu estava bem, foi muito bom ter sobrevivido, e o que é melhor, sem nenhuma sequela! O fato é que o avc é uma doença das mais "democráticas", atinge a todos quase que indistintamente, embora medidas de prevenção estejam ao alcance de quase todos! Sim, pois comer frutas, verduras e legumes, evitar alimentos com gordura saturada, ter acesso à saúde decente, entre outras coisas, é um direito de todos, mas não para inúmeros brasileiros que (sobre)vivem na periferia do "sistema", no desemprego, na pobreza, esse direito não passa de letra morta!
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Quem está prestes a ser acometido por um acidente vascular cerebral pressente uma fraqueza ou dormência na face, braços ou nas pernas, geralmente afetando apenas um dos lados do corpo. Tem dificuldade de articular as palavras ou compreender o que se diz. Tem uma dificuldade súbita e transitória de enxergar com um dos ou ambos os olhos. Sente uma dificuldade de caminhar, tontura, perda do equilíbrio ou da coordenação, dor de cabeça repentina e intensa sem nenhuma causa conhecida. Por tudo isso, a velocidade no atendimento é algo fundamental para que os danos sejam minimizados ou eliminados, mesmo porque, nos dois tipos de AVC, tanto o hemorrágico como o isquêmico, quanto mais cedo for possibilitado o acesso de nutrientes às áreas atingidas, maiores são as chances de o indivíduo sobreviver! Segundo dados da Academia Brasileira de Neurologia, o AVC é a segunda causa de morte mais comum em todo o planeta, logo atrás da doença cardíaca! Todos os anos, a quantidade de pessoas atingidas no mundo gira em torno de 15 milhões. Destes, 5 milhões perecem, outros 5 milhões sofrem danos duradouros, às vezes, irreversíveis, trazendo para si e suas famílias sofrimento e dor! Neste jogo perverso, fiquei entre aqueles cinco milhões que escapam, quase que incólumes. A verdade é que existem algumas "neuras" que é preciso superar para que se possa voltar à "normalidade", talvez a mais comum seja, superar o medo de dormir! Por tudo isso, embora tenha colocado de forma organizada os sintomas que precedem um AVC, não lembro absolutamente nada do dia e nem dos seis posteriores ao acontecimento!
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Quando realmente tive consciência de que estava em um hospital, perguntei imediatamente o que estava fazendo ali, mal sabia eu que já fizera essa pergunta uma quantidade absurda de vezes! E a resposta que me foi oferecida ecoou como uma bomba nos meus ouvidos: "você teve um AVC"! Agora tinha plena consciência que tivera um "derrame". A imagem que construíra fora sempre aquela em que a pessoa possui dificuldade motora, de fala, labios tortos, problemas de memória e mais alguns outros assustadores! Pois é, foram seis dias na mais absoluta escuridão, três dos quais na UTI! Era a minha páscoa e ver a luz outra vez foi algo que não existem palavras que possam traduzir o sentimento de euforia, foi delicioso saber que estava vivo, mesmo naquele momento tendo uma das pernas totalmente paralisada! Quão estranhos somos nós os humanos! Queremos viver ardentemente, mas essa percepção se torna muito mais aguda quando estamos sob risco de morte! Passados dois anos, totalmente restabelecido e encorajado por ter atravessado rio tão tortuoso, ganhei alguns amigos, perdi outros, é verdade, outros se foram, alguns outros se reaproximaram, porém o mais importante de tudo isso é ter percebido que cada segundo da nossa existência é para ser vivido intensamente, não como um piloto de Formúla 1, mas com toda a sabedoria da tartaruga...

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