quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Andar com fé eu vou...


A multidão descendo as escadarias da igreja, naquela manhã de domingo, deixou-me deveras impressionado, na verdade, a cena multiplicava  meu espanto sobre as coisas da fé. Uma pergunta me perseguia: "como pessoas que dão duro a semana inteira, muitos daqueles indivíduos em trabalhos estressantes e extremamente cansativos, ainda encontravam tempo para orar por dia melhores, apesar de o sofrimento cotidiano se repetir ad nauseam?" Sim, porque suas vidas são um sofrimento contínuo, contudo não se incomodavam de "trabalhar" justamente no dia em que o senhor descansou! Aquele era o dia em que podiam dormir um pouco mais, mas a fé os induzia a buscar um bálsamo para aplacar suas agruras! Pessoas que, na sua grande maioria, não possuíam grana suficiente para as necessidades mais comezinhas, porém não deixavam de participar de orações num domingo e ainda deixavam parte do pouco que tinham nos cofres da irmandade. E tem algo mais curioso, pediam desculpas pelo valor pequeno que dispunham para ofertar à divindade, e mesmo dando tudo o que tinham, ainda ouviam um sermão do seu líder pela baixa quantia "ofertada". Uma frase entreouvida momentos antes, dita pelo chefe religioso, não deixa de ser uma provocação, disse ele: "a irmã disse que o marido não quis dar dinheiro para que pudesse doar para a construção das obras da igreja, ora, se ele se negou a dar o dinheiro por que a irmã não pegou sem que ele visse? Não, não há pecado nisso já que o marido não quer fazer caridade."
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O que a indução a esse furto nos quer dizer? Simples, para se retirar dinheiro do "irmão" não se deve ter pudor, qualquer tentativa é válida, mesmo que isso atropele o "capital" não roubarás! Pecado? Que nada, tudo vale à pena se for para o engradecimento da igreja! O que não dá para entender são os que dão até o que não têm, porque sabem que aqueles que sugerem que se retire o dinheiro do outro, que concordam com a fraude, de qualquer forma, possuem riquezas imensas, enquanto esses pobres diabos não dispõem, algumas vezes, de 10 reais para oferecer e ainda ficam muito constrangidos por isso; os que sugerem a apropriação indébita cinicamente têm carros e carros na garagem, casas e casas, fazendas e fazendas e, além de tudo isso, rede de televisão! Por que alguém se sente constrangido por  não dispor de 5 reais para "exaltar" a igreja, sabendo que aqueles que lhes tiram o pecado têm um milhão? Por que não se rebelam e, ao invés de doar, não sugerem que aqueles que têm tanto lhes deem uma parte para aplacar a miséria que lhes consome? A maioria silenciosa, um exército de zumbis, segue seu rumo de bestas por não enxergar o quão paradoxal são as suas orações em função da submissão ou por entender que o destino lhe reservou algo muito melhor no reino das bem aventuranças, lá tudo será felicidade, sua fé lhe garante e essa não costuma faiá, como diria o poeta baiano...

Um comentário:

Manuela Cassia disse...

Questões de fé, são sempre bastante complexas. Lembro-me de meu avô materno contando a história de que sua esposa, recém inserida numa das igrejas que possuem redes televisivas, ao escutar o pastor perguntar o que seria doado, ela não contou dois tempos e levantou as chaves do carro!!!!!! Ele, desesperado, tomou-lhe das mãos, e a chamou de louca, ora pois! Ao ler este texto, foi a primeira história que me veio a mente. A relação das igrejas com a arrecadação, e a forma de induzir os sujeitos a "dar o que não se tem", é muito pouco discutida. Afinal, é a fé. O poder sobre os sujeitos é imenso, e como você bem traz no texto, estes acordam cedo, no dia em que podem descansar um pouco mais, para ir escutar aquelas palavras de acalento. Vivemos tempos onde, muitas vezes, o sujeito tem apenas aquele momento e é nele que se segura com toda a sua força. Reflitamos...