domingo, 24 de janeiro de 2010

O Haiti é aqui...


Na década de 1990 do século passado dois compositores baianos fizeram uma canção cujo refrão era: "o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui". Estávamos distante geograficamente do Caribe, mas socialmente quase "siameses" daquele país, o "quase", aí, fica por minha conta. Hoje, duas décadas depois, será que ainda espelhamos o que diz a canção? Não podemos negar que algo mudou, isso é visível, afinal, o Brasil  faz parte do núcleo dos "invasores", cujo eufemismo  conhecemos como "tropas de paz da ONU", responsável pela suposta proteção de um Estado que não é Estado! Trata-se de um país dos mais miseráveis do planeta, localizado "quase" no "quintal" dos EUA e que já foi invadido por estes por 19 anos (entre 1915 e 1934) sob a alegação que era para proteger seu interesses no país. Em sua história, teve o "privilégio" de ser governado por um longo período, depois da implantação de um regime de terror em 1957, pela "dinastia doc", isto é, o pai, François Duvalier (Papa Doc) e o filho, o Jean-Claude Duvalier (Baby Doc). Papa Doc impôs mão de ferro à política haitiana até sua morte, ocorrida em 1971. Baby Doc substituiu seu genitor, ficando até 1986 quando fugiu e se asilou na França! De lá para cá, pouquíssima coisa mudou na política do país, regada a golpes e afins, embora o terrorismo político, com a cara dos Doc`s, tenha desaparecido, o país continua sendo terra de ninguém.
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Para os que acreditam em destino, ou seja, que tudo o que acontece já está escrito em um "grande livro", é bem provável que veja no(s) terromoto(s) que o país vem sofrendo, assim como as duas ditaduras da família Duvalier, como algo dado. Nestas circunstâncias, miséria pouca é bobagem, o negócio é recolher os cacos e "reconstruir" o país devastado pela natureza. Vamos todos ajudar o povo haitiano sofrido enviando doações e adotando seus orfãos, isso é o mínimo que podemos fazer enquanto humanos! Nada da situação anterior é importante agora. A ausência de uma discussão sobre a conjuntura e estrutura deve ser postergada, não faz parte da agenda avaliar as condições sócio-econômicas vividas pelos haitianos, eles ainda não sabem como tocar suas vidas, se faz necessária a presença de outros povos lhes dizendo o que fazer! Na entrega do Globo de Ouro, ao proferir seu discurso, Meryl Streep de forma enfática afirmou: "vamos ajudar, afinal temos o dinheiro." Apesar de não ter percebido arrogância ou prepotência em sua afirmação, se dinheiro não é problema por que não se fez nada antes, já que a tragédia do Haiti era "previsível"?! A fome e miséria no Haiti não é algo novo, os fatos mostram isso. Outra ganhadora do prêmio, Sandra Bullock, confirmando que não falta capital doou UM MILHÃO DE DÓLARES para os pobres haitianos sofridos! Não sei quanto foi arrecadado com o mega show  Hope for Haiti, vi que até um call center foi montado para que os doadores fossem atendidos diretamente pelos seus astros, tudo isso regado a canções e discursos transmitidos ao vivo para o mundo inteiro! Tomara que essa boa vontade continue depois que as luzes se apagarem!
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O que me deixa atônito é ver como essas "solidariedades" se manifestam nas desgraças de forma tão organizada! O Haiti está ali  no mar do Caribe bem "pertinho" dos ricos e bondosos astros dos EUA. Aliviando suas consciências, diríamos que é bem provável que a proximidade lhes obscureça a visão. Estamos constrangidos e penalizados com a grande catástrofe que se abateu sobre o país caribenho, mas sequer perguntamos até quando o território haitiano ficará sob ocupação?! Ver soldados americanos organizando a vida, dando as ordens enquanto os soldados haitianos apenas observam, mostra que existem mais problemas do que supõe a nossa vã filosofia. Não me venham dizer que as tropas da paz e agora os heróis mortos estão/estavam lá para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. elas apenas minimizam os conflitos, nada mais que isso! Não se ouve falar em autonomia haitiana! Quando vai se devolver o país a seus filhos? E nós, o que fazemos além de ajudar a patrulhar? "Enviamos" a seleção brasileira para levar um pouco de alegria para aquele povo tão sofrido, ainda que os problemas de infraestrutura teimassem em se mostrar aos ronaldinhos e kakás da vida! Há uma fila de inscritos no mundo inteiro querendo adotar os pobres pretinhos haitianos. Já vimos esse filme em outras ocasiões. Sem querer minimizar a tragédia e o sofrimento daquele povo, é preciso que se diga que as inundações que maltrataram São Paulo deixaram também alguns órfãos que esperam por corações bondosos para adotá-los. Aliás, as encostas da cidade mais rica do país mostram semelhanças com as que existem em profusão no nordeste, nosso maior bolsão de pobreza: "miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes." Caso essas pessoas solidárias do mundo inteiro, incluindo as do Brasil, não queiram ou não consigam adotar os órfãos haitianos, fiquem tranqüilas, vocês ainda podem praticar uma boa ação. Há não só uma quantidade imensa na capital paulista à espera, como também, na Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba...saibam que não faltarão "filhos" para alegrar seus corações carentes. Todavia com uma vantagem em relação ao Haiti, aqui se pode escolher o "que" levar para casa, devido à diversidade de cores dos órfãos...

7 comentários:

Manuela Cassia disse...

A boa vontade sempre se faz presente nos momentos de miséria e desgraça, vale lembrar, óbvio, que quando a mídia as explora de maneira correta. No continente africano, isso é comum e corriqueiro, fora o terremoto, mas não vi nenhum hope for africa. Pq o Haiti gerou toda essa comoção? Me fiz essa pergunta algumas vezes. Concordo quando vc diz que não existem discussões acerca da realidade social, sobre os porques da ditadura e outras mazelas que atingiram o Haiti. "Vamos ajudar, nós podemos!!!", mas agora? e antes? e depois que os refletores queimarem?
Não sou insensível a ponto de dizer cruzem os braços. Mas é preciso discutir a que preço, e quais os motivos para tudo isso. No sistema em que vivemos, onde o mercado é o Rei, precisamos compreender o sentido dessa suposta "boa vontade".

Manoel Gomes disse...

Manuela Cassia(!!!), quando você era bem pequena, os astros dos EUA se reuniram,capitaneados por Michel Jackson e Quincy Jones, fizeram um evento parecido cujo nome foi USA FOR ÁFRICA,também cheio de boa vontade,arrecadou "horrores", mas o final da história todos sabemos, nada mais mais que algo factual. Passado o clamor público, como você mesma na sinalizou, a África continua com suas mazelas, mas o problema agora é o Haiti...a minha maior tristeza é ver os pobres pretinhos sendo adotados como se fossem, no fundo, "filhotes" de estimação...mais do mesmo, dria o Poeta Russo.

Manuela Cassia disse...

É verdade, não me lembrava desse acontecimento. Lembrei até de uma música que eles cantaram juntos... mas, é aquilo mesmo.
Um tristeza, realmente.

Manuela Cassia disse...

Não entendi as exclamações após o Manuela Cassia kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Alhou???????
Alhou???????

Manoel Gomes disse...

As exclamações denotam alegria...

Projovem Urbano Itaberaba disse...

Tim Maia... cantou...

"...mas na vida agente tem que entender que uns nascem pra sofrer enquanto o outro rir..."

E o capital perpetua essa idéia...é lamentável.

Abraços Manuel!!!!

Jonatan disse...

ESSE FILOSOFO É DEMAIS...
SEM PALAVRAS
A PROPÓSITO, GOSTEI DA DISCUSSÃO ENTRE FILHA E PAI(!!!)
SSRSRSRS
PARABENS