quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Doutorando...

Domingos Frias de Bragança, sem bajulação ou acordos espúrios, ingressou em um curso de doutorado de nível 7. Caso não saibam o que isso representa, é o maior nível de um programa de pós-graduação no Brasil. Ficara deveras orgulhoso com o feito! Adepto fervoroso daquilo que é conhecido como meritocracia, herdara do pai a vocação. Sabia que nascera para a profissão que escolhera! Nunca se perguntara qual a razão de, geralmente, filho de médico ser médico, assim como, filho de advogado ser advogado, aqui, e apenas aqui, a expressão filho de peixe... é verdadeira! Acreditava que o mundo social tem uma lógica justa, uma certa hierarquia, que deve ser respeitada e obedecida a qualquer custo, sob o risco de atrapalhar o bom funcionamento do sistema, caso aconteça qualquer intempérie. A verdade é que a produção no modo capitalista é caótica e desordenada, mas isso nosso herói não tinha conhecimento ou achava que era algo que não devia se preocupar! Àqueles que questionavam esse "modelo", afirmava que caso não houvesse essa divisão hierárquica, ninguém ia desejar estar nos postos mais baixos na escala do trabalho, os garis são um bom exemplo disso! Machado de Assis ironicamente diria: "aos vencedores, as batatas!" Alguns serão faxineiros, outros, pelas mãos da meritocracia, doutores! E olhem que Domingos Frias de Bragança não tem nenhum parentesco com Bóris Casoy
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Com a inserção na pós-graduação, fizera, mais que rapidamente, aquilo que é de praxe quando se obtém algum produto no mundo acadêmico, uma ampliação no seu capital cultural, como diria Bourdieu, atualizara seu currículo lattes. Aqui, torna-se necessária uma pequena digressão. Quando se chega a este nível de escolaridade, os indivíduos se intitulam doutorandos! O fato é que ninguém se diz graduando quando na universidade, usa-se como artifício o nome do curso, lógico quando este dá certo destaque ao estudante, tipo: "faço medicina"; ou vocês já ouviram alguém dizer sou graduanda em direito ou em matemática? Nesta história, que ora lhes conto, o indivíduo colocou no seu lattes que era doutorando, mas saibam que ele não é o único, 10 entre 11 pós-graduandos proclamam esse "titulo", o que não deixa de ser sarcástico, para não dizer grotesco. A ironia é que há estudantes que quando terminam sua graduação já se dizem doutores (sic). Mas o que vem a ser doutorando, afinal, neste mercado? Será algum nível de excelência? Algum título nobiliárquico? Doutorando não é título, embora seja usado como tal! Convidados que são para congressos e afins, esses "nobres acadêmicos" não se fazem de rogados, inflam o peito e tascam logo no folder: fulano de tal, doutorando! Alguns mais ousados, quando o nível do doutorado é de 5 em diante, não deixam de colocar mais esse dado, isso lhes dá maior visibilidade! O fato é que o currículo lattes se tornou a principal dor de cabeça acadêmica, é hoje o instrumento oficial e responsável pela divulgação da produção científica brasileira. Necessário se faz enchê-lo de penduricalhos para mostrar o quão se é eficiente. Nesta lógica, tudo tem que ser transformado em mais um produto para que os olhos dos órgãos de fomento, como a Capes e o CNPQ, brilhem a favor dos postulantes às bolsas e/ou outros "ganhos"!
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Minha digressão, que seria pequena, fugiu-me ao controle! Voltemos aos problemas do nosso doutorando. Domingos Frias de Bragança descobriu que muitos dos seus professores tendo sobre suas cabeças a espada da produção, encontraram uma saída, no mínimo, suspeita, para que pudessem dar conta do esforço descomunal que é produzir artigos como máquinas! Aliaram a produção dos seus orientandos às suas! A pesquisadora Beatriz Alencar d'Araujo Couto mostra indignação ao analisar a questão, diz ela que isso é: "apenas um exemplo de tudo o que seres humanos são capazes de fazer por alguns minutos de glória ou trocados para financiar pesquisa, não fosse encobrirem uma mudança insidiosa que parece lançar uma grande parte dos pesquisadores atualmente a direcionar a pesquisa para garantir os índices de produtividade que os órgãos de pesquisa pariram sem maiores explicações." Mas o que vem a ser isso na vida do nosso estudante, perdoem-me o ato falho, doutorando? Já incorporado ao locus acadêmico, sabe que não passa de mão-de-obra barata nas mãos do orientador, metaforicamente, é o gari dessa escala hierárquica, que ele, ainda assim, defende! O fato é que descobriu que muitos dos seus professores, costumam "mudar o título e fazer ligeiras alterações no conteúdo e publicar em diversos periódicos," o mesmo artigo! Entretanto mesmo sabendo como o sistema funciona, mesmo sendo um explorado a serviço dessa "máquina", Domingos entendia que, como fiel adepto da meritocracia, isso não era/é algo indecoroso, muito pelo contrário, concorda que faz parte das regras do jogo. Explicava que num futuro nem tão distante, fará o mesmo com seus futuros orientandos! Para provar que estava certo, lançou um desafio, sugeriu que se perguntasse a qualquer doutorando se preferia brigar por uma mudança radical no modelo em voga, correndo o risco de não ter seu diploma de doutor reconhecido pela CAPES, ou aceitar esse darwinismo acadêmico, Domingos Frias de Bragança assinalou que 100% dos doutorandos, se consultados, ficariam com a segunda opção!

Esse tipo de raciocínio é mais cômodo para a academia por esta se encontrar à mercê dos órgãos de fomento, afinal, há a dependência de bolsas e outros recursos. O mais importante é que se cumpra os tais índices de produtividade, embora haja queixas e reclamações quanto ao modelo, "todos" continuam, como carneiros, atualizando seus lattes, fazendo suas pesquisas, dando suas aulas. Nietzsche dissera no século XIX que: “é o rebanho que busca se igualar aos demais e assim dissimular sua mediocridade.” Aquele que, por alguma razão, deixa de cumprir esses "requisitos", é sumariamente alijado da elite que produz artigos em profusão, o que confirmaria a "tese" do nosso doutorando. Note-se que o quadro é sombrio. Muitos dos que poderiam se opor compactuam com o modelo, mais preocupados com suas pesquisas, seus diplomas e/ou as retaliações dos seus orientadores! Felizmente há os que se incomodam com o produtivismo que impera na ciência hoje em dia, para esses e apenas para esses, é fundamental que assumam os riscos de uma outra possibilidade, que assumam os riscos da criação de outros valores éticos, que assumam outro modus vivendi, pois quem é espectador deste teatro de absurdos, parafraseando Glauber Rocha,  ou é cúmplice ou é covarde...

2 comentários:

Welington Araújo Silva disse...

A propósito, meu querido amigo, o seu lattes foi atualizado no ano passado, em novembro. Não estaria caduco? rsrsr Abraços do amigo e que 2010 seja um ano de muitas realizações. Uma outra coisa. Quando estiver por aqui, me avise, para marcarmos um encontro na LDM.

Manoel Gomes disse...

kkkkkkkkk...Como vai, meu dileto amigo? Que em 2010, as realizações que você me deseja cheguem até você elevadas ao infinito! Embora atrasado, congratulações pelo Doutorado que sei não está nem entre os cúmplices nem entre os covardes! Agora, tudo bem que a LDM seja um excelente espaço para reencontrá-lo, mas, embora não pratique mais esse exercício, nada como o velho e delicioso “mocofato” daqueles dias de "reflexão” em Feira de Santana!! Até breve!!!