sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Para além da indignação...

Uma professora universitária, no interior da Bahia, ao final de um dia estafante de trabalho, retorna para casa com um só pensamento: descansar o corpo fatigado em sua cama macia. Ao verificar sua caixa de correspondência, nota algo parecido com um "bilhete" (ou seria uma "carta"?) no seu interior, sem envelope e escrito numa folha de caderno comum. A princípio não deu muita atenção àquilo, "deve ser alguma bobagem", pensou. Não saberia dizer qual a razão, mas antes de fazer outra coisa qualquer, ficou curiosa com aquele "documento" excêntrico e resolveu abri-lo. À medida que lia, sua pele que já era clara, ficava parecida com pergaminho! Na realidade, o conteúdo trazia uma ameaça de estupro e morte, caso ela não cumprisse as exigências do autor do "bilhete"! Queria uma certa quantia em dinheiro. Pela estrutura sintática, percebia-se que o "missivista" tinha dificuldade de se exprimir, mas ainda assim, sabia muito bem o que queria dizer!
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Aturdida, e chegando ao desespero, fez rapidamente uma ligação pedindo ajuda a alguns amigos. Naquele momento, já não conseguia raciocinar direito, some-se a tudo isso o desgaste que o dia de trabalho lhe inflingira! A sugestão de todos os presentes em sua casa foi unânime: ir imediatamente à polícia registrar a ocorrência e buscar se proteger de um possível ataque naquela noite, embora a ameaça, em tom de ultimato, sinalizasse que o prazo se expiraria à tarde do dia seguinte! Fomos todos à delegacia, não sem antes ter o maior cuidado com a prova, colocando-a em um saco plástico para não perder as digitais. Achávamos que seríamos atendidos tão logo os prepostos da polícia tomassem conhecimento do fato. Afinal, estava ali uma mulher que tinha sido ameaçada de estupro e morte! Ledo engano. Além de não dá a devida importância ao fato, percebia-se um total descaso, certa zombaria por parte da "lei". Quando mostramos a "prova", o agente, rindo, falou que estávamos assistindo a muito filme policial americano. Que as impressões digitais contidas ali não provavam nada, sequer tínhamos uma testemunha, quem iria garantir que a vítima não forjara a prova, quem sabe contra um vizinho que não gostava? Era preciso algo mais para que alguma providência fosse tomada! Minha amiga, já perdendo a calma, vociferou: "então, se o autor do bilhete me matar, aí sim, teremos uma prova irrefutável!" O delegado meio  zombeteiro assentiu com a cabeça!
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Fomos tomados pela indignação. Minha amiga possessa correu o risco de ser presa por desacato à autoridade, pois começou a dizer algumas verdades naquele recinto onde os responsáveis pela segurança pública tripudiavam da nossa ingenuidade por pensarmos que também fazíamos parte daqueles que deveriam ser protegidos!? A lei serve a "alguns". O delegado dissera que se ela fosse senadora a polícia teria a obrigação de protegê-la, mas não passava de uma simples professora universitária! Por estranha ironia, só entendi realmente a nossa pequenez, o quanto somos "insignificantes" perante a lei, quando vi o assassinato, em cadeia nacional, da cabeleireira Maria Islaine de Moraes, povo até no nome. Dona de um salão de beleza, no bairro Santa Mônica, na região norte de Belo Horizonte, colocou câmeras, que ingênua, para se proteger de um ex-marido que a ameaçara! Ela não fazia idéia que aquilo que julgava ser uma forma de proteção, era, na verdade, a preparação da filmagem da sua própria morte! Vejo a materialização daquilo que minha amiga, professora, dissera ao delegado, naquela pequena cidade do interior da Bahia, com um agravante.  Enquanto lá o argumento era que não se podia fazer nada por não se saber quem seria o autor  do bilhete, aqui a polícia sabia que Fabio Willian da Silva era um potencial assassino, afinal de contas, existiam registradas mais de 8 queixas contra o indivíduo. Todos os prepostos ouvidos deram a impressão que não são os responsáveis e que só as investigações vão provar se houve ou não falha da polícia!? Recordando agora o escárnio do delegado quando mostramos o bilhete, tolos preocupados com a  preservação das digitais, percebo que Maria Islaine de Moraes não tinha nenhuma chance de escapar da sanha assassina do seu ex-companheiro. A polícia daria proteção a uma mulher do povo? Mulheres são assassinadas e ficarmos apenas indignados com tamanha crueldade não basta. É preciso mais do que isso. Tornamo-nos pessoas de segunda ordem, e o que é pior, estamos aceitando passivamente essa "condecoração". Infelizmente, Maria Islaine de Moraes só não morreria se fosse senadora...

5 comentários:

Lauro Xavier Neto disse...

Mano, feliz 2010!!!! Estou devendo os certificados e a cachaça de banana... saudades de tu...

Manoel Gomes disse...

Para você também, meu camarada,que seja pleno em todas as suas/nossas utopias...quanto aos certificados e a birita, a gente espera, fique tranquilo,rsrss, um beijo!

Jonatan disse...

QUEM FOI A PROFESSORA MANO?

Manoel Gomes disse...

Meu caro Jonatan, posso dizer a missa, mas o padre, não, esse era um ditado que minha avó usava muito! Mas você a conhece bem, ela fez parte das "bancas" daquela disciplina sobre monografia com a sua turma, lembra? Grande e afetuoso abraço!

Lusimary disse...

Eu ouvi, outro dia, uma teoria deveras interessante. Claro que é só uma teoria, não conheço ninguém que a tenha colocado em prática. Bem, vamos a ela: talvez Maria Islaine não teria morrido se tivesse, ao receber tantas ameaças, mandado matar o seu algoz. Não creia que esta teoria é de minha autoria. Eu "ainda" acredito que as pessoas são boas (sou Poliana, sim!!!) e que cão que ladra não morde. Mas, se formos suficientemente frios, podemos acreditar que a teoria faz sentido. Pois, se ela tivesse acreditado nas ameaças, com certeza ainda estaria viva, apesar de não ser senadora...