domingo, 21 de setembro de 2008

Loucos...

Não vou negar que o tema da loucura me atraia sobremodo, isso por percebê-la como irmã siamesa da sanidade. Reafirmo o que já tinha enunciado em outra oportunidade, para mim, foi Samuel Beckett quem melhor traduziu o que é a loucura, disse ele: "todos nascem loucos; alguns permanecem." O fascinante no tema loucura é o constante desequilíbrio e destruição das inúmeras teorias que querem torná-la uma ciência exata! Será que é possível afirmar o que nos torna loucos, ou melhor, como chegamos à loucura? Quantas e quantas vezes já não sentimos o mesmo desejo daquele juiz do conto de Maupassant, não por prazer, mas por raiva ou ódio momentâneos? Quantos "inimigos" já não trucidamos em nossas elucubrações diárias? Não, não é meu objetivo provar o quanto loucos somos todos nós, mesmo porque não tenho nem competência nem talento para isso, mas falar de uma coincidência entre dois meios distintos que, recorrentemente, vêm se retroalimentando: a literatura e o cinema, aliás, todos sabemos o quanto esta vem sendo o sustentáculo de diversas cinematografias. O caso mais recente é o encontro entre o livro de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, e o diretor brasileiro Fernando Meireles.
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Voltemos à coincidência que inspirou essa nossa conversa. Vi por esses dias um filme (cujo título em português é Instinto Secreto, mas que em inglês é Mr. Brooks) cujo desenrolar bem que poderia ter se inspirado no conto de Guy de Maupassant, um louco, que já andei listando por aqui! Entretanto não tenho nenhuma dúvida que o conto é muito mais vivaz do que o filme, muito mais denso! O que se poderia perguntar de imediato é: se o conto é muito mais interessante do que a obra cinematográfica, qual a razão para se falar dessa tal coincidência? Não faz muito tempo que trouxe o conto sobre a loucura do juiz para nossa apreciação, isto é, além da temática e do tempo transcorrido, estamos vivendo um tempo em que é difícil não se perceber certa insanidade nas ações cotidianas, ainda deve estar no imaginário popular o caso daquele adolescente de Goiás que esquartejou a namorada inglesa e saiu para a festa! Eis que sou surpreendido com o filme Instinto Secreto, que traz um serial killer, como são a maioria deles, acima de qualquer suspeita! Bem, são três os atores que "carregam" o filme, aliás, sejamos justos, dois atores, William Hurt e Kevin Costner. Somos levados a pensar de forma intensa a questão da loucura! Entramos "literalmente" na cabeça do louco, na conversa dele com o seu alter ego! Como pode um executivo bem sucedido, assim como o juiz de Maupassant, um filantropo extremamente generoso, um pai e marido exemplar, ser um assassino brutal, nas suas horas vagas? E mais, ao invés de ser acometido de qualquer remorso, sentir um prazer indescritível, a ponto de se dizer viciado em matar, em sentir o cheiro de sangue!? É possível explicar com as nossas ferramentas comuns coisas desse tipo? Ou melhor, o que acontece no filme não seria algo apenas pensado e realizado na arte, na vida as coisas seriam bem diferentes? Por favor, não levem em consideração o exemplo de Goiás, apenas uma exceção à regra, será?!
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O filme vale à pena, acima de tudo, pelos diálogos entre Brooks e seu alter ego Marshall, além de serem primorosos, são de um cinismo atroz! É muito interessante ver o esgrimar de Costner e Hurt! A viagem que fazemos à cabeça do louco, em alguns momentos, chega a ser assustadora, ao nos fazer "observar" em loco como este organiza seus intentos mais vis! O mais interessante é que somos convencidos que quem faz com que Brooks seja um assassino frio e calculista é seu alter ego! Contudo, como não existe prazer sem dor, somos "presenteados" com a aparição de Demi Moore interpretando ela mesma! Neste momento, temos uma sequência de bobagens que não diz qual a razão da sua inserção, quase levando a obra à vala comum! Com a sua inserção, entram em cena, perdoem-me pelo trocadilho, uma quantidade absurda de lugares comuns, rotineiros na vida da "atriz". Há umas sequências em que a vemos nadando de um lado a outro da piscina, cuja razão talvez tenha sido percebermos que mesmo aos 45 anos, ela ainda está "enxuta"! Contudo não é por essa banda "podre" que devemos jogar fora a totalidade do fruto! Nesta roda-viva em que estamos vivendo, filmes como este não nos ajudam a identificar os assassinos em série que estão à nossa volta, e olhe que não são poucos, porém contribuem sobremaneira para que estejamos atentos e não sejamos engolidos pela demência desenfreada que insiste em nos bater à porta...

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