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Ele morreu como chefe de um tribunal de alta instância, magistrado íntegro cuja vida impecável era citada em todas as cortes da França. Advogados, jovens conselheiros e juízes o cumprimentavam inclinando-se profundamente, em sinal de enorme respeito, diante de sua figura alta, branca e magra, iluminada por dois olhos brilhantes e profundos. Passara a vida perseguindo o crime e protegendo os fracos. Escroques e assassinos nunca haviam tido inimigo mais temível, pois ele parecia ler, no fundo de suas almas, seus pensamentos secretos, e desvendar, com um passar de olhos, todos os mistérios de suas intenções. (...) Pois bem, eis o estranho papel que o escrivão, desnorteado, descobriu na escrivaninha onde costumava trancar os dossiês dos grandes criminosos, o título do "pergaminho" era Por quê?
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20 de junho de 1851 - Saio da Sessão. Condeno Blondel à morte! Por que, afinal, havia aquele homem matado seus cinco filhos? Por quê? Muitas vezes encontramos pessoas para quem destruir a vida é uma volúpia. Sim, sim, deve ser uma volúpia, talvez a maior de todas, pois matar não é o que mais se assemelha a criar? Fazer e destruir. Estas duas palavras encerram a história dos universos, toda a história dos mundos, tudo o que existe, tudo! Por que matar é embriagador? Pensar que ali está um ser que vive, que anda, que corre... Um ser? O que é um ser? Essa coisa animada, que traz em si o princípio do movimento e uma vontade que determina esse movimento! Essa coisa a nada se prende. Seus pés não se unem ao solo. É um grão de vida que se mexe sobre a terra; e este grão de vida, vindo não sei de onde, podemos destruir como quisermos. E então nada, mais nada. Apodrece, acaba.
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26 de junho - Por que, então, é crime matar? É, por quê? pelo contrário, é a lei da natureza. Todo ser tem como missão matar: ele mata para viver e mata por matar. Matar está em nossa índole; é preciso matar! O animal mata sem parar, o dia todo, a todo instante de sua existência. O homem mata sem parar para se alimentar, mas como tem necessidade de matar também por volúpia, ele inventou a caça! A criança mata os insetos que encontra, os passarinhos, todos os pequenos animais que lhe caem nas mãos. Mas isto não basta à irresistível necessidade de massacre que há em nós. Não é suficiente matar o animal, precisamos também matar o homem. Antigamente, satisfazia-se este desejo com os sacrifícios humanos. Hoje, a necessidade de viver em sociedade fez do assassinato um crime. Condena-se e pune-se o assassino! Mas como não podemos nos entregar a este instinto natural e impiedoso da morte, aliviamo-nos de tempos em tempos por meio de guerras onde todo um povo destrói outro povo. Temos então uma orgia de sangue, uma orgia na qual se precipitam os exércitos e da qual continuam a se embebedar os burgueses, mulheres e crianças que lêem, à noite, sob a lamparina, a narrativa exaltada dos massacres.
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30 de agosto - Está feito. Como é pouco! Eu tinha ido passear no bosque de Vernes. Não pensava, não, em nada. Eis uma criança no caminho, um garotinho que comia um pão com manteiga. Ele pára ao me ver passar e diz: -Bom dia, seu presidente. E o pensamento me entra na cabeça: "E se eu o matasse?" Respondo: - Está sozinho, meu menino? Estou sim, senhor. Sozinho no bosque? Estou sim, senhor.
.E então? Será que este homem ilibado, acima de qualquer suspeita, um magistrado da mais alta corte, teria coragem de matar uma pobre e indefesa criança? Seu coração não o impedirá de cometer tamanha atrocidade? Afinal estamos falando de um ser indefeso que precisa de proteção! Bem, se queres saber como isso termina, sabes, muito bem, onde encontrar a resposta...