terça-feira, 6 de outubro de 2009

Vida de cachorro...

Florianópolis não deixa de ser uma cidade "modelo" para aqueles que estão fora dos seus muros! Trata-se de um grande cartão postal, o melhor IDH do Brasil! São paisagens deslumbrantes, paradisíacas que deixam qualquer um boquiaberto diante de tanta beleza, principalmente quando o velho sol se derrama sobre elas. Nada mais óbvio, resmungariam aqueles que a conhecem de fora ou como turista! Quem está longe só percebe o que o cartão postal pode mostrar e o turista não pode ver o que os que vivem por cá vêem, sob o risco de não mais voltar; por esse e outros motivos, as mazelas são escondidas para que o visitante não perceba a irrealidade que o cerca! Pergunte aos manezinhos que moram nos morros que circundam a cidade para saber o que acham dessa visão idílica que os outros têm da cidade que eles moram! O fato é que quem vem morar aqui, como é o meu caso, em pouco tempo, descobre que existe o REAL e a imagem que é vendida para consumo externo, não nos esqueçamos que a propaganda ainda é a alma do negócio!
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Como é uma cidade para "inglês admirar", à primeira vista, não há mendigos em suas cercanias! Mas se por um infeliz acaso, aparece algum, mas que rapidamente desaparece como num "passe de mágica", todavia como mágica é ilusionismo, sabe lá Deus o que fazem com os indigentes que insistem em se tornar visíveis! Dias desses, eu e uma amiga caminhávamos numa das ruas do centro, quando vimos um sujeito cercado por caixas de papelão e mais alguns trecos! Ficamos surpreendidos por ele se encontrar justamente onde os que zelam pela imagem da cidade não desejam, um morador de rua em plena área nobre, pois se eles não "existem" em espaços menos visitados, imagina justamente onde o cartão postal é mais visto! Acho que é necessário fazer um esclarecimento. Como estamos vivendo em tempos de pasteurização da vida, o eufemismo foi incorporado ao discurso cotidiano, o que antes era indigente e/ou mendigo, palavras nada sonoras, hoje é morador de rua. Fala a verdade, como pode alguém morar na rua? Entendo que isso não passa de uma suavização da miséria. Você pode me perguntar: "é possível suavizá-la?" Neste contexto, acrescente as temperaturas que ocorrem neste período do ano. Momentos em que a previsão era de 10º, mas a sensação térmica beirava os 3º! É insano afirmar que alguém mora na rua sob tais condições meteorológicas, na verdade, pessoas morrem na rua! Mas o fato é que, por uma falha no sistema, lá estava, maculando a paisagem, um indigente sob os céus de Florianópolis!
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Em uma de suas canções, Zeca Baleiro diz que "há mais solidão num aeroporto do que num quarto de hotel barato." Os humanos mesmo tão próximos, estão cada dia mais afastados uns dos outros! Nesta solidão nossa de cada dia, entra em cena o melhor amigo dos humanos, o cachorro, que em conseqüência disso, passou a ter uma vida melhor do que a daquele morador de rua, citado no parágrafo anterior. Como somos seres solitários, os idosos mais ainda, o cão é o companheiro de todas as horas, ter um cão é ter companhia e ponto! É certo que com a mudança de status do cachorro, há toda uma indústria à sua disposição o que deve causar uma inveja danada ao mendigo herói dessa narrativa. Existe uma gama de profissionais que se dedicam 24 horas por dia para o bem-estar do cão, sob todos os pontos de vista. Há que se ter cuidado com seus problemas afetivo-emocionais, depressão, seu cansaço, isso e mais aquilo! Ele precisa passear, estar vestido adequadamente, vejam aonde chegamos, até roupa específica para cachorro existe, como também, hotel para cachorro! É isso mesmo que você está pensando: desumanizamos os humanos, secundarizamos sua importância e humanizamos os cães, tudo o que alguns humanos não têm, incluindo aí aquele indigente catarinense, os cachorros têm em excesso! Antes que associação protetora dos animais resolva me processar, quero dizer que não sou contra esse tratamento VIP dado aos animaizinhos de estimação. Vai dizer que vocês não acham que eles ficam bonitinhos dentro daquelas roupas ridículas? O que me causa estranhamento é que não dispensamos tratamento igual aos nossos iguais, tal e qual nosso herói indigente, morador entre caixas de papelão, sob baixas temperaturas! Pessoas como o sujeito visto entre caixas de papelão, numa esquina da cidade, estragam a magia do lugar! Uma coisa é certa, nosso herói mendigo não vai ter dinheiro, embora tenha vestido a camisa dos Teixeiras e Nuzmans, para ver a copa do mundo em 2014 e nem a Olimpíada em 2016, afinal, ele não tem pedigree, na hierarquia dos cachorros, não passa de um cão vira-latas pobre e miserável, cheio de pulgas, mas que ainda assim torceu desesperadamente para que o Rio de Janeiro fosse a cidade escolhida para sediar os jogos olímpicos, cantando a plenos pulmões: "cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil...

3 comentários:

Jonatan disse...

apesar de tais mazelas, o mundo ouviu atentamente as palavras do presidente:
"estamos prontos!!!".
parabens mano

Manoel Gomes disse...

Jonatan, tenho uma amiga, muito querida que diz, de forma irônica, que eu fico vendo "pelo em ovo",rsrs...fala sério, o Brasil vai organizar dois grandes eventos quase que simultaneamente, das duas uma: ou estamos nadando em de dinheiro, para usar uma figura olímpica, rs, já acabamos com a pobreza, a saúde pública é uma das melhores do mundo e a educação consegue dar conta da demanda; ou estamos vivendo um faz de conta e que no fim, alguém vai ter que pagar essa conta, sem trocadilhos, rsrs...tenho um medo enorme dessa euforia que tomou conta de tanta gente nessas duas viagens: Copa de 2014 e Rio 2016; vivamos para ver o que vai acontecer...saudades de ti, meu camarada!

Lusimary disse...

Ah, Manoel, como é difícil admitir que tenho medo das pessoas que estão na rua, que são meus iguais mas tão diferentes. Que é mais fácil acolher um cachorro do que um ser humano. O primeiro, deixo até mesmo que coma na minha mão enquanto que ao segundo cabe um prato feito, entregue por sobre a grade do meu portão. Mas, isso só eu sinto? Penso que muitas pessoas pensam/sintam o mesmo. Nem todos admitem. Infelizmente estes seres iguais/diferentes/indigentes/famintos/sem teto/sem esperança nos causam sensações tão antagônicas. Temos pena mas também temos medo. Você acolheria alguém assim, na tua casa?