sábado, 18 de abril de 2009

A gente também quer comer...

Costumo, de forma irônica, utilizar a expressão "teoria do beija-flor" quando percebo que alguém, ao fazer a sua parte no "incêndio florestal", mostra um sentimento de dever cumprido. Muitos a utilizam por conta do seu efeito sedativo, afinal, "todos" querem ir para o céu, e uma boa ação diária é a primeira das premissas, pelo menos é o que "eles" pensam! O resultado dessa boa ação é um "sorriso estampado na face de quem a recebeu". Temos aí a conclusão mais óbvia: "há algo mais belo que o riso agradecido no rosto de uma criança?" Exemplos temos aos borbotões, mas fiquemos com um que é emblemático: o "criança esperança", a maior filantropia com o dinheiro alheio já visto ao longo dos últimos anos, ligue e doe!
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Voltemos à "teoria do beija-flor", o momento mágico das boas ações, onde fazemos a nossa parte neste grande latifúndio de miseráveis. O que queremos é ficar com a consciência tranquila, para isso, ajudamos o próximo que está em condições insatisfatórias (perdoem-me pelo eufemismo), sim, porque não há nada mais humilhante do que ter que pedir, seja o que for, para sobreviver. Estou falando sobre isso, porque fiquei intrigado com a felicidade de Rodrigo Ratier, em texto escrito na Revista Escola, de abril, que teve como meta a ampliação do número de livros lidos por aqueles que, em tese, não têm esse hábito, por isso, a partir daquele momento, não mais daria dinheiro "aos pedintes, artista circenses e vendedores ambulantes que fazem do congestionamento da cidade de São Paulo seu ganha-pão." Distribuiria livros para aqueles que não poderia comprá-los, a ação nos leva quase que imediatamente ao "a gente não quer só comida". A música embalaria a leitura daqueles pobres desvalidos que têm fome! Parece que nem sempre precisamos de comida, livro, conhecimento é fundamental, embora saiba que para ler não basta saber ler! Leitura não se resume à simples decodificação de caracteres! Será que o ato de apenas entregar livros nos semáforos e adjacências pode alavancar um processo de leitura para além da simples decodificação de caracteres?
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Recusar-se  a dar outra coisa que não um livro pode fazer um bem danado para quem "pratica a ação", contudo não tenho certeza se a recíproca é verdadeira! Almoçava com minha filha, recentemente, quando no meio de uma "garfada", um garoto nos abordou e, sem meias palavras, pediu: "pague um almoço para mim!" Olhei para Manuela Cássia, que me devolveu um olhar que no momento não consegui decodificar o que queria me dizer! Naquele momento, ainda não tinha lido a crônica do doador de livros (quem sabe não tiraria um livro da pasta e entregaria ao garoto?), nem pensei na "teoria do beija-flor", ou que é fundamental não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Não pensei em nada disso, naquele instante fugaz. Não titubeei e paguei a comida para o moleque! Sei que não resolvi, em nenhum momento, o problema dos famintos, sei bem que resvalei, e muito, na "teoria do beija-flor", mas naquela hora, não perdi de vista o que escreveram, aqueles alemães nascidos no século XIX, na Ideologia Alemã: "de modo nenhum se pode libertar os homens enquanto estes não estiverem em condições de adquirir comida e bebida, habitação e vestuário na qualidade e quantidade perfeitas.", pois é, para fazer História, a gente não quer só comida, mas a gente precisa comer...

4 comentários:

Lusimary disse...

Hoje pela manhã eu estava "ouvindo na TV" uma matéria sobre os leitores mirins. Há uma procura muito grande neste segmento no Brasil nos dias de hoje. E, felizmente, pessoas criando para eles.
Coincidentemente, li numa revista semanal, a respeito de um programa de incentivo a leitura numa penitenciária feminina em São Paulo.
Num outro momento, outra reportagem abordando a obra de Monteiro Lobato, sobre o alcance da sua obra, ainda hoje, tanto para o público adulto quanto para o público infantil...
Os beija-flores estão por aí, professor, e alguma coisa está acontecendo!
Só falta a comida...

Manoel Gomes disse...

Mary, na verdade, a minha maior tristeza é que esses "programas de incentivo à leitura" tendem sempre a formar para a alienação, além do tom moral católico-cristão que contêm quando são dirigidos para os pobres miseráveis! Geralmente, a oferta desse tipo de "incentivo" é para os que nasceram para obedecer e serem gratos pela benevolência daqueles que comem todos os dias, o que não deixa de ser uma grande hipocrisia...por fim, se falta comida, os beija-flores morrerão por falta de proteína...

Manuela Cassia disse...

A pior parte é que a benevolência burguesa, alardeada aos quatro cantos, esconde tantos interesses, tantas falcatruas. Aqueles as quais estão destinadas não tem a menor noção de que são apenas massa de manobra para uns poucos ganharem ainda mais dinheiro com suas mazelas. Os alemães já citavam ações como estas no século XIX. Ações desse tipo, dentro do sistema capitalista, se configuram como uma prática que está no cerne da sua constituição. Precisamos destruir as forças que nos levam a viver em condições tão sub-humanas e que permitem a exploração do homem pelo homem.
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Me peguei tentando lembrar o que os meus olhos queriam lhe dizer, mas lembro da conversa que tivemos. E naquele momento, não havia outra ação que não aquela. E com certeza, ela não tinha nenhuma intenção de integrar a "teoria do beija-flor".

Manoel Gomes disse...

Tuca, antes de qualquer coisa, que bom que "ouço" sua voz depois de tanto tempo. Direi a mesma coisa que disse a Mary, por que não colocar aqui aquilo que é dito em "off"? Acho que amplia, não só o diálogo, como leva quem escreveu a pensar mais uma vez naquilo que escreveu! Quanto às colocações, vejo que o "presente", está dando frutos, o velho Engels estimulou...