domingo, 17 de janeiro de 2016

Ah, essas mulheres 3...

Imerso em reflexões comezinhas, eis que sou levado, mais uma vez, quando tinha convicção que fora a última, a pensar na complexa relação que estabelecemos com as mulheres, não, não quero com isso dizer que tenha chegado, enfim, a uma conclusão definitiva sobre a impenetrável alma feminina, longe disso, continuo sem entender este ser ímpar e paradoxal. Percebo, sem um quadro empírico para confirmar, que as mulheres continuam protegendo seus parceiros das mais torpes atrocidades que lhes são impingidas, ainda que a lei Maria da Penha tenha alterado um pouco esse quadro, em nome de algo que elas acreditam ser amor, ironicamente, essa inefável palavra de quatro letras serve muito mais para torná-las reféns dos seus "algozes" do que levá-las àquilo que acreditam ser a felicidade! Por que as mulheres sempre dizem "meu amor" de forma tão enfática nas redes sociais e alhures?! O que desejam afinal essas criaturas quando proclamam aos quatro ventos esse sentimento? Foi pensando nisso que lembrei de um dos sarcasmos de Nelson Rodrigues, disse-nos ele: "nada é mais antigo que o passado recente." Seria trágico se não fosse cômico ver amores infantis se tornarem senis muito rapidamente, ainda que esses amores sejam regados a juras de eterna paixão! 
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Alice, nossa heroína, vivera seu país das maravilhas, conseguira realizar o sonho de grande parte das mulheres (mesmo as que negam, têm esse desejo!) casara-se de branco, tanto no civil como no religioso, rodeada dos amigos e familiares; dizem, as boas línguas, que a festa foi uma das mais belas daquela região da Bahia. Os mais crentes em utopia chegaram a afirmar que parecia um conto de fadas; do príncipe só se falavam qualidades, Alice acertara na sorte grande, diziam os afeitos aos jogos de azar, encontrara um sujeito honrado, honesto, trabalhador, amoroso e, acima de tudo, altruísta, agora, respondam-me: em tempos de descrença, onde a imagem que temos é que todo mundo ou é oportunista ou é corrupto, ou as duas coisas indistintamente, quem não gostaria de casar com alguém assim? Tínhamos ali um mar de rosas ou o mar da flor que lhes for mais atraente! O interessante nesta história e em outras é que casamento só é perfeito em rede social, lugar onde quase todo mundo é feliz e não se fala dos vícios ou defeitos do ser amado, ali, o para sempre nunca acaba, contudo, alguns têm coragem de assumir que na vida real casamento é uma "zona de guerra", onde os amantes estão sempre negociando um armistício, nunca o fim da contenda!
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Não seria diferente com o casamento de Alice. Porém a imagem que o casal transmitia para fora das quatro paredes, como se dizia no tempo da minha avó, continuava a mesma, nada fora alterado, o bom rapaz e a boa moça viviam felizes para todo o sempre, suas juras de amor eram iguais àquelas da rede de Zuckerberg, parafraseando Woody Allen, lá "todos dizem eu te amo"! Aliás, um genro como aquele era o que toda sogra sonhava! Porém as aparências enganam e muito,  o fato é que no aconchego do lar (essa também é do tempo da minha avó) tudo era muito diferente, é preciso que se diga, convivemos com as pessoas, mas não as conhecemos. Infelizmente, dizem os pessimistas, não temos opção de fazer diferente, somos todos meio canastrões, meio farsantes, nossa vida é uma representação de diversos personagens numa novela mexicano-brasileira, por isso, vamos nos adaptando conforme os índices de audiência!
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Bem, sem ter tudo isso muito claro na cabeça, Alice imaginara que os tempos de namoro tinham sido suficientes para conhecer bem os desejos e vontades de seu príncipe. Descobrira, a duras penas, que seu grande amor era uteromaníaco e, por mais que tentasse, não conseguia satisfazer aquele amante insaciável! Nunca se sentira uma "devoradora" como a Gabriela, de Jorge Amado, mas também não se considerava frígida como a Regina Giddens, de Bette Davis, no entanto, por ter que fazer amor muitas e tantas vezes e, na sua grande maioria, sem nenhuma vontade, começou a achar que o problema era dela, quem sabe se sua taxa de testosterona não estivesse a níveis tão baixos que seu apetite sexual não se rivalizava com o do seu marido?
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Resistira àquela situação por um ano, mais ou menos, até que começou a se esquivar, quando, após alguns exames, descobriu que o problema era (d)ele. Neste caso, por não mais atender às vontades incessantes do companheiro, era estuprada a cada recusa. Ser submetida a essa vileza desencadeou um sentimento de revolta que a fizera desistir da farsa que se tornara seu casamento voltando humilhada, mas viva, para casa de sua mãe! Porém como só os bons perdoam, com ela não foi diferente. O príncipe que virara sapo se mostrou arrependido até o último fio de cabelo, pedindo-lhe mil e uma desculpas, além de jurar sob todos os santos que as violações jamais voltariam a acontecer pois ele tinha muita força de vontade. Alice justificou que voltara só e somente só porque sabia que os estupros não foram algo "criminoso"; primeiro, porque ele a amava perdidamente, e deras provas disso ao pedir perdão por tudo o que tinha feito; segundo, a uteromania é um transtorno sexual, um vício, uma dependência, que requer tratamento, portanto, as violações não podem ser criminalizadas já que não foram algo intencional.
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Convenhamos que a volta pelo primeiro motivo pode ser até plausível, afinal, quem resiste ao amor, esse sentimento tão sublime e embriagador que nos contagia levando-nos a perdoar os atos mais obscenos? Contudo seu retorno ao casamento sabendo que o marido era uteromaníaco não deixava de ser um ato insano e loucuras nestas circunstâncias custam muito caro, já que em nenhum momento se falou em tratamento e sim em força de vontade(?) para evitar a satiríase. Depois da reconciliação, viveram mais uns dois, três meses sem nenhuma turbulência, tudo caminhava na santa paz! Mas, segundo a lei de Murphy, nada está tão ruim que não possa piorar. Numa noite calma e tranquila, a trégua, enfim, foi rompida  por causa de uma simples recusa de Alice alegando falta de desejo, estava com muita dor de cabeça, o sapo achou que aquilo era uma piada  e a estuprou, porém, dessa vez, por não conseguir dominar sua fúria, deferiu-lhe inúmeros socos e pontapés na cabeça, por causa do traumatismo não resistiu, morrendo horas depois, o assassino arrependido, não conseguia explicar porque fizera aquilo! Infelizmente, o mundo está cheio de Alices, quase todas silenciosas, quase todas admitindo o estupro por acreditarem que o amor no fim irá salvar a ambos, evitando com isso, pelo menos para manter as aparências, a dissolução dessa instituição sagrada chamada casamento...

5 comentários:

Anônimo disse...

Profundo, polêmico e cheio de "verdades". Ainda que seja um disafil admitir sabemos que existem inúmeras mulheres conservadoras que se sujeita a viver ou melhor, sobreviver com este tipo de situação.

Anônimo disse...

Digo desafio...

Profª Amanda Leite Novaes disse...

Triste fim de Alice no país sem maravilhas. Mais triste ainda é a constatação de que Alice não é ficção, mas representa a realidade. Além disso, ainda existem outras condições de violência que fazem a mulher se submeter a essa instituição chamada casamento. Aquela violência "velada" que a aprisiona pq o outro foi capaz de roubá-la dela nesma, daí o tal sentimento amor que deveria sustentar a relação mais escraviza do que liberta. A grande questão é: em que momento exatamente isso fica claro ao ponto dela não conseguir mais se libertar? Eis a questão. Não fica claro! Ela se escraviza ao sentimento que nem mesmo compreende e é incapaz de enxergar outras possibilidades. Daí pode vir outra máxima: "cada um merece a Cruz que carrega", e eu complementaria: "saber amar é saber deixar alguém te amar". Só que o amor não deve nos escravizar mas sim nos libertar para a experiência especial da vida.

Geração Web 2.0 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manoel Gomes disse...

Minha querida Amanda e (Anônimo), gosto demasiado do que vocês dizem, ruborizando com o elogio, mas gostando e muito dos seus argumentos, como assinalo essa é apenas uma percepção do que vem ocorrendo, mas sem certezas, "absolutas". Acho que muitas vezes, a lei que deveria libertar aprisiona, isso porque, muitas mulheres recorrem a ela e ainda assim não conseguem evitar o pior, afinal, a justiça é muito lenta,como denunciar e estar convivendo com aquele que você denunciou sem correr riscos? Não quero com isso dizer que a lei não está contribuindo para uma mudança nos hábitos, mas que é importante adicionar outras ferramentas que possam ajudar na defesa daquelas que ficam totalmente indefesas com a situação. Em relação ao amor e casamento, tem uma expressão popular que diz "quem sente sua dor é que geme", compreendo perfeitamente que para quem está de fora é muito mais fácil falar...