sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Trote, calouros e afins...

Muito já se escreveu sobre o assunto  "trote e suas mazelas" e, provavelmente, muito ainda será escrito. Entendemos que algo que poderia inibir, quiçá, diminuir sua incidência, a morte de alguns estudantes, não logrou resultado pois os trotes continuam acontecendo sem resistência dos que fazem parte, significa que provoca o mais do animal que fomos um dia(?), a volta aos tempos das cavernas! Todo ano tem Enem/vestibulares, logo, milhares de estudantes ávidos por passar por constrangimentos e, sem-cerimônia, serem achincalhados, são incorporados às universidades. Temos aí um ciclo vicioso, aquele que um dia já foi calouro espera ansiosamente pelos seus "bixos" para lhes devolver na mesma moeda ou quem sabe até em moeda mais cara(perversa) tudo aquilo que recebeu dos seus veteranos quando foi submetido ao seu rito de passagem!
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Quando ingressei na universidade fui submetido a dois trotes indolores e, de certa forma, hilários. O certo é que não chegou a arranhar ou machucar ninguém, talvez alguma "alma" mais sensível tenha se sentido incomodada, mas os que tenho visto por essas plagas e alhures têm tudo para deixar marcas indeléveis. Falando do primeiro, aconteceu no segundo ou terceiro dia de aula, se não me falha a memória; um grupo de estudantes pediu licença ao professor para conversar com a turma sobre um projeto contra a pobreza, sequer sabíamos que se tratava dos tais "veteranos". Falaram mais ou menos dez minutos sobre as obras assistenciais da Irmã Dulce, figura emblemática da caridade na Bahia, viva ainda, naquela ocasião. Disseram inclusive que o professor já havia contribuído, momentos antes, fora da sala, o sacana aquiesceu balançando a cabeça. Nós, os calouros, cheios de amor, "doamos" nossos dinheiros achando que estávamos contribuindo para a diminuição da miséria e, de alguma forma, tranquilizando nossas consciências!  Eles saíram e nunca mais os "vimos". Cada um soube, a sua maneira, que fora "trotado"! No meu caso, meses depois, encontrei um deles na cantina e, talvez para mostrar que fizera uma doação, perguntei como estava indo o projeto recebendo pela cara uma estrondosa gargalhada!
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O segundo foi ainda mais cômico. Logo na primeira semana de aulas, fomos recebidos pelo Diretório Acadêmico, mas sem essa de ficar todo pintado e sujo ou sair naquela fila estúpida que os "bixos" são "obrigados" a fazer ou os diversos constrangimentos que fazem parte do ritual de ingresso; sem a exposição vergonhosa que a cada semestre vemos nos semáforos dessa cidade chamada Jequié! Não, os veteranos depois de nos ter situado como funcionava a universidade, avisaram que teríamos de contribuir com determinada quantia para a confecção da carteira do D.A. e mais uma foto. Os caras foram tão convincentes que minha turma "coçou" o bolso sendo responsável pelo "patrocínio" da festa realizada em homenagem à calourada. A sacanagem é que nossas fotos foram transformadas em cartaz com uma inscrição de agradecimento por sermos aqueles que "doaram" as cervejas! Nada mais que isso. É escroto? Sim, mas  nada desabonador, não precisamos ficar sujos, bêbados, ridículos e pintados pedido dinheiro a estranhos no "sinal fechado"!
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O trote é ilegal, ninguém é obrigado a participar e nem será punido caso se recuse a fazer parte da "festa", os responsáveis podem parar na cadeia! Porém se isso é verdadeiro, por que, então, todos os anos milhares e milhares de novos universitários se submetem a esse ato constrangedor, feroz, violento e algumas vezes mortal? Por que as ações retratadas nas fotos que ilustram essa crônica vêm se repetindo anos a fio? Por esses lados, houve uma oportunidade em que o colegiado de um curso resolveu se antecipar às ações humilhantes do trote. Convocou os professores para conversar com os novos estudantes, mostrar-lhes as disciplinas em que trabalhavam, em linhas gerais, situá-los no tempo e no espaço. Eu estava feliz por estar ali e com a ideia do encontro. Terminada as falas dos professores, abriu-se para a manifestação dos estudantes. Um que estava na primeira fila, fez a pergunta mais inapropriada, depois de tudo o que conversamos: "quando é que vão nos pintar e vamos para as sinaleiras? É provável que você que lê essas linhas deve achar que estou mentindo, não, não é possível que depois de tudo o que os professores falaram, incluindo as ações desumanas do trote, alguém ainda fora capaz de pedir para ser vilipendiado e achar que aquilo tudo fazia parte do seu ingresso no ensino universitário. Foi assustador.
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Pensei que só os obtusos fossem capazes de fazer um pedido desse. Porém, hoje, passando no semáforo, vejo com uma espécie de lata na mão, toda pintada, de "shortinho", uma estudante conhecida pedindo dinheiro, ela não me viu, o sinal abriu antes de chegar a mim, ainda bem, seria constrangedor. Trabalhamos um semestre inteiro juntos, pelo visto ela trocara de curso, mas isso não é um problema, muito pelo contrário. O que me deixou perplexo foi aquela menina aceitar fazer parte daquele circo. Como pode uma pessoa extremamente inteligente se submeter a ações tão estúpidas, na verdade, uma vulgarização da mulher? Fiquei me perguntando se tudo o que discutimos sobre "o seu corpo - essa casa que você não mora" fizera algum sentido ou fora apenas mais uma tarefa como aquela que fazia agora sob o sol escaldante no semáforo do "Buffet Marlene Marinho"? É, parece que não são apenas os obtusos que se deixam imbecilizar...

2 comentários:

Charles Monteiro disse...

A ignorância é uma delicia, é o que meu pai sempre diz... Kkkk

Manoel Gomes disse...

Hummmmmmm...Seu pai tem razão, é melhor não sentir dor, não é mesmo?