Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato
O bicho, meu Deus, era um homem
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Não sei bem qual a razão, mas estava almoçando em um restaurante na cidade de Jequié, lugar em que nasceu Waly Salomão, quando veio-me à memória este poema de Manuel Bandeira, denominado "O bicho". É que em dado momento apareceu um sujeito, preto, sujo, meio desdentado, implorando um pouco de comida, quase se debruçando em meu prato; ruborizei, se é possível um preto ficar assim! Não é uma situação das mais agradáveis, afinal, pedir comida, mendigar coloca o indivíduo no sopé da escala social, o que não deixa de ser algo excruciante, para ele e para alguns outros.
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Mais que de repente, o dono do restaurante bradou: "aqui não se dá comida, não, vá embora!" Claro que não deixa de ser uma contradição, como pode um lugar que tem um bocado de comida, não permitir que alguém sacie a sua fome? Meu constrangimento se ampliava a cada negativa justificada pelo proprietário. Enquanto isso, o "mendigo" insistia que estava com fome e que queria alguma coisa para comer! Na realidade, ele gritava e ao mesmo tempo blasfemava contra aquela aleivosia: "como era possível alguém negar alimento, tendo em excesso, a alguém que clama por comida?" Eu sei que você sabe, o modo capitalista de produção é excludente, Eike Batista está aí para confirmar esta tese, para que alguns possam viver em abundância, muitos outros têm que sobreviver com o bolsa família ou nada!
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A situação se deteriorou mais ainda quando alguém quis justificar a negativa, dizendo que se o possessor desse uma vez, todos os outros dias o faminto voltaria ali pedindo mais, possivelmente trazendo mulher e filhos! Em meus ouvidos ecoava os gritos do famélico que insistia em dizer que era um homem de bem, mas que não tinha dinheiro para comprar a comida que seus olhos viam em abundância. Quando eu era moleque, em Salvador, costumava ficar horas a fio admirando as guloseimas na vitrine da Padaria Paris, que ficava próxima à Ladeira da Praça, eu queria tanto aqueles doces, mas não fazia nenhum movimento no sentido de pedir a alguém que me desse ou pagasse algum, eu saciava o meu desejo apenas com o olhar. Ver o sujeito pedindo e sendo rechaçado com tanta veemência pelo dono do restaurante e "silenciosamente" por muitos dos seus frequentadores, demonstrava mais uma vez para mim que ainda estamos na "pré-história" da humanidade, não acredito que esse projeto histórico continue imperando por todo o sempre, porém minha agonia é a pasmaceira em que estamos imersos. É saber que estamos ficando a cada dia mais insensíveis, olhamos, mas não conseguimos ver o que está sob os nossos olhos! O fato é que ninguém, eu disse ninguém, se solidarizou com o esfomeado, muito pelo contrário, as pessoas presentes ou ficaram indiferentes ao que ocorria ou desejosas que o faminto desaparecesse o quanto antes de suas vistas, para que pudessem almoçar em paz...
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