quarta-feira, 23 de maio de 2007

João e Jadel...

Depois de mais de três décadas, caiu o recorde brasileiro e sul-americano do salto triplo de 17,89 m, que pertencia a João Carlos de Oliveira, estabelecido aos 21 anos, nos Jogos Pan-Americanos de1975, na Cidade do México. A longevidade do feito mostra que o dono da marca merecia melhor sorte, mas enquanto personagem da grande comédia esportiva representou seu papel, com estranha dignidade, até as últimas consequências. Sua história não difere muito da vivida por outros brasileiros pobres. Quando criança, tinha o sonho de se tornar jogador de futebol, enfrentou toda sorte de adversidade, muito comum a cidadãos que nascem com o estigma da pobreza; no início, foi ajudante de frentista em posto de gasolina; ingressou no Exército em 1969 e lá ficou por 14 anos, chegando a patente de sargento; entre os muitos desafios, conseguiu se impor ao Clube Pinheiros, de São Paulo, sendo o primeiro negro entre os seus atletas!
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Por outro lado, o paranaense Jadel Gregório também é de origem humilde; foi sorveteiro para sobreviver, até que um teste o levou a São Paulo, onde passou a treinar no Projeto Futuro, no Ibirapuera. No começo, sua prova era o salto em altura, mas, a conselho de dois técnicos, mudou para o salto triplo. Neste ínterim, por amor, se converteu a islamismo e passou a treinar na Inglaterra, a partir de dezembro de 2005, com Peter Stanley, ex-técnico do atual recordista mundial do salto triplo, Jonathan Edwards que já não compete mais, mas que tem a marca considerável de 18,29 m!
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O atletismo parece ser o esporte do pobre e, por consequência, dos negros, assim como grande parte das categorias do boxe; talvez não haja necessidade de se explicar a razão dessa preferência, por motivos óbvios. Enquanto esportes como a natação, o tênis, o iatismo e a equitação têm um público, ou classe, que pode comprar os caros equipamentos para a sua prática, no caso da natação ainda é preciso mão de obra especializada para a manutenção das piscinas, enquanto as modalidades do atletismo não exigem grandes investimentos! Em tese, a prática possibilita que a camada menos favorecida possa dele se apropriar. Para entender isso, não é preciso recorrer ao Teorema de Pitágoras e sair calculando os catetos nem a hipotenusa! É simples de se perceber, João e Jadel são exemplos concretos, pobres e pretos que encontraram no atletismo a válvula de escape para a ascensão social! João se tornou recordista mundial e deputado; Jadel se converteu ao islamismo, mudou de nome, casou e foi morar na Inglaterra!
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No grande "circo esportivo", a marca superada por Jadel Gregório, hoje com quase 27 anos, foi feita por João Carlos aos 21 anos! Os fisiologistas dizem que Jadel Gregório encontrou mais dificuldade por ter batido o recorde no nível do mar, enquanto João fez sua marca na altitude do México; O que ninguém disse é que em junho de 1990, portanto há 17 anos, o russo Vladimir Inozemtsev cravou a marca de 17,90 m; Somado a tudo isso, Jonathan Edwards estabeleceu a marca de 18,29 m, em agosto de 1995! Não se está dizendo que o feito de Jadel não seja importante, mas é necessário que se diga que dentro do quadro atual em que o salto triplo se encontra, a comemoração bem que poderia ser mais comedida, mais discreta; João trouxe algo novo quando saltou os 17,89 m, estabeleceu uma marca considerável, independentemente da altitude, ele não competiu sozinho. Com todo o desenvolvimento tecnológico, reparem que Jadel é uma montanha de músculos, enquanto que João era "ossos que voavam", sua marca só foi superada, por outro brasileiro, quase 32 anos depois...Mas talvez para amenizar o constrangimento do recorde batido, Jadel já anunciou que a próxima meta será bater os 18,29 m, que já duram 12 anos, para isso tem uma grande arma que é seu pé grande! O que ele não disse, mas subrepticiamente está dito, é que ele tem o técnico do dono do recorde, logo, usando o silogismo tão comum nestes casos, ele será o próximo; Hegel disse certa vez que todos os fatos e personagens de grande importância na história universal ocorrem duas vezes, no que Marx completou: "a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". No "grande circo" que é o evento esportivo, perguntamos: "hoje tem espetáculo", responde o palhaço, "tem, sim, senhor!"

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