Acreditava que as
pessoas nascem com um papel a representar, por isso, aceitava a vida assim como ela era,
não se irava com a propriedade paupérrima que herdara, não era um
sujeito revoltado, resignação era o seu nome, razão pela qual não soava estranho sua música predileta ser aquela de Tim Maia, cujo título era azul da cor do mar. Tinha por hábito cantarolar essa canção todas as vezes que a tristeza se fazia companheira; para ele “na vida a gente tem que entender que um nasce para sofrer
enquanto o outro ri”, eram versos mágicos. Por ser um sujeito que cria,
achava que ser assim fora uma escolha de forças maiores que as suas, por isso,
vivia sua rotina sem sofrer ou praguejar. Filho de pais (quase) analfabetos, nascido no nordeste brasileiro, diríamos que era branco, embora sabendo quais
foram os colonizadores e que a escravidão é parte da nossa pele, não poderia afirmar com convicção! Por
ironia do destino, (ou seria da História?) se alfabetizara ainda em tenra
idade, numa escola de pau a pique, da cidadezinha onde morava, mas, mesmo
conseguindo ler as palavras do mundo, achava que seu lugar era ali, no mesmo
lugar onde seus pais nasceram e, por certo, morreriam, e, como bom filho,
repetiria o ciclo sem grandes remorsos. O destino lhe impusera uma
determinação, sabia que era "filho de peixe". Contudo,
inopinadamente, fizera vestibular por "esporte" e fora aprovado entre
os primeiros, diríamos, surpreendentemente; a vitória do nosso plantador de repolhos
se torna mais contundente porque não precisou entrar na universidade via Sisu,
cotas sociais ou quaisquer outras dessas "muletas" que o Estado
implantou para fazer a tal da "reparação". Entrar no ensino superior tirara dele o adjetivo de agricultor, tornara-se acadêmico, e justamente quando tudo
conspirava contra ele. O curso torna-se desnecessário dizer, seja qual for, representou um salto enorme para um filho de camponeses analfabetos! Provara por A+B que com muito
esforço, dedicação e responsabilidade, qualquer um pode ser o que quiser sob o capitalismo. O plantador de repolhos terminou a graduação no tempo
previsto, fez mestrado sem precisar de dilatamento de prazo, foi um estudante
brilhante no doutorado e agora está fazendo o pós-doc em Londres. Certa manhã, sentado confortavelmente na poltrona da sala do seu grande apartamento, cuja vista lhe permite ver a
Trafalgar Square, pensando sobre sua vida, milhões de dúvidas o perseguem, porém
seus olhos se iluminam com uma certeza que o faz quase gritar: "agora posso afirmar que
sou um ex-plantador de repolhos", para logo em seguida entrar em silêncio profundo,
quebrado apenas por passos longínquos de algum transeunte desavisado. Vai à
janela, observa o formigueiro lá embaixo e se faz a incomoda pergunta:
"qual é mesmo a moral da minha história”...
3 comentários:
A moral da história talvez seja trazer à tona que ser um ex-plantador de repolho não tenha mudado muita coisa no mundo, infelizmente. Seria necessário muito mais!
Estava com saudades de visitar seu blog. Aproveitei e me atualizei nos textos... Obrigada pela oportunidade! Aquele forte abraço!
Muito bom, espero que venhas muitas outras vezes, embora saiba das suas muitas atribuições, minha querida Amanda!
👆👆👆🤘🤘🤘
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