Acho que chegou o momento de não mais aceitar os atos de bullying a que venho sendo submetido desde criança. Basta! Já durou o suficiente e os responsáveis devem pagar, e caro, por esses longos anos de sofrimento, saibam que sairei à caça daqueles que um dia me ofenderam. Essas ações foram emblemáticas para que me transformasse naquilo que sou hoje: um sujeito recalcado, tímido, antissocial, violento e, acima de tudo, rancoroso! As desculpas, agora, já não me importam, colocarei em prática os ensinamentos do velho testamento: comigo será, olho por olho, dente por dente. Pensando bem, e para evitar ter que explicar as razões de não ter procurado ajuda ao longo de todo esse tempo, vou me suicidar assim que concluir meu plano de vingança!
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Para mim o bullying começou muito cedo, entre os 3, 4 anos quando ganhei minha primeira e nada lisonjeira alcunha. Aliás, são poucas as que não são depreciativas. Como não conseguia levantar da cama e chegar até o banheiro, fazia xixi ali mesmo, logo fui chamado de mijão. O fato é que essa "incontinência urinária" me obrigou a ter que vestir uma espécie de macacão/jardineira marron todas as noites antes de dormir. Eu juro que não fazia porque queria, até que tentava evitar, o problema é que sonhava que estava no lugar certo, porém logo percebia que não quando sentia o líquido quente inundando minha roupa de prisão! Era terrível, já sabia que logo pela manhã seria execrado por aquele ato, frente aos outros irmãos, que sorriam da minha infelicidade, ah, como desejei matar minha mãe e irmãos por tudo aquilo! Superada essa fase, pensei que estaria livre do bullying, que nada, a tormenta mal começara, embora não soubesse. O segundo momento de exposição ao bullying veio quando chegou a hora de aprender a dar o nó/laço nos sapatos, meu Deus, como aquilo parecia difícil. Achava que jamais conseguiria transformar os cadarços em um nó/laço, e olha que o movimento era repetido à exaustão, mas quem disse que era possível que eu fizesse aquilo? Sem titubear, logo me arranjaram um novo apelido muito rapidamente: "Ele é muito burrinho nunca vai aprender!" Se eu pudesse, eu matava quem ousava colocar aqueles apodos em mim, mas era muito pequeno e fraco, quem sabe quando crescesse, um revólver não resolveria o problema?!
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Quando cheguei à escola, lá estava a professora dos meus "sonhos"! A famosa dona Semira, mestra que cometia as maiores atrocidades (assessorada por sua filha dona Raimunda, que era meio vesga), em nome da Educação, desde a já extinta palmatória, até colocar os estudantes de joelhos sobre grãos de milho, o aprender ali não era nada fácil. Sem falar no mais temido dos dias, já que tinha o dia de tudo, o dia da tabuada e a sua famosa sabatina! Na verdade, o objetivo nunca foi aprender e sim tomar o menor número possível de "bolos", porque não tomar nenhum era impossível, mesmo decorando, como não esquecer diante de tamanha pressão?! Havia um cheiro, que sinto até hoje, indicativo de que faltava pouco para chegar à escola. Quando estava próximo à padaria e seu cheiro forte de café torrado, meu coração disparava, pressentia que o momento dos horrores estava prestes a começar, como gostaria de voltar para casa, desejava tudo naqueles anos, menos estudar! Mudei de escola, todavia a situação mudou muito pouco, já não havia a palmatória. Fui presenteado com mais uma professora marcante. Seu nome? Dona Zelândia. O bullying dessa aí quase fulminou um moleque de apenas sete anos. A infeliz, em uma prova de ciências, pediu o nome de três insetos, fiquei a manhã inteira e o único inseto que me lembrei foi a barata. Cansada por ver o aluno sucumbir à prova, lançou no ar a frase que não poderia ser dita a nenhuma criança: "esse menino não vai a lugar algum, é burro demais!" Pois é, a forma de ensinar não mudara a única coisa que mudou foi a desinência da alcunha, seu diminutivo desaparecera! Outrossim havia adultos que diziam, quando me viam brincando com outras crianças, às vezes, seus filhos: "puxa, como esse menino fala alto!" Oh, como eu queria morrer ao ouvir isso, tentava falar baixo para não ter que passar por esse constrangimento! Lembro-me de Dona Nicinha, que não era era professora, e sim a mãe de outra criança, dizendo: "você não sabe falar mais baixo, menino?!" Vieram outras alcunhas: cambota, pernas de alicate, cangalha, pernas de caubói, entre outras! Fui suportando a tudo e acumulando meu ódio por aqueles que me massacravam!
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Na universidade, o falar alto ajudava e atrapalhava. Ajudava pois conseguia atingir, sem precisar de microfone, até o último estudante; atrapalhava quando informalmente devia baixar o tom, mas quem disse que conseguia? Também o ensino superior deixou as suas marcas. Havia uma professora, de quem gostava muito, que disse, certa vez, para a sala repleta: "quem fala alto não tem educação!" Não aceitava, mas entendia quando ouvia isso das minhas primeiras professoras, afinal não haviam passado pela academia, mas como entender uma professora universitária, com doutorado na França, dizendo isso a um estudante? Saibam que o respeito se transformou em desprezo. Eu sabia que era uma pessoa educada, que falava alto não porque queria, quem sabe se uma fonoaudióloga não resolveria meu problema?
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Bem, ao chegarmos até aqui, você deve estar se perguntando: será que ele irá cumprir a promessa de eliminar um por um a todos aqueles que o ofenderam? O fato é que a trajetória da criança que vivenciou todos aqueles constrangimentos, hoje um adulto com todos os problemas que afligem a grande maioria de nós, é a mais pura verdade, menos o desejo de sair por aí com uma arma em punho eliminando todos aqueles que, ao longo desses anos, caricaturaram-no, deixaram-no envergonhado por certo atributos que o acompanham, por exemplo, falar alto, ter as pernas tortas, entre outros! Para ser sincero, é preciso que se diga que só foi feito o desenho da face da vítima, só falei daquele que impingiram sofrimento, só mostrei o perfil daquele que sofreu ações de bullying em muito momentos de sua vida. Mas onde está o lado algoz desse sujeito? Será que não cometeu nenhum deslize? Quem foi que nunca chamou alguém de cabeção, orelhudo, narigudo, burro? Recentemente, um comentarista esportivo, aqui de Salvador, reiteradamente, chamou o colega de cabeça de arromba navio, essa é das antigas! Quem nunca deu uns cascudos no amigo ou colega, no baba, na escola ou em outros lugares? Quem não cometeu nenhuma maldade que atire a primeira pedra!? Neste caso, havia um garoto em sua infância que só chamava de aleijado, e o moleque respondia: "onde eu encontrei, eu deixei!" Só bem mais tarde ele entendeu o que o aleijadinho queria insinuar. Não estou com isso querendo dizer que as ações de bullying são inofensivas e que não se deve tomar providências para evitá-las, mas que não se pode buscar nestas ações os perfis de franco-atiradores e outros criminosos que a mídia e outros vêm nos vendendo a cada massacre que acontece, empurrando, dessa forma, a poeira para debaixo do tapete, sabemos que o buraco é mais embaixo. Porque se assim fosse, se todos aqueles que sofreram/sofrem ações de bullying saíssem por aí matando, não sei se restaria alguém para contar essa história...
Um comentário:
De fato, se todos os que sofreram com apelidos, ofensas e tantas outras coisas que ninguém faz melhor do que as crianças, ninguém estaria no mundo para contar e escrever sobre o midiático bullying. Se bem me lembro, eu fui bem perversa com um colega da oitava série, tadinho, era nariga, narigão, tomar ar... Fora os gordinhos, os muito magros (e eu era bem sequinha) e por ai vai... Que eu saiba, nenhum deles se transformou num suicida ou serial killer. O bullying vem sendo o culpado de diversas atrocidades, afinal, é mais fácil culpar o dito do que ir além das aparências.
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