Sei o quanto este assunto é delicado, nem sei se é temática para ser discutida num espaço como esse, espero não cair na vala comum que muitas vezes terminamos caindo quando abordamos essa questão, mas a série de reportagens da TV Globo, na sua parcialidade, provocaram-me, por duas razões; a primeira é de ordem bem pessoal. Nunca fui muito a favor daquela "imposição" no documento de identidade, em que cada um era considerado como um doador em potencial, caso não se opusesse, o que não deixava de ser leviano; a segunda é de ordem política, todo mundo sabe que a saúde é uma mercadoria muito CARA aqui e alhures e que nem todos têm acesso a ela, embora o texto constitucional diga com todas as letras que é um direito de todos e dever do Estado, o atendimento oferecido aos usuários do SUS mostra que "há algo de podre no reino da Dinamarca". Olha, meu camarada, se você não tiver um planozinho de saúde alternativo, tenha certeza que suas chances de sobreviver às doenças, mesmo as mais comezinhas, estão bastante diminuídas.
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Há dois sentimentos básicos em relação aos transplantes, se por um lado é extremamente doloroso para quem perdeu alguém e ter que, racionalmente, ceder "partes" do ente querido para que alguém possa viver, por outro, torna-se uma abertura de novos horizontes para quem ganhou os órgãos! Existem histórias de todas as nuances, a referida emissora resolveu escolher os casos bem sucedidos, muito provavelmente para estimular as doações. Há um filme com Denzel Washington, Um ato de coragem, em que a questão é também discutida. Mostra um pai que não tem nem dinheiro nem plano de saúde. A alternativa que ele encontra é tomar como refém um grupo de pessoas em um hospital, para negociar a salvação do menino! Tanto lá, quanto cá, sem grana é preciso fazer malabarismos para ser tratado com dignidade! O filme começa mostrando uma imprudência na estrada, cuja conseqüência é a morte do futuro doador! Não há como negar que esse tipo de situação, traz em si, um desejo "assassino" de quem espera pelo transplante. Na realidade, aquele que está na fila de espera, fica "desejando", ardentemente, que apareça "alguém" para doar seus órgãos, e assim lhe dar a oportunidade de viver. Guardadas as devidas proporções, a situação é muito parecida com a que vive o agente funerário, ou seja, o negócio dele é a morte dos outros!
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Entre a série de depoimentos que a Globo selecionou, houve o de uma mulher que esperou por cinco anos. Seu contentamento era visível, já podia dirigir sozinha, ser uma pessoa, além da emoção por estar livre do sofrimento da espera pelo órgão, no caso dela, foram os rins e o pâncreas! Entre lágrimas, falava da felicidade e planos! Exceto o tom que era de emocionar a qualquer custo, a lição que fica é a de que é preciso mais que depoimentos para convencer às pessoas da importância do ato de doar, porque se por um lado, um corpo voltar a sorrir, volta a viver; por outro, têm aqueles que choram com a perda, isso para os casos em que os doadores têm que morrer! Um paradoxo difícil de ser superado, sem que caiamos na pieguice do choro fácil e/ou do incentivo à solidariedade barata! O mais grave nisso tudo é que como os serviços de saúde são precários, na maioria dos estados brasileiros, muitos nem conseguem o básico, ou seja, remédio para um simples resfriado, então, como é que zé ninguém terá à sua disposição a tecnologia de ponta e por conseguinte, condições de fazer um transplante? Não nos esqueçamos que nesta divisão em classes sociais, os mais privilegiados vão a Cleveland fazer check up do coração! A verdade é que temos uma luta perversa entre miseráveis, pobres,"remediados" e ricos e, mais uma vez, a classe social, embora muitos neguem a luta de classes, vai ser determinante para que a pessoa tenha acesso à vida ou morra por não ter um famigerado plano de saúde...
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