Há alguns meses fui interpelado por um estudante curioso que me perguntou qual a razão de ainda não possuir um automóvel; minha resposta foi a mais óbvia possível, até para evitar constrangimentos, disse-lhe que não sabia dirigir! Esperei que ele se contentasse com a resposta, mas, para minha surpresa, retrucou: "por que, então, não procura aprender e compra um?" Neste momento, percebi que poderia dar duas respostas; a primeira, dizer que ele tinha razão, afinal é comum àqueles cidadãos com uma renda considerada "enganadora" comprar um veículo, pois com o sistema de "quinhentas" prestações, não há desculpas que justifiquem a ausência de tamanho sonho de consumo; a segunda, mostrar que nem tudo passa pela necessidade de ter que ter um automóvel, ou seja, não somos obrigados a possuir coisas porque isso foi determinado por uma entidade supra-humana; perder o controle das nossas decisões mais comezinhas nos leva a querer possuir bens, que por sua vez nos conferem uma certa distinção, consumidores guiados pela mão invisível do mercado!
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Ter um carro é sinônimo de "status" e tem mais, quanto mais valioso ele for, mais importância tem o seu dono no seu locus. Quase sempre, o carro adquire mais relevância e importância que o seu dono, não é o indivíduo que possui o carro, mas o carro que possui o sujeito, é uma relação quase sexual! Essa forma de se enxergar a realidade termina no paroxismo da coisificação da pessoa: "não somos homens, máquinas é o que somos", a máxima foi invertida completamente! Essa necessidade de mostrar importância a partir da posse de bens é comum na sociedade em que vivemos, isso é meio óbvio, ou seja, quem tem, mesmo que seja o mais perfeito idiota, é considerado bem sucedido. O carro se tornou emblemático nas nossas relações, não tê-lo nos envia ao mundo dos infelizes e despossuídos! Como pode no mundo em que vivemos, o típico "classe média" não ter um automóvel? Não tem sentido, é o nosso cartão de apresentação! Que pai vai permitir que sua filha se case com um sujeito que não tem um carro? Só se for louco! Quem casa quer carro, de novo a inversão do velho aforismo!
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Morando em uma cidade pequena, percebo o quanto é necessário para os possuidores mostrar que têm o objeto do desejo que os torna visíveis! O sujeito mora perto da banca de revista, distante não mais que 5 minutos, mas precisa ir "montado" no carro, a pé? Nem pensar! Pode faltar qualquer coisa, menos aquilo que lhes dar visibilidade que é seu carro! Há uma preocupação maior com a imagem construída do que com a realidade vivida, valoriza-se muito mais o portão belo e esculpido do que o interior da residência! Sabemos todos que existe a necessidade premente da redução de poluentes na atmosfera. Um cientista brasileiro da área de energia afirmou que é urgente se buscar uma saída através dos transportes alternativos não só pela questão da poluição, mas também no sentido de espaço, com a quantidade de veículos nas ruas das grandes cidades, elas não têm mais para onde crescer, sabe-se que carros conduzem poucas pessoas, exemplo típico disso é a cidade de São Paulo. A cada dia são "jogados" quinhentos carros em suas ruas que não têm nenhuma condição de absorção de tamanho volume! O chato de tudo isso é que as soluções apresentadas não fogem do lugar comum. Hoje, a palavra da moda é movimento sustentável, desde que a lógica do lucro não seja molestada, seguimos cegamente uma rota de colisão e sequer abrimos mão de um fantasioso e enganador conforto...
Um comentário:
Também sou de uma cidade do interior e sei bem o que significa esta marca de "status" que um carro pode dar. E olhe que a cidade onde nasci é 10 vezes menor do que a que você mora!
Curitiba, apesar de não ser tão grande quando São Paulo, também sofre com o número cada vez mais crescente de carros nas ruas. Tanto que até se pensa em fazer um rodízio aos moldes de São Paulo, em virtude dos altos índices de poluição que se agravam no inverno.
No entanto, é mais difícil de identificar aqueles que são "possuídos" pela máquina, que têm esta relação com seus carros. Me parece que este fenômeno se torna mais evidente nas pequenas comunidades...
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