quinta-feira, 29 de março de 2007

Um Presente "Arcaico"

Conversava eu com uma querida amiga sobre a beleza, o brilho, na verdade, não encontrava palavras para descrever o impacto que o livro Lavoura Arcaica tinha me causado. É muito lindo! Delicioso! Cheguei a dizer que presente como esse deve ser dado a todas as crianças que estão descobrindo o prazer da leitura, caía no exagero de insinuar que deveria ser obrigatória a leitura! É prosa que se confunde com poesia, não se sabe quando uma termina e começa a outra, cuja substância é puro deleite! Foi, eu disse a ela, um dos melhores presentes que ganhei, e olha que o meu natal ainda não chegou! Já tinha me emocionado com o filme e geralmente tenho certo prurido de ver antes de ler, pois entendo que as imagens interferem de forma muito intensa na minha interpretação, mas aqui no caso, tem sido bom, com isso termino quebrando um mito que deve-se primeiro ler, sei lá, com essa obra ter visto o filme e a leitura do livro ao invés de me provocar um sentimento de "perda" entre um formato e outro, tem acontecido o inverso, tenho me sentido estimulado a ir e vir nos espaços do poema em prosa, "bebendo" gota a gota as lavras que saem das páginas desse livro que emociona a cada linha, a cada verso, a cada página, é muito, mais que isso, é sublime, um dos mais inquietantes romances que li e estou relendo!
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Gosto do livro inteiro, mas como queria, e muito, trazer um fragmento que fosse para inseri-lo aqui, mesmo correndo o risco de blasfemar, optei por um que é dos mais provocativos e mágicos, e com isso compartilhar da emoção provocada...
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"Sudanesa (ou Schuda) era assim: farta; debaixo de uma cobertura de duas águas, de sapé grosso e dourado, ela vivia dentro de um quadro de estacas bem plantadas, uma ao lado da outra, que eu nos primeiros tempos mal ousava espiar através das frinchas; era numa cama bem fenada, cheirosa e fofa, que ela deitava o corpo e descansava a cabeça quando o sol lá fora já estava a pino; tinha um cocho sempre limpo com milho granado de debulho e um capim verde bem apanhado onde eu esfregava a salsa para apurar-lhe o apetite; a primeira vez que vi Sudanesa com meus olhos enfermiços foi num fim de tarde em que eu a trouxe para fora, ali entre os arbustos floridos que circundavam seu quarto agreste de cortesã: eu a conduzi com cuidados de amante extremoso, ela que me seguia dócil pisando sua patas de salto, jogando e gingando o corpo ancho suspenso nas colunas bem delineadas das pernas (...) adolescente tímido, dei os primeiros passos fora do meu recolhimento: saí da minha vadiagem e, sacrílego, me nomeei seu pastor lírico: aprimorei suas formas, dei brilho ao pêlo, dei-lhe colares de flores, enrolei no seu pescoço longos metros de cipó-de-são-caetano, com seus frutos berrantes e pendentes como se fossem sinos; Schuda, paciente, mais generosa, quano uma haste mais túmida, misteriosa e lúbrica, buscava no intercurso o concurso do seu corpo"
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A palavra que posso usar para descrever é: Inefável...!
Ah, não poderia deixar de dizer, Obrigado, Lusimary de Gouvêa,
por me dar um presente tão lindo como suas mãos e seus olhos...
imitando Fernando Sabino, eu também!

2 comentários:

Lusimary disse...

Sim, Manoel, o livro é tudo isso que você diz: pura poesia! E me deixa muito feliz saber que eu proporcionei - através deste presente de natal sim, porque natal é todo dia - este deslumbramento! Já conversamos bastante a respeito de Lavoura Arcaica e sei que o assunto ainda tem muito a render pois ainda não o reli. Então em junho, depois de reler, poderemos discorrer ainda mais sobre toda esta poesia em forma de prosa. Te amo muito, pretinho!

Ricardo Pereira disse...

Estudávamos Raduan Nassar na faculdade. Ficara admirado de saber que o sujeito se tornou imortal por conta de pouco mais de cem páginas. Quis ler de imediato. Confesso que maravilhou-me mais Um Copo de Cólera, acho que porque tinha a ver com um amor que eu vivia na época. Já notou como o Chico Buarque em seus romances imita o estilo do Raduan Nassar. Em Estorvo é explícito. Sempre fui um dos poucos que pegou no pé do Chico-escritor, que eu sinceramente não engulo muito.