Na música do Rappa, Rodo Cotidiano, o "herói" trabalhador procura por caneta e papel para registrar a inspiração que a "musa", entreolhada no trem lotado, lhe proporcionara: "a idéia lá, comia solta, subia a manga, amarrotada social, no calor alumínio, nem caneta, nem papel, uma idéia fugia, era o rodo cotidiano." Falar de cotidiano com suas simultaneidades torna certas situações, não apenas caricatas, mas também sarcásticas! O "herói" da canção com sua marmita às costas, "quentinha abafada", sufocado na minhoca de metal, ainda tem tempo de se inspirar. Falamos de movimento em espaço exíguo onde muitas pessoas se amontoam!
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Não sei por que estranha razão, vi uma analogia entre o trem do trabalhador da canção e as muitas quitinetes espalhadas pelo país! O trem se desloca para os mais variados lugares; na quitinete é bom não ficar se deslocando muito porque além de as paisagens não variarem, logo, logo, nos chocamos com algum móvel que está justamente onde não deveria. Neste caso, você poderia perguntar, onde está a analogia? Olhemos para seus interiores! Em ambos, os espaços são tão reduzidos que somos espremidos em meio a pessoas e coisas!
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Quando era criança, na grande maioria das vezes, morei em casas com quintal, porém na maturidade minhas moradias saíram do "chão", lentamente, passei a viver engaiolado em prédios de dois e três andares! Todavia, aquilo que parecia um problema, percebo, hoje, com uma clareza imobilizadora, era uma grande, uma enorme vantagem! Estar morando, no momento, em uma quitinete tem sido algo, deveras, engraçado para os outros! Fico pensando como seria para aquelas pessoas acostumadas a morar em casa grande viver em uma quitinete. Há uma perda total da intimidade, ao chegar na sala já se tem uma visão total do quarto! Não há o que esconder, da entrada tem-se a visão da casa inteira,
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O cotidiano vai ditando, com sua força imperiosa, as formas e jeitos que assumimos. Todos os dias quando o vizinho de cima resolve frequentar o "quartinho", começam os meus pesadelos, mesmo estando completamente acordado! Quando suas necessidades (fisiológicas, é claro) são realizadas ao mesmo tempo que as minhas, a sensação é que estou num show de horrores! Tenho impressão que "aquilo" tudo vai cair em cima de mim, inundando o imóvel inteiro! Neste caso, perco toda a concentração naquilo que estou fazendo, também pudera, não é?! Para quem não sabe, morar no térreo lhe possibilita ouvir de tudo. Os barulhos vão entrando sem pedir licença! Segredos, sem se preocupar com seu sono, quando você quer e pode dormir um pouco mais, vão se revelando! Nunca pensei que, um dia, iria odiar tanto os saltos altos como agora. Os passos de quem os usa, soam no térreo com os decibéis para além do humanamente suportável! Imagina morar numa cidade em que o uso de botas é algo comum? Será que as mulheres não percebem o quanto maltratam os ouvidos dos moradores do térreo quando passam "dirigindo" seus saltos altos?
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Certa noite, acordei assustado com uma conversa exatamente sob a minha janela! Disse a mim mesmo, meu camarada, está na hora de acordar, mas só por segurança, dei uma olhadinha no relógio, e pasmem, eram duas e meia da madrugada! O cara falava tão alto e o que é pior, sem nenhuma preocupação com barulho que fazia, justamente, na cabeceira da minha cama. Ficou aborrecido porque um dos vizinhos pediu-lhe que falasse mais baixo! Saibam que, apesar de tudo isso e sem falar em conformismo, estou estudando em outra cidade bancado por milhões de brasileiros que sequer conseguem chegar às primeiras letras! Chico Buarque, em outros tempos, "agradecia" assim ao seu algoz: "por mais um dia, agonia pra suportar e assistir. Pelo rangido dos dentes. Pela cidade a zunir. E pelo grito demente que nos ajuda a fugir. Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir. E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir. E pela paz derradeira, que enfim, vai nos redimir, Deus lhe pague"...
3 comentários:
kkkk,rsrss, prof. então, agora, não são mais as músicas que o incomoda,rss, e sim os vizinhos, especialmente quando fazem as necessidades deles,kkkk. Não sei qual é pior,rsrssrss. Mas, como sempre, o final do texto retrata a sua boa e velha coerência. Grande abraço.
Estava querendo falar com você,será que pode ser via msn um dia destes?
Grande abraço!!
Se entrar no msn hj, de um toque no meu celular. Só na terça, quarta e quinta que não tenho como. Abraço.
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