quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Um louco...

Fora à livraria com o intuito de comprar o livro "O desastronauta". Na verdade, esse título me impressionara sobremodo, porém descobri que o mesmo autor tinha um outro cujo nome era uma verdadeira provocação: "Os melhores contos de loucura". Nada mais que uma antologia saborosa organizada por Flávio Moreira da Costa, aliás, foi ele quem disse que o melhor amigo do homem não era o cachorro e sim o livro! Quase sem perceber, acabei comprando-o! Vale à pena ser lido, não só pela temática, a loucura, coisa comum nos nossos dias, como também pelos autores! Uma seleção composta por Lima Barreto, Machado de Assis, Luigi Pirandello, entre outros. Uma viagem pelos caminhos da loucura nossa de cada dia! Uma delícia que deve ser repartida, como deveríamos fazer com o pão a cada momento de nossa vida! Raul Seixas, poeta e roqueiro baiano, se dizia maluco total. Penso, contudo, que foi Samuel Beckett quem melhor sintetizou o que vem a ser a loucura na frase: "Todos nascem loucos; alguns permanecem." Como não sou egoísta, trago uma espécie de "síntese" de um dos contos que grassam pela coletânea, o escolhido foi o de Guy de Maupassant, cujo título, um louco, demonstra que louco pode ser aquele que menos esperamos, que pode ser aquele nosso vizinho ali da esquina, na realidade, o conto mostra que estamos todos no terreno escorregadio da insanidade, que temos um louco "guardado" dentro de nós e que ao menor vacilo, irrompe com sua fúria! Sigamos, então, os passos desse demente que Guy nos apresenta com tintas colossais!
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Ele morreu como chefe de um tribunal de alta instância, magistrado íntegro cuja vida impecável era citada em todas as cortes da França. Advogados, jovens conselheiros e juízes o cumprimentavam inclinando-se profundamente, em sinal de enorme respeito, diante de sua figura alta, branca e magra, iluminada por dois olhos brilhantes e profundos. Passara a vida perseguindo o crime e protegendo os fracos. Escroques e assassinos nunca haviam tido inimigo mais temível, pois ele parecia ler, no fundo de suas almas, seus pensamentos secretos, e desvendar, com um passar de olhos, todos os mistérios de suas intenções. (...) Pois bem, eis o estranho papel que o escrivão, desnorteado, descobriu na escrivaninha onde costumava trancar os dossiês dos grandes criminosos, o título do "pergaminho" era Por quê?
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20 de junho de 1851 - Saio da Sessão. Condeno Blondel à morte! Por que, afinal, havia aquele homem matado seus cinco filhos? Por quê? Muitas vezes encontramos pessoas para quem destruir a vida é uma volúpia. Sim, sim, deve ser uma volúpia, talvez a maior de todas, pois matar não é o que mais se assemelha a criar? Fazer e destruir. Estas duas palavras encerram a história dos universos, toda a história dos mundos, tudo o que existe, tudo! Por que matar é embriagador? Pensar que ali está um ser que vive, que anda, que corre... Um ser? O que é um ser? Essa coisa animada, que traz em si o princípio do movimento e uma vontade que determina esse movimento! Essa coisa a nada se prende. Seus pés não se unem ao solo. É um grão de vida que se mexe sobre a terra; e este grão de vida, vindo não sei de onde, podemos destruir como quisermos. E então nada, mais nada. Apodrece, acaba.
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26 de junho - Por que, então, é crime matar? É, por quê? pelo contrário, é a lei da natureza. Todo ser tem como missão matar: ele mata para viver e mata por matar. Matar está em nossa índole; é preciso matar! O animal mata sem parar, o dia todo, a todo instante de sua existência. O homem mata sem parar para se alimentar, mas como tem necessidade de matar também por volúpia, ele inventou a caça! A criança mata os insetos que encontra, os passarinhos, todos os pequenos animais que lhe caem nas mãos. Mas isto não basta à irresistível necessidade de massacre que há em nós. Não é suficiente matar o animal, precisamos também matar o homem. Antigamente, satisfazia-se este desejo com os sacrifícios humanos. Hoje, a necessidade de viver em sociedade fez do assassinato um crime. Condena-se e pune-se o assassino! Mas como não podemos nos entregar a este instinto natural e impiedoso da morte, aliviamo-nos de tempos em tempos por meio de guerras onde todo um povo destrói outro povo. Temos então uma orgia de sangue, uma orgia na qual se precipitam os exércitos e da qual continuam a se embebedar os burgueses, mulheres e crianças que lêem, à noite, sob a lamparina, a narrativa exaltada dos massacres.
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30 de agosto - Está feito. Como é pouco! Eu tinha ido passear no bosque de Vernes. Não pensava, não, em nada. Eis uma criança no caminho, um garotinho que comia um pão com manteiga. Ele pára ao me ver passar e diz: -Bom dia, seu presidente. E o pensamento me entra na cabeça: "E se eu o matasse?" Respondo: - Está sozinho, meu menino? Estou sim, senhor. Sozinho no bosque? Estou sim, senhor.
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E então? Será que este homem ilibado, acima de qualquer suspeita, um magistrado da mais alta corte, teria coragem de matar uma pobre e indefesa criança? Seu coração não o impedirá de cometer tamanha atrocidade? Afinal estamos falando de um ser indefeso que precisa de proteção! Bem, se queres saber como isso termina, sabes, muito bem, onde encontrar a resposta...

6 comentários:

Manuela Cassia disse...

Nem posso contar, mas só digo que é um dos melhores contos do livro. Ganhei de meu pai. Também, a culpa por gostar do livro foi dele. Ele me apresentou e me presenteou. O livro é, sem dúvida alguma, saboroso por demaissssssssss. Vale a pena conferir...

Manoel Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manoel Gomes disse...

É por essas e outras que eu adoro ser seu pai...

Anônimo disse...

Manoel, sempre que posso dou uma espiada nas suas "loucuras" aqui descritas, e é realmente uma delícia! Continue nos nutrindo dessa gostosa inteligência poética.
Grande beijo,
Pati.

Anônimo disse...

Ah, espero que não se importe, estou indicando seu Blog para minha irmã, Ederli.
Outro beijo,
Pati.

Manoel Gomes disse...

Valeu, Pati, muito obrigado por compartilhar das minhas "viagens cheias de loucuras"! Sejam bem-vindas, você e Ederli, dois beijos!