sábado, 23 de janeiro de 2016

Medicina ou Educação Física? Eis a questão...

 
As peculiaridades da produção do conhecimento fazem emergir, na Universidade, contradições insuperáveis, ora, o espaço sacrossanto do saber não tem tempo e nem espaço para se preocupar com coisas "menores"! Talvez, formar para a docência não esteja entre as prioridades da academia!? Aliás, é preciso que se faça a pergunta mais cínica aos cínicos: será que existe alguém nesta data com vocação para ser professor? Saibam que é nesta dúvida aparente, diria eu, sem nenhum constrangimento, que reside sua hipocrisia indisfarçável.  Se dermos uma olhada "panorâmica" na escolha dos estudantes no último "Sisu" provavelmente entenderemos que essa questão não tem nada de shakespeariana! Antes, porém, de mergulharmos no mar de felicidade dos estudantes e suas aprovações em Medicina, vejamos o que é o sucesso para seus futuros ex-mestres.  
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Quando retornei dos meus 4 anos de "exílio", em Florianópolis, logo na primeira reunião em que participei, um professor apresentou um livro síntese com a produção do grupo que fazia parte, juntamente com sua ex-orientadora; até aí, nada de excepcional. O curioso é que o idioma escolhido foi o inglês, provavelmente o americano. É quase certo que nenhum americano tenha lido o tal livro, por uma série de razões, (esqueçamos que somos vistos como "cucarachas" por eles), citemos uma bem simples, o domínio da língua materna, ora, se temos uma grande dificuldade em escrever na própria língua, imagina aí a tarefa de quem traduz as nossas orações coordenadas e subordinadas? Temos o domínio das subordinadas adjetivas reduzidas e quem traduziu tem conhecimento de causa? O autor nos dissera que não dominava o inglês, razão pela qual tinha encaminhado para que outrem fizessem a tradução, a ironia é que nem ele iria ler seu próprio texto! Em outra oportunidade, a celebração se dava em razão da publicação de um artigo de um dos pupilos daquele professor, em uma revista "A" internacional! Não tenham dúvida que era/é algo extraordinário no modelo de ciência que vigora e não há aí nenhuma ironia! A concorrência é brutal, embora eu considere desumana, os que jogam esse jogo não acham, como não é qualquer um que consegue impor uma produção em um periódico com esse qualis, aquele que consegue vira "celebridade". Mas por que em inglês, algum desatento pode estar se perguntando. Pura e simplesmente porque é a língua que se impôs (as razões dessa imposição agora não vem ao caso), além disso, dá status, visibilidade, enriquece, sob todos os pontos de vista, o currículo lattes do autor, como também, ganha-se a respeitabilidade e reconhecimento da comunidade científica nacional. Todos querem publicar, mesmo que seja em periódico qualis C, mas todos, eu disse todos, desejam o qualis A1, se for "A" internacional, ulálá, esse feito é a comprovação do grau de excelência do pesquisador! Todos querem visibilidade e reconhecimento (se isso trouxer "dividendos", melhor ainda!), seja o professor/pesquisador "A", seja o estudante que quer a vaga de Medicina do SiSu!
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Falando em SiSu (Sistema de Seleção Unificada do MEC), o resultado do último causou, como de costume, estardalhaço e comoção nacional entre os pais dos filhos aprovados, principalmente os que escolheram ser médico, na verdade, ver seus rebentos sendo festejados no país inteiro como os melhores e mais bem sucedidos, aqueles que já venceram na vida é algo extraordinário, aliás o destaque desses indivíduos já começa na graduação, já entram doutores sem o título de médicos! A medicina, enquanto mercadoria, se tornou o curso de maior prestígio e valorização social, todo mundo quer ser médico, nem que para isso tenha que estudar na Argentina ou na Colômbia! Ser pai ou mãe de médico é ser uma pessoa diferenciada, um motivo de orgulho e respeito; em alguns casos, é a materialização dos sonhos nos filhos, como foi o caso do pai fisioterapeuta cujas notas lhe possibilitaram a entrada em medicina numa universidade pública, enquanto seu filho foi para a privada, mas foi! Se quiser leia a prosopopeia aqui http://migre.me/sL9sp).
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Na realidade, esse sentimento de vitória causou um certo "constrangimento" em alguns professores, e a pergunta que esses se fizeram foi: e as outras carreiras não merecem respeito e dignidade? A sociedade só precisa daqueles que gostam de "jalecos"? Concluíram que se continuar nesse diapasão, não teremos mais ninguém querendo seguir a carreira docente! Um professor de geografia se mostrou indignado com a falta de incentivo para as carreiras "menores", (as aspas e os menores são dele), "especialmente os que resolveram ser professores." Até que entendo essa repulsa, esse sentimento de impotência, porém não deixa de ser de uma ingenuidade atroz. O modo de produção que "escolhemos" para decidir nossos "destinos", sobrevive do lucro/exploração do trabalho, (desculpem-me por mais uma vez ser óbvio), a mercadoria "professor" há tempos anda desvalorizada, na realidade, corre sérios riscos de extinção, enquanto a mercadoria "médico" já esteve em mais alta conta, contudo ainda é mais negócio ser doutor do que professor, (perdoem-me, pela rima pobre, mas não resisti!) Para se ter uma ideia, o piso inicial de um professor, será, em 2016, de R$ 2.135,64, enquanto essa é quase a quantia que um médico tira em um plantão de 24 horas!?  Um professor de uma universidade pública, numa conversa sobre a educação dos filhos, foi  taxativo, o dele não estudaria em escola pública, "lógico que vou colocar na privada, se posso dar uma ferrari ao meu filho, você acha que daria um fusca? Desabafou emocionado. Acontece que geralmente é muito difícil ver de fora quando estamos inseridos na questão, aqui, escola pública é para os filhos dos outros, ou melhor, daqueles que não têm dinheiro para bancar a educação dos filhos numa particular, logo, quem vai para a escola pública são os pobres e miseráveis! Sinto um cheiro de hipocrisia no ar com a indignação com a opção pela medicina, assim como as "críticas" ao sistema pela valorização exacerbada do médico!? Os que ficaram "surpresos" ou indignados com a avassaladora escolha dos estudantes e pela super exposição da Medicina em todas as capitais "sugeriria" qual dos cursos para seus filhos, Medicina ou Educação Física?...

domingo, 17 de janeiro de 2016

Ah, essas mulheres 3...

Imerso em reflexões comezinhas, eis que sou levado, mais uma vez, quando tinha convicção que fora a última, a pensar na complexa relação que estabelecemos com as mulheres, não, não quero com isso dizer que tenha chegado, enfim, a uma conclusão definitiva sobre a impenetrável alma feminina, longe disso, continuo sem entender este ser ímpar e paradoxal. Percebo, sem um quadro empírico para confirmar, que as mulheres continuam protegendo seus parceiros das mais torpes atrocidades que lhes são impingidas, ainda que a lei Maria da Penha tenha alterado um pouco esse quadro, em nome de algo que elas acreditam ser amor, ironicamente, essa inefável palavra de quatro letras serve muito mais para torná-las reféns dos seus "algozes" do que levá-las àquilo que acreditam ser a felicidade! Por que as mulheres sempre dizem "meu amor" de forma tão enfática nas redes sociais e alhures?! O que desejam afinal essas criaturas quando proclamam aos quatro ventos esse sentimento? Foi pensando nisso que lembrei de um dos sarcasmos de Nelson Rodrigues, disse-nos ele: "nada é mais antigo que o passado recente." Seria trágico se não fosse cômico ver amores infantis se tornarem senis muito rapidamente, ainda que esses amores sejam regados a juras de eterna paixão! 
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Alice, nossa heroína, vivera seu país das maravilhas, conseguira realizar o sonho de grande parte das mulheres (mesmo as que negam, têm esse desejo!) casara-se de branco, tanto no civil como no religioso, rodeada dos amigos e familiares; dizem, as boas línguas, que a festa foi uma das mais belas daquela região da Bahia. Os mais crentes em utopia chegaram a afirmar que parecia um conto de fadas; do príncipe só se falavam qualidades, Alice acertara na sorte grande, diziam os afeitos aos jogos de azar, encontrara um sujeito honrado, honesto, trabalhador, amoroso e, acima de tudo, altruísta, agora, respondam-me: em tempos de descrença, onde a imagem que temos é que todo mundo ou é oportunista ou é corrupto, ou as duas coisas indistintamente, quem não gostaria de casar com alguém assim? Tínhamos ali um mar de rosas ou o mar da flor que lhes for mais atraente! O interessante nesta história e em outras é que casamento só é perfeito em rede social, lugar onde quase todo mundo é feliz e não se fala dos vícios ou defeitos do ser amado, ali, o para sempre nunca acaba, contudo, alguns têm coragem de assumir que na vida real casamento é uma "zona de guerra", onde os amantes estão sempre negociando um armistício, nunca o fim da contenda!
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Não seria diferente com o casamento de Alice. Porém a imagem que o casal transmitia para fora das quatro paredes, como se dizia no tempo da minha avó, continuava a mesma, nada fora alterado, o bom rapaz e a boa moça viviam felizes para todo o sempre, suas juras de amor eram iguais àquelas da rede de Zuckerberg, parafraseando Woody Allen, lá "todos dizem eu te amo"! Aliás, um genro como aquele era o que toda sogra sonhava! Porém as aparências enganam e muito,  o fato é que no aconchego do lar (essa também é do tempo da minha avó) tudo era muito diferente, é preciso que se diga, convivemos com as pessoas, mas não as conhecemos. Infelizmente, dizem os pessimistas, não temos opção de fazer diferente, somos todos meio canastrões, meio farsantes, nossa vida é uma representação de diversos personagens numa novela mexicano-brasileira, por isso, vamos nos adaptando conforme os índices de audiência!
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Bem, sem ter tudo isso muito claro na cabeça, Alice imaginara que os tempos de namoro tinham sido suficientes para conhecer bem os desejos e vontades de seu príncipe. Descobrira, a duras penas, que seu grande amor era uteromaníaco e, por mais que tentasse, não conseguia satisfazer aquele amante insaciável! Nunca se sentira uma "devoradora" como a Gabriela, de Jorge Amado, mas também não se considerava frígida como a Regina Giddens, de Bette Davis, no entanto, por ter que fazer amor muitas e tantas vezes e, na sua grande maioria, sem nenhuma vontade, começou a achar que o problema era dela, quem sabe se sua taxa de testosterona não estivesse a níveis tão baixos que seu apetite sexual não se rivalizava com o do seu marido?
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Resistira àquela situação por um ano, mais ou menos, até que começou a se esquivar, quando, após alguns exames, descobriu que o problema era (d)ele. Neste caso, por não mais atender às vontades incessantes do companheiro, era estuprada a cada recusa. Ser submetida a essa vileza desencadeou um sentimento de revolta que a fizera desistir da farsa que se tornara seu casamento voltando humilhada, mas viva, para casa de sua mãe! Porém como só os bons perdoam, com ela não foi diferente. O príncipe que virara sapo se mostrou arrependido até o último fio de cabelo, pedindo-lhe mil e uma desculpas, além de jurar sob todos os santos que as violações jamais voltariam a acontecer pois ele tinha muita força de vontade. Alice justificou que voltara só e somente só porque sabia que os estupros não foram algo "criminoso"; primeiro, porque ele a amava perdidamente, e deras provas disso ao pedir perdão por tudo o que tinha feito; segundo, a uteromania é um transtorno sexual, um vício, uma dependência, que requer tratamento, portanto, as violações não podem ser criminalizadas já que não foram algo intencional.
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Convenhamos que a volta pelo primeiro motivo pode ser até plausível, afinal, quem resiste ao amor, esse sentimento tão sublime e embriagador que nos contagia levando-nos a perdoar os atos mais obscenos? Contudo seu retorno ao casamento sabendo que o marido era uteromaníaco não deixava de ser um ato insano e loucuras nestas circunstâncias custam muito caro, já que em nenhum momento se falou em tratamento e sim em força de vontade(?) para evitar a satiríase. Depois da reconciliação, viveram mais uns dois, três meses sem nenhuma turbulência, tudo caminhava na santa paz! Mas, segundo a lei de Murphy, nada está tão ruim que não possa piorar. Numa noite calma e tranquila, a trégua, enfim, foi rompida  por causa de uma simples recusa de Alice alegando falta de desejo, estava com muita dor de cabeça, o sapo achou que aquilo era uma piada  e a estuprou, porém, dessa vez, por não conseguir dominar sua fúria, deferiu-lhe inúmeros socos e pontapés na cabeça, por causa do traumatismo não resistiu, morrendo horas depois, o assassino arrependido, não conseguia explicar porque fizera aquilo! Infelizmente, o mundo está cheio de Alices, quase todas silenciosas, quase todas admitindo o estupro por acreditarem que o amor no fim irá salvar a ambos, evitando com isso, pelo menos para manter as aparências, a dissolução dessa instituição sagrada chamada casamento...