terça-feira, 30 de setembro de 2008

Caminhando com Maiakovski ...

Somos "vítimas" das armadilhas que nos impõe o cotidiano. Em certa medida, aceitamos as coisas como superiores às nossas forças! Neste caso, diríamos que a criatura se apoderou do criador. Isso não significa que apenas o senso comum manifesta essa sensação de impotência. Vejo os mais diversificados segmentos, em algum momento, sentenciando: "é assim mesmo, não tem jeito, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance!" É como se tudo se naturalizasse, e o mais cruel é que a resposta não se altera: "não podemos fazer nada ou já fizemos tudo o que foi possível!" Se alinhavarmos uma série de situações e, calmamente, pensarmos sobre elas, veremos que estamos deixando que as ações mais comuns se "naturalizem". É como se a expressão "o errado é que está certo" se insurgisse e nos tornássemos seus reféns!
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Querem ver como o que estou dizendo vai se tornando comum? Vamos usar um exemplo corriqueiro! Temos a notícia que o preço da merenda escolar foi super faturado em determinados municípios, uma verdadeira falcatrua! "Eles são denunciados e no final ninguém vai preso, caso alguns deles sejam detidos, logo serão liberados, nem vale à pena brigar para que a justiça seja feita." É dessa forma que estamos reagindo. Essa é a nossa resposta à situação! Com a naturalização de tudo, ficamos impotentes, nada podemos fazer com o que nos aflige. A solução encontrada por alguns é se trancar em casa cheia de grades, instalar cerca elétrica, câmeras em todos os pontos, alarmes para se proteger! Como não podemos fazer nada, buscamos medidas paliativas! Rezamos para que as coisas ruins aconteçam com o outro, dizendo: "ufa, ainda bem que meu filho não estava lá e a bala perdida encontrou outra pessoa!" Morre um punhado de gente, todos os dias, nos morros cariocas e nos mais diversos cantos do Brasil, na sua maioria pobres miseráveis, contudo se for alguém com alguma grana, bem, aí temos a mídia para transformar a tragédia em espetáculo, temos uma comoção nacional, sabemos então que devemos ficar indignados!
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Penso que a poesia de Eduardo Alves da Costa, “No caminho, com Maiakovski", é a materialização dessa naturalização. Ele consegue captar esse movimento, essa apatia nossa de cada dia. Você poderia me perguntar: o que foi mesmo que ele disse? Eis a "voz" do poeta: "Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakovski. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.
Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.
Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas ao tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita - MENTIRA."
As condições objetivas estão escancaradas, quando será que as subjetivas estarão?...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Trágicos e Farsantes...

Sei que a analogia que vou fazer beira ao ultraje, mas vou me arriscar em função da ironia com que Marx tratou o assunto, lá no século XIX! Afirmou ele no 18 Brumário de Louis Bonaparte: "Hegel observa algures que todos os fatos e personagens de grande importância na história universal ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." Falar dos "professores", ou melhor, dos técnicos dos clubes brasileiros de futebol, fazendo um paralelo com as reflexões do autor da Miséria da Filosofia, tenho que concordar que é uma verdadeira aleivosia! Mas a forma como esses grandes "sábios" se manifestam é de deixar qualquer um imaginando que eles estão mais para "profetas" do que para técnicos! Suas promessas são de pessoas que têm poderes sobrenaturais, é preciso ser muito ingênuo para acreditar no que eles dizem. Sabemos que o emprego de técnico é seletivo aqui e alhures, e neste país onde todo mundo entende de futebol, só há vinte vagas na série A, logo, o exército industrial de reserva é imenso! O mais incrível é que os cargos são ocupados sempre pelos mesmos sujeitos, é certo que de vez em quando, aparece um nome novo, mas isso não é muito comum. Vejamos como vem ocorrendo o troca-troca entre os técnicos!
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No início, Nei Franco treinava o Atlético Paranaense, por alguma razão, entenderam que não era o nome ideal para dirigir a equipe, foi demitido e até hoje não sabe qual a razão, talvez a torcida do Flamengo saiba já que dizia que o sobrenome dele era Fraco! Contudo, por estranho que pareça, o Botafogo compreendeu que ele seria o técnico ideal e lá foi ele para General Severiano. Geninho estava no Botafogo, como as coisas não andavam bem, a porta da rua se tornou a serventia da casa. Não era bom para o alvinegro carioca, mas era o homem perfeito para assumir o rubro-negro paranaense, o mesmo que dissera que Nei Franco não servia! A ironia é que aprendemos, naquelas aulinhas de Física do pré-pri, que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, neste caso, Mário Sérgio foi demitido sumariamente do time paranaense! Porém como não há mal que dure para sempre, o Figueirense o levou para seu ninho! Nesta ciranda, um desses técnicos quase foi campeão das Américas pelo Fluminense, um verdadeiro fanfarrão! Sempre dissera que tinha o grupo na mão, que enxergava muito além do que a maioria, que todos deveriam aprender com ele, em síntese, era um predestinado! A palavra humildade fora apagada do seu dicionário! Como o campeonato não veio e o time não conseguia sair da "zona de rebaixamento", resolveram, para o bem do clube, demiti-lo! Mas como nem tudo é tão ruim que não possa melhorar, sai para lá lei de Murphy, o Vasco se tornou o novo emprego do "profeta" Renato Gaúcho! E ele, como nos velhos tempos, já chegou dizendo: EU ACREDITO! É seu mais novo slogan! Isso quer dizer que o time não vai ser rebaixado! Afirmar que o Vasco não vai descer para a segunda divisão com uma defesa formada por Odvan e Fernando, é preciso ter poderes metafísicos para acreditar! Não sei, mas parece que já vi esse filme, só não lembro em que lugar!
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Como estamos falando de coisas "sobrenaturais", voltemos no tempo pois dois desses "profetas" se encaixam como uma luva, naquilo que Marx falou sobre tragédia e farsa! O Goiás no campeonato de 2003 conseguiu a façanha de no primeiro turno ser o último colocado. Tudo levava a crer que seria rebaixado, não havia perspectiva alguma de alterar aquela situação, pelo menos era o que falavam os "profetas" da mídia! Mas eis que entra em cena um treinador desconhecido do grande público chamado Cuca e consegue mudar todos os prognósticos e o time lá de Goiania, além de não ser rebaixado, conseguiu uma vaga na Sulamericana, chegando em 9º lugar! O resto da história todo mundo conhece. Disseram que ele era uma revelação, um técnico extraordinário, ele acreditou! Meteoricamente passou pelo São Paulo, Grêmio, Flamengo e São Caetano. Parecia que o brilho estava se apagando, afinal, nessa caminhada não ganhou título algum, foi, então, acolhido pelo Botafogo! Tudo indicava que essa maré de azar mudaria! Como não mudou, foi para o Santos e chegou no Fluminense que pode ser rebaixado, sob o seu comando, eis a tragédia anunciada! Hélio dos Anjos pegou o Goiás em penúltimo lugar, somando apenas três pontos em seis rodadas! hoje o Goiás é o 9º colocado com 39 pontos! Os "profetas" da mídia já começam a dizer que ele é um excelente treinador. No último jogo, após a vitória sobre o Santos, cheio de pompa, falou da tristeza de não poder estar na formatura da filha, numa das maiores instituições do Brasil, a FGV, por causa do trabalho, mas que comemoraria no dia seguinte! Ele acredita que é tão bom que já começa a falar pelos cotovelos! Eis a farsa! Marx continua cada dia mais vivo, não é?...

domingo, 21 de setembro de 2008

Loucos...

Não vou negar que o tema da loucura me atraia sobremodo, isso por percebê-la como irmã siamesa da sanidade. Reafirmo o que já tinha enunciado em outra oportunidade, para mim, foi Samuel Beckett quem melhor traduziu o que é a loucura, disse ele: "todos nascem loucos; alguns permanecem." O fascinante no tema loucura é o constante desequilíbrio e destruição das inúmeras teorias que querem torná-la uma ciência exata! Será que é possível afirmar o que nos torna loucos, ou melhor, como chegamos à loucura? Quantas e quantas vezes já não sentimos o mesmo desejo daquele juiz do conto de Maupassant, não por prazer, mas por raiva ou ódio momentâneos? Quantos "inimigos" já não trucidamos em nossas elucubrações diárias? Não, não é meu objetivo provar o quanto loucos somos todos nós, mesmo porque não tenho nem competência nem talento para isso, mas falar de uma coincidência entre dois meios distintos que, recorrentemente, vêm se retroalimentando: a literatura e o cinema, aliás, todos sabemos o quanto esta vem sendo o sustentáculo de diversas cinematografias. O caso mais recente é o encontro entre o livro de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, e o diretor brasileiro Fernando Meireles.
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Voltemos à coincidência que inspirou essa nossa conversa. Vi por esses dias um filme (cujo título em português é Instinto Secreto, mas que em inglês é Mr. Brooks) cujo desenrolar bem que poderia ter se inspirado no conto de Guy de Maupassant, um louco, que já andei listando por aqui! Entretanto não tenho nenhuma dúvida que o conto é muito mais vivaz do que o filme, muito mais denso! O que se poderia perguntar de imediato é: se o conto é muito mais interessante do que a obra cinematográfica, qual a razão para se falar dessa tal coincidência? Não faz muito tempo que trouxe o conto sobre a loucura do juiz para nossa apreciação, isto é, além da temática e do tempo transcorrido, estamos vivendo um tempo em que é difícil não se perceber certa insanidade nas ações cotidianas, ainda deve estar no imaginário popular o caso daquele adolescente de Goiás que esquartejou a namorada inglesa e saiu para a festa! Eis que sou surpreendido com o filme Instinto Secreto, que traz um serial killer, como são a maioria deles, acima de qualquer suspeita! Bem, são três os atores que "carregam" o filme, aliás, sejamos justos, dois atores, William Hurt e Kevin Costner. Somos levados a pensar de forma intensa a questão da loucura! Entramos "literalmente" na cabeça do louco, na conversa dele com o seu alter ego! Como pode um executivo bem sucedido, assim como o juiz de Maupassant, um filantropo extremamente generoso, um pai e marido exemplar, ser um assassino brutal, nas suas horas vagas? E mais, ao invés de ser acometido de qualquer remorso, sentir um prazer indescritível, a ponto de se dizer viciado em matar, em sentir o cheiro de sangue!? É possível explicar com as nossas ferramentas comuns coisas desse tipo? Ou melhor, o que acontece no filme não seria algo apenas pensado e realizado na arte, na vida as coisas seriam bem diferentes? Por favor, não levem em consideração o exemplo de Goiás, apenas uma exceção à regra, será?!
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O filme vale à pena, acima de tudo, pelos diálogos entre Brooks e seu alter ego Marshall, além de serem primorosos, são de um cinismo atroz! É muito interessante ver o esgrimar de Costner e Hurt! A viagem que fazemos à cabeça do louco, em alguns momentos, chega a ser assustadora, ao nos fazer "observar" em loco como este organiza seus intentos mais vis! O mais interessante é que somos convencidos que quem faz com que Brooks seja um assassino frio e calculista é seu alter ego! Contudo, como não existe prazer sem dor, somos "presenteados" com a aparição de Demi Moore interpretando ela mesma! Neste momento, temos uma sequência de bobagens que não diz qual a razão da sua inserção, quase levando a obra à vala comum! Com a sua inserção, entram em cena, perdoem-me pelo trocadilho, uma quantidade absurda de lugares comuns, rotineiros na vida da "atriz". Há umas sequências em que a vemos nadando de um lado a outro da piscina, cuja razão talvez tenha sido percebermos que mesmo aos 45 anos, ela ainda está "enxuta"! Contudo não é por essa banda "podre" que devemos jogar fora a totalidade do fruto! Nesta roda-viva em que estamos vivendo, filmes como este não nos ajudam a identificar os assassinos em série que estão à nossa volta, e olhe que não são poucos, porém contribuem sobremaneira para que estejamos atentos e não sejamos engolidos pela demência desenfreada que insiste em nos bater à porta...

domingo, 14 de setembro de 2008

Mercadoria...

Passeava pelo centro da cidade, sinceramente, não era bem um passeio, fora comprar um teclado para o laptop de um amigo. O certo é que não ficamos apenas no que tínhamos planejado, outros apetrechos se incorporaram à lista de necessidades básicas, roupas para o frio, por exemplo! Era a primeira vez que transitava naquele espaço, depois do recesso das aulas. Era o início de mais uma "etapa" na difícil caminhada ao pináculo da Montanha Gelada, meu corpo já dava sinais de cansaço, mas aparentemente estava feliz no meio daquele burburinho. Observava as lojas, as vitrines, em suma, o movimento daquela cidade cosmopolita! Naquele dia, havia mais um elemento que tornava aquele quadro mais bonito: o sol, havia luz!
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Em todas as cidades, parece-me, existem aquelas pessoas que vendem sua força de trabalho distribuindo folhetos de propaganda, conhecidos como santinhos! Na Montanha Gelada não é diferente! O curioso é que não há limite: são oferecidas as mais "estranhas" mercadorias, naqueles pequenos pedaços de papel! Vende-se de tudo, até corpo! Este deve ser, depois da tv, o "meio" mais manuseado, a mídia de maior audiência! Tenho por hábito não recusar nenhum deles. Na maioria das vezes, leio, em outras, guardo nos bolsos, mas nunca recuso. Houve uma vez que me arrancaram um das mãos, jogando-o fora como se isso fosse a coisa mais natural do mundo! Nem sempre os limites são respeitados, nem sempre são perceptíveis para quem os transgridem, não é assim?
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Já presenciara em outra cidade a oferta de prazer por essa "midia". Todos sabem que para sobreviver nesta Formação Social, as pessoas fazem as coisas mais estranhas, exemplo? Que tal alguém sair pela cidade com um alto falante na cabeça, tendo os decibéis acima do suportável para vender coisas? São as alternativas encontradas para se ganhar algum trocado. O que me deixou surpreendido foi a oferta ser feita numa das praças mais famosa da Montanha Gelada. Um trabalhador de rua, leia-se entregador de santinhos, deu-me, sem nenhuma cerimônia ou pudor, um santinho com os seguintes dizeres: "Sabrina, corpo de modelo, pura tentação, sex, carinhosa e safadinha! adora brincar - para você que procura prazer de verdade". Além dessa sucessão de adjetivos, havia também os números do celular e do fixo! É bem provável que você ache isso é normal, afinal, tudo nesta formação social pode se transformar em mercadoria, portanto, pode ser posto à venda, é só ter dinheiro para comprar! Nada fora do comum! Há diretor de hospital vendendo lugar na fila de espera de transplantes, por que se ruborizar com a venda de parte do corpo para o prazer? Essa não é a mais velha das profissões? Além disso, as pessoas precisam sobreviver e para isso não importa qual seja o trabalho! Será mesmo? E se Sabrina Safadinha fosse sua mãe? Irmã? Filha? Será que digo isso apenas para causar impacto? Não é isso! Estamos deixando de nos indignar com as coisas mais atrozes, elas estão se tornando normais! O que tem de errado alguém vender o corpo no meio da praça? Por que não podemos nos vilipendiar para sobreviver nesta formação social? O Poeta Russo, 'há tempos', dizia, "até chegar o dia em que tentamos ter demais, vendendo fácil o que não tinha preço ", pois é, não somos pessoas, mercadoria é o que somos...